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  • Uma questão de consciência
  • Despertai! — 1973
Despertai! — 1973
g73 8/9 pp. 24-29

Uma questão de consciência

EM TODO o mundo, as testemunhas de Jeová são conhecidas pela sua neutralidade cristã e por seguirem sua consciência cristã, treinada segundo os princípios da Bíblia Sagrada, a Palavra de Deus. (João 17:16; 2 Cor. 4:2) Assim, é de especial interesse para os leitores de Despertai! o “Parecer Sobre ‘Testemunhas de Jeová’” dado pela Comissão Nacional de Moral e Civismo.

A questão surgiu quando alguns alunos, filhos de testemunhas de Jeová, entraram em divergência com as autoridades constituídas no setor da educação, por terem seguido o conselho bíblico dado em Colossenses 3:20, que reza: “Vós, filhos, em tudo sede obedientes aos vossos pais, pois isso é bem agradável no Senhor.” De modo apropriado, o parecer concordou com este princípio bíblico, ao declarar, no parágrafo 28: “É, pois, no lar, no seio da família, que começa a ser formado o cidadão consciente de seus direitos e deveres.”

Citaremos aqui, com permissão oficial, a revista Educação, publicação oficial do Ministério de Educação e Cultura, Ano I, Número 4, páginas 58 a 65. Trata-se do Parecer N.º 26/71, de 6 de outubro de 1971, aprovado em reunião plenária do dia 13 de outubro de 1971 (Ata 294.a). Ao publicarmos este parecer, o fazemos na certeza de que, pelo seu excelente comportamento, as jovens testemunhas de Jeová em idade escolar jamais mostrarão desrespeito pelas “autoridades superiores” governamentais, não dando motivo assim a penas disciplinares.

“Trata o presente processo de conflito existente entre a posição de alunos, filhos de adeptos da seita religiosa Testemunhas de Jeová, e os princípios e normas referentes à Educação Moral e Cívica.

“Pretende, de fato, a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, que os filhos de Testemunhas de Jeová matriculados em escolas públicas não sofram qualquer sanção quando não cumpram, por motivos de convicção religiosa, seus deveres cívicos, com relação, sobretudo, ao culto devido aos símbolos nacionais.

“2. Originou-se o processo do fato de alunos de estabelecimentos oficiais de ensino pertencentes àquela seita se terem recusado a participar das comemorações da Semana da Pátria, alegando questões de consciência e convicção religiosa.

“3. Baseada em que os pais, ao matricularem seus filhos na escola pública, aderiram tácita, quando não expressamente, à legislação substantiva e às normas regulamentares que presidem ao funcionamento desses estabelecimentos, entendeu a Coordenadoria do Ensino Básico e Normal da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que, por razões de ordem subjetiva, não pudessem tais alunos deixar de cumprir as exigências curriculares e passassem a constituir uma minoria de exceção no que toca aos deveres escolares.

“4. Aprovado tal parecer pela Exma. Sra. Secretária de Educação, Dra. Esther de Figueiredo Ferraz, ficou bem claro que nenhum aluno, seja qual for a religião ou a doutrina filosófica a que se filiem os seus familiares, poderá ser dispensado das práticas de educação cívica, entre as quais se inclui o culto aos símbolos nacionais.

“‘Não se concebe que, dentro da escola, a que cumpre formar cidadãos brasileiros — conclui o referido parecer do Prof. Paulo Nathanael Pereira de Souza — venha a florescer uma minoria de apátridas’, razão pela qual ‘há, pois, que recomendar aos diretores de estabelecimentos oficiais de ensino básico e médio que esclareçam aos pais, por ocasião das matrículas, que seus filhos estão obrigados à prática regular das obrigações cívicas, não havendo dispensa a quem quer que seja, e que o não cumprimento dessas obrigações acarretará, necessariamente, os ônus previstos em lei’.

“5. Inconformada com tal despacho, dirige-se a Sociedade, em grau de recurso, à própria Secretária, requerendo, em primeiro lugar, que sejam tornadas sem efeito as exclusões de alunos e, em segundo lugar, ‘que se abra a oportunidade para um reexame da questão, a fim de que o poder público, mediante específico pronunciamento, trace normas de interpretação relativamente à exigência do ensino de Educação Moral e Cívica, mediante as quais seja assegurado aos alunos adeptos da crença Testemunhas de Jeová o exercício da liberdade de consciência prescrita pela Constituição do País’.

“6. Distribuído o processo, como relator, ao Prof. Alfredo Cecílio Lopes, manifestou-se este, e com ele a Comissão Estadual de Moral e Civismo, no sentido de que fossem tornadas sem efeito sanções aplicadas por diretores de estabelecimentos de ensino à vista do descumprimento de deveres relativos à Educação Moral e Cívica.

“7. ‘A disciplina e prática educativa que é a Educação Moral e Cívica — diz aquele educador — visa, essencialmente, à formação de bons cidadãos, que amem, conscientemente, a sua Pátria e a sirvam devotadamente. Se o seu contexto se baseia, fundamentalmente, em princípios éticos de validade universal, não apresenta, necessariamente, um complexo de dogmas religiosos que possam, eventualmente, ferir a essência íntima deste ou daquele credo religioso e, em conseqüência, pela sua exigibilidade no currículo escolar, violar a efetividade da liberdade de consciência assegurada pela Lei Maior. A incompreensão deste postulado, por parte de pais de alunos que os orientam espiritualmente, não pode levar, segundo penso, a uma atitude punitiva contra os alunos em questão, a ponto de os excluir da vida escolar pelo próprio fato de se comportarem em obediência ao pátrio poder. Tal exclusão se me afigura, totalmente, contrária às finalidades da própria educação básica, que é dever do Estado. A exclusão marginaliza a criança, o jovem, marcando-o com o ferrete de uma culpa de que não é o agente direto, numa idade em que o seu espírito se encontra em plena formação. A exclusão pelo fato relatado no Processo, tenho-a por excesso de aplicação das conclusões do Parecer supra-referido do então Coordenador do Ensino Básico e Normal, o eminente Presidente desta Comissão, professor Paulo Nathanael Pereira de Souza. Para cumprimento da disciplina e prática educativa Educação Moral e Cívica, basta a verificação do aproveitamento escolar, o qual, sendo negativo, importa em reprovação na mesma. Apliquem-se os critérios habituais de aferição de capacidade escolar utilizados para as disciplinas do currículo e aí se terão os ônus a que estão sujeitos os alunos que mal cumprirem os seus deveres escolares. Desnecessária se me afigura qualquer outra sanção, muito menos a excessivamente rigorosa, de efeitos drasticamente contraproducentes, qual a da exclusão, ou mesmo a mais branda, como etapa preliminar, da suspensão. Com tal providência, descaracterizar-se-á a marginalização a que será submetido o aluno, por motivo da violação de consciência levantado pelos seus responsáveis, fonte de prováveis desentendimentos entre eles e os dirigentes dos estabelecimentos de ensino respectivos.’

“8. Nessa ordem de idéias, foi a CEMC [Comissão Estadual de Moral e Civismo], baseada no estudo do Relator, de parecer:

‘a) que a Secretaria da Educação, por ato de sua ilustre titular, torne sem efeito as sanções até aqui aplicadas pelos Diretores dos estabelecimentos de ensino do Estado a alunos dos mesmos, adeptos das Testemunhas de Jeová ou de outros credos, em razão de descumprimento de deveres escolares relativos à disciplina e práticas relacionadas com a Educação Moral e Cívica.

‘b) que, por igual, leve ao conhecimento dos mesmos Diretores que a Educação Moral e Cívica, como disciplina e como prática educativa, se aplicam, respeitadas as suas características peculiares, os mesmos padrões de verificação de aproveitamento escolar, sem outras sanções que deles se afastem (V. Parecer n.º 94/71, do C.F.E., II, 6.ª Resolução SE n.º 22, de 23-4-71, art. 7.°);

‘c) que se submeta ao alto critério da Exma. Sra. Secretária da Educação o atendimento do segundo pedido da signatária, na linha das considerações a seu propósito feitas acima.’

“9. Divergindo do parecer da Comissão Estadual, resolveu a Prof.ª Esther de Figueiredo Ferraz submeter, finalmente, o problema à Comissão Nacional de Moral e Civismo.

“Entendendo que a pretensão da Sociedade postulante colide, até mesmo, com as instituições políticas vigentes, doutrina aquela ilustre educadora:

‘Agasalhar, com a complacência da impunidade, esse propósito que certos pais, intencional e deliberadamente, fazem nascer no espírito em formação de seus filhos, seria o mesmo que incorporar ao Estado um princípio de ordem religiosa.

Se é exato que o Estado garante a liberdade de culto, as convicções religiosas, não é menos verdadeiro que essa garantia jamais haveria de exceder aos limites razoavelmente contidos no próprio espírito e na letra da Lei Maior [Constituição].

Assim, nunca se haveria de pretender que os poderes públicos, resguardando um princípio de natureza religiosa, pois a tanto se chegaria com o acolhimento do pedido, aceitassem impassíveis, a rejeição, por outro lado, de princípios presentes na própria justificação do Estado, como são aqueles contidos na Educação Moral e Cívica.

A Educação Moral e Cívica constitui disciplina e prática educativa de caráter singular, que não se confunde com as demais disciplinas do currículo escolar. As superiores razões de ordem pública que a inspiram estão, indissoluvelmente, vinculadas à própria estabilidade da nação brasileira. Assim aceitar, a título de ‘liberdade religiosa’, que uma minoria fuja ao seu cumprimento, seria esquecer circunstâncias de transcendental significação para os destinos do País.

Além do mais, lembraria, por derradeiro, que a nenhuma seita é dado invocar tais motivos para eximir-se de obrigações de natureza fundamental, consagradas, em especial, pela escola pública. Se uma dessas seitas, como ora ocorre, quer se outorgar essa prerrogativa, manda o bom senso que então atente, ela própria, em primeiro lugar; para a obrigação, que no caso seria exclusivamente sua de ministrar, sob sua responsabilidade, aos seus adeptos, um ensino dimensionado segundo sua doutrina.

É o relatório.’

“10. O assunto é bastante delicado e exige, para uma solução justa, uma análise serena de nossos princípios constitucionais e de nossa concepção de Estado.

“11. A Constituição da República Federativa do Brasil, na forma que lhe deu a Emenda Constitucional n.º 1, de 17 de outubro de 1969, continuou, como as anteriores, por seu artigo 153, a assegurar direitos e garantias aos brasileiros e estrangeiros residentes no País consagrando, em vários dispositivos, a chamada liberdade de crença.

“O § 1.º daquele artigo estabelece o famoso e clássico princípio de isonomia, declarando expressamente:

‘Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicção política. Será punido pela lei o preconceito de raça.’

“Mais adiante, nos parágrafos 5.º e 6.º, continua o diploma constitucional:

‘§ 5.º — É plena a liberdade de consciência e fica assegurado aos crentes o exercício dos cultos religiosos que não contrariem a ordem pública e os bons costumes.

§ 6.º — Por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, ninguém será privado de qualquer de seus direitos, salvo se o invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta, caso em que a lei poderá determinar a perda dos direitos incompatíveis com a escusa de consciência.’ (Grifos nossos.)

“12. Por sua vez, o art. 149, § 1.º, letra b, estabelece que, assegurada ao paciente ampla defesa, decretará o Presidente da República a perda dos direitos políticos, ‘pela recusa, baseada em convicção religiosa, filosófica ou política, a prestação de encargo ou serviço impostos aos brasileiros em geral’.

“Tal procedimento vem sendo aplicado aos adeptos da seita Testemunhas de Jeová, que se recusam à prestação do serviço militar.

“O assunto acha-se, hoje, regulamentado pela Portaria do Ministério do Exército n.º 562, de 8-6-67, publicada no Diário Oficial de 14 do mesmo mês e ano, a fls. 6381/6382, que contém as instruções para o processamento e solução dos casos em que cidadões brasileiros procuram eximir-se da prestação do Serviço Militar por motivo de convicção religiosa, na forma estabelecida pelo art. 244 do Regulamento respectivo.

“13. No caso em tela, porém, em que se trata de escusa da prestação de culto aos símbolos nacionais por motivos religiosos, há que examinar-se não só os preceitos constitucionais e ordinários atinentes à espécie, como as conveniências de ordem pedagógica.

“14. A Constituição, no § 2 do seu art. 1.º, estabelece que ‘são Símbolos Nacionais a bandeira e o hino vigorantes na data da promulgação desta Constituição e outros estabelecidos em Lei’. (V. Decreto n.º 4, de 19 de novembro de 1889, e Lei n.º 5.700, de 1.º de setembro de 1971.)

“Nos Capítulos V e VI deste último diploma legal, prevê-se o respeito devido à bandeira nacional e ao hino nacional, bem como as penalidades impostas aos que desrespeitarem aqueles símbolos.

“15. A legislação específica dispõe, entretanto, sobre o comportamento dos que se achem presentes à cerimônia em que se presta reverência aos Símbolos Nacionais, mas não comina nenhuma penalidade aos que não comparecem para prestar culto aos mesmos símbolos.

“16. O Decreto-Lei n.º 868, de 12 de setembro de 1969, que ‘dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica como disciplina obrigatória, nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no País, e dá outras providências’, estabeleceu, todavia, como uma das finalidades daquela matéria curricular e prática educativa, ‘o culto da Pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e aos grandes vultos de sua história’ (letra d do art. 2.°).

“17. Tanto o art. 1.º deste diploma legal quanto o art. 4.º do Decreto n.º 68.065, de 14 de janeiro de 1971, que o regulamentou, estabeleceram a Educação Moral e Cívica como disciplina e prática educativa obrigatória em todos os graus e ramos de ensino do País.

“18. O § 2.º do art. 4.º desse último diploma legal estabeleceu, supletivamente, que ‘cada estabelecimento de ensino determinará, em seu Regimento, as normas e critérios de verificação de aproveitamento da disciplina Educação Moral e Cívica, tendo em vista a sua índole peculiar’

“19. Nessas condições, a nenhum aluno é dado faltar, além do permitido na legislação específica, às aulas teóricas e práticas dessa disciplina, por qualquer motivo, pois na hipótese estaria incidindo no previsto pelo § 6.º do art. 153 da Constituição.

“A freqüência, assim, às aulas teóricas e às práticas educativas de Educação Moral e Cívica é dever imposto a todos, sob pena de reprovação escolar e suas conseqüências.

“20. De outra parte, porém, como diz LUZIRIAGA ‘há que advertir que o fim último da educação cívica não é o Estado, senão a personalidade, que é cidadã, mas também algo mais’ (v. Diccionário de Pedagogia, Editorial Losada S.A., Buenos Aires, 1960, verbete Educación Cívica).

“21. A Educação Moral e Cívica, de acordo com o art. 2.º do Decreto-Lei n.º 869, apoiando-se nas tradições nacionais, tem, como primeira finalidade, ‘a defesa do princípio democrático, através da preservação do espírito religioso, da dignidade da pessoa humana e do amor à liberdade com responsabilidade, sob a inspiração de Deus’

“22. Aliás, enquanto Deus figura na letra a do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 869, Pátria figura apenas na letra d, querendo-se, com isso, significar a hierarquia de valores, que para nós é primacial.

“Enquanto as Pátrias são perecíveis, como a própria Terra, mesmo cientificamente falando, Deus é imortal e eterno, transcendendo, pelo espírito, a tudo que é temporal e efêmero.

“23. Não é senão por isso que o próprio Congresso Nacional brasileiro, ao decretar e promulgar a Constituição, em seu preâmbulo, invocou a proteção de Deus.

“Tal invocação do Ser Supremo, que não é comum a todas as Constituições, é garantia bastante dos fundamentos eternos de nossa política e de nossa organização secular.

“24. Não têm razão, portanto, as Testemunhas de Jeová, quando negam os deveres dos cidadãos para com a Pátria, dentro da concepção espiritualista defendida pelo Estado brasileiro.

“25. Sabemos que as Testemunhas de Jeová vinculam, como dizem, a conotação sagrada de culto, exclusivamente, à sua reverência a Deus.

“De outro lado, ‘por considerarem as Testemunhas de Jeová os hinos nacionais de todas as nações como cânticos de exaltação religiosa às Pátrias — como diz o Presidente da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados — sua consciência poderá levá-las a silenciar, respeitosamente, quando forem cantados, com fundamento no preceito bíblico de que somente se deve exaltar a Deus, conforme Êxodo 20:3, 4 e 5: Não terás outros deuses contra mim. Não farás para ti imagem esculpida nem figura do que há em cima no céu, nem do que há embaixo na terra, nem do que há nas águas embaixo da terra. Não adorarás tais coisas, nem lhes servirás’.

“26. Não têm razão, porém, data venia, as Testemunhas de Jeová.

“Com relação à palavra culto usada nas expressões culto à Pátria e aos seus símbolos, culto à bandeira, etc., o emprego da mesma se faz em sentido figurado, como o atestam os maiores dicionaristas da língua, dentre os quais ressaltamos, talvez o maior, ao simples acaso, Caldas Aulete, que, no verbete respectivo, consigna:

“‘Culto, s.m. homenagem religiosa tributada a Deus e aos entes sobrenaturais; liturgia; o culto divino, o culto dos santos, o culto dos falsos deuses. Culto externo, as cerimônias e festividades religiosas. Culto interno, o que se rende a Deus por atos interiores da consciência. A religião considerada nas suas manifestações externas: A liberdade de cultos. (Fig.) veneração profunda: Prestou sempre culto à memória de seu benfeitor. (Fig.) Entregar-se ao culto das musas, dedicar-se à poesia. P. lat. Cultus’ (v. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, 2.ª edição brasileira, Rio de Janeiro, Editora Delta S.A., 1964, II Volume)

“Do mesmo modo, na língua espanhola, a língua por excelência irmã da portuguesa, da qual esta, de certo modo, procede, a mesma coisa acontece. No verbete respectivo do Diccionário de la Lengua Española, da Real Academia Espanhola, Madrid, 1970, lemos, entre outras muitas acepções, 7. por ext., admiración afectuosa de que son objeto algumas cosas. Rendir CULTO a la belleza.

“Vê-se, assim, que o culto que tributamos a Deus em nada impede o culto que dedicamos aos símbolos nacionais. A questão é de idéias e não de palavras, que muitas vezes envolvem semanticamente.

“Com relação aos hinos, não é verdade, também, data venia, que, sendo exaltações à pátria, se tornam espúrios com fundamento no preceito bíblico de que somente se deve exaltar a Deus.

“Também a exaltação pode dar-se em vários sentidos, como nos informam os maiores léxicos da língua.

“E nem se diga que o nosso Hino Nacional, com versos como:

‘Ó Pátria amada,

Idolatrada,

Salve! Salve!’

e

‘Terra adorada,

Entre outras mil

És tu, Brasil,

Ó Pátria amada!’

incide em verdadeira blasfêmia. São conhecidas as licenças poéticas de que gozam os que se dedicam à poesia e são conhecidos também os sentidos figurados, metafóricos, em que são empregados quase todos os vocábulos do idioma.

“27. Se as Testemunhas de Jeová reconhecem, na saudação à bandeira, um ato religioso e não cívico; se a Enciclopédia Americana, em inglês, tem conceito idêntico; se muitas palavras como devoção, reverência, etc., são usadas em relação à bandeira; nem por isso essas expressões têm sentido religioso, jamais querendo significar a prevalência dos interesses temporais sobre os interesses eternos.

“28. O nosso civismo está longe de ser jacobino, e muito menos de ser totalitário. Prova disso é o que se lê no verbete respectivo da Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo, do Ministério da Educação e Cultura, da qual extraímos o que se segue:

“‘Caracteriza-se (o civismo) por uma atitude ativa de interesse e participação nos problemas da comunidade . . . O civismo não pode ser ensinado mediante formulação de regras de comportamento. É resultante da convicção interior, nascida da prática cotidiana das virtudes que constituem apanágio de uma personalidade bem formada. . . . É, pois, no lar, no seio da família, que começa a ser formado o cidadão consciente de seus direitos e deveres.

“29. Só na concepção totalitária, a Pátria supera a divindade. . . .

“Cabe, portanto, ao Estado, criar as condições sociais que possibilitem a cada membro da família social a aquisição do necessário para a sua possível felicidade.

“A prosperidade pública não pode ser o fim último do Estado, porque este deve, afinal, existir em função do bem dos cidadãos.

“Muito menos, pode ser fim do Estado a sua própria glorificação. Como reconhece Bertrand Russell, nenhum democrata poderia tolerar teoria tão injusta: ‘Quando pensamos concreta, e não abstratamente, encontramos, em lugar do Estado, certas pessoas que têm mais poder do que a maioria dos homens. E, assim, a glorificação do Estado vem a ser, de fato, a glorificação de uma minoria governante.’

“O Estado existe para o bem dos homens e não os homens para o bem do Estado. O Estado é o meio e não fim (Ataliba Nogueira). Se os nossos sacrifícios e as nossas renúncias em prol do corpo social se devessem generalizar, com que interesse acorreria o homem à sociedade? Nesse caso, como acentua Angelo Brucculeri (Lo stato e l’individuo), ‘muito preferível seria a vida selvagem do pretenso estado de natureza’.

“Para o homem, o Estado é fim parcial e intermediário. Por ele deve atingir a pessoa humana suas satisfações temporais, necessárias à sua verdadeira plenitude. A vocação natural do estado deve ser, portanto, servir à pessoa humana (Brucculeri).

“Essa é nossa concepção do Estado.

“32. Por ela, não há por que não obedecer a ele. O direito de resistência ao Estado só se torna legítimo e lícito quando principalmente prescreve ele algo que contrarie a lei divina. É conhecida a resposta dada por São Pedro aos sacerdotes hierosolimitas e consignada nos Atos dos Apóstolos (5, 29): ‘Mais vale obedecer a Deus que aos homens.’ Mas, fora daí, prevalece a doutrina da obediência aos poderes superiores e da submissão ao Príncipe em sua qualidade de ministro de Deus, proclamada sem rebuços por São Paulo em sua Epístola aos Romanos (v. nossa monografia O direito político de resistência, Rio, Forense, 1962).

“33. Está claro que se assegura às Testemunhas de Jeová, como a qualquer outra seita, plena liberdade religiosa. A própria Igreja Católica, na Declaração Dignitalis Humanae, promulgada em 7 de dezembro de 1965, assegura desassombradamente tal liberdade. No caso, o Concílio Vaticano II chegou a definir aquela liberdade como a ‘em que todos os homens devem permanecer imunes de toda coerção, tanto da parte de indivíduos como de grupos sociais e de qualquer poder humano, de modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a sua consciência nem impedido de agir dentro dos devidos limites, segundo sua consciência, privadamente e em público, só ou associado a outros.’

“A liberdade espiritual do ser humano, como diz Gregório R. de Yurre (v. Civilización y Civismo, Vitória, Editorial Eset. págs. 89/90), é a liberdade fundamental e básica, porquanto encarna as exigências mais íntimas da pessoa: as que emergem da consciência. Isto significa que o Estado não tem jurisdição sobre o santuário da consciência humana para impor crenças ou ditar a fé de seus súditos. A Igreja, por sua vez, tem a missão de pregar a fé aos homens, porém não tem direito a recorrer à força e à coação para impor essa fé aos homens. Assim, resulta que o Estado, que tem em suas mãos o máximo de coação e força, não tem jurisdição sobre o santuário da consciência; a Igreja, que tem jurisdição sobre a consciência, não tem força nem coação para impor. A fé tem que nascer, portanto, livremente, como conseqüência de uma decisão interna, pessoal e livre dos mesmos seres humanos.

“34. Ora, essa liberdade é um truísmo no Brasil, um verdadeiro direito público subjetivo. Graças à delimitação jurídica do poder público, o campo da honesta liberdade religiosa das pessoas e associações jamais se vê coarctado ou cerceado. Em última análise, o Estado, soberano em sua esfera, respeita a soberania espiritual das Igrejas. Em contrapartida, porém, as Igrejas, soberanas em sua esfera específica, hão de respeitar a soberania temporal do Estado. ‘A César o que é de César, a Deus o que é de Deus.’

“35. Dentro dessa perspectiva, o Estado brasileiro pode obrigar adeptos das várias igrejas a cumprir os preceitos de ordem pública com relação às práticas de civismo, sob pena de não admitir em suas escolas, ou mesmo em quaisquer escolas, alunos que se não sujeitem às atividades cívicas previstas em lei.

“36. Estamos certos de que, porém, dora em diante, depois da definição filosófico-doutrinária que procuramos dar do Estado brasileiro e da significação dos símbolos nacionais, já não haverá margem para que os filhos das Testemunhas de Jeová descumpram as prescrições legais no concernente às práticas educativas próprias da Educação Moral e Cívica.

“Tanto mais que, em recente petição de seu Presidente, a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, em 4 de outubro do corrente, justificando sua não-adoração a ídolos (no que estamos de pleníssimo acordo), diz, textualmente:

“‘3. Semelhante posição das Testemunhas de Jeová — ressalte-se mais uma vez — todavia, não enfraquece seu respeito às Leis e Governos de todas as Nações, pois sua neutralidade em face dos assuntos terrenos, por outro lado, tem a segurança de outro comando bíblico, este estabelecido em Romanos 13:1, 2, 5:

“‘Todo homem seja sujeito às autoridades superiores, porque não há autoridade que não venha de Deus. Assim, aquele que se insurge contra a autoridade opõe-se à ordem estabelecida por Deus, e os que a ela se opõem atraem sobre si a condenação. É necessário que lhe sejais sujeitos, não somente por temor de castigo, mas também por dever de consciência.’ (Tradução católica da Bíblia Sagrada, dos Monges Beneditinos de Maredsous.)

“37. Afigura-se-nos, contudo, excessivamente rigorosa a sanção aplicada ao caso em tela, em que alunos de estabelecimentos públicos teriam sido excluídos ou suspensos dos mesmos por descumprirem, por convicção religiosa, práticas educativas de civismo.

“38. Há que se ter, no caso, suma prudência, para não violentar a consciência da criança e para não marginalizá-la, a ela, que, como incapaz juridicamente, não se pode tornar responsável de seus próprios atos.

“39. Ao pai ou responsável é que deveriam caber as sanções. Mas, para isso, seria preciso haver legislação adequada e específica, que, infelizmente, não existe.

“40. A criança deve ser objeto de nossos cuidados. Parafraseando o Pe. Arturo Vermeersch, S. J., que se refere à pregação do Evangelho, poderíamos dizer:

“‘É necessário pregar o civismo sem violentar ninguém: o ensino, a palavra persuasiva, a virtude, uma doçura de cordeiro devem abrir à boa nova um caminho que a espada não abre jamais: o das inteligências e dos corações.’ (v. La Tolerancia, Buenos Aires, Plantin, 1950, pág. 10)

“41. Além disso, o direito à educação é direito fundamental da criança. ‘A educação, inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana — diz o art. 176 da Constituição vigente — é direito de todos e dever do Estado, e será dada no lar e na escola.’ O mesmo dizem, com maior ou menor desenvolvimento, o art. XII da Declaração Americana dos Direitos do Homem e o art. 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

“42. Não há direito, por mais fundamental que seja, entretanto, que não sofra limitações, decorrentes do bem comum. Se é direito de todos e dever do Estado a educação, está inspirada esta, constitucionalmente, no princípio da unidade nacional e, portanto, nos princípios de ordem pública, inclusive da Educação Moral e Cívica, que contribuem para aquela unidade.

“43. Dessa forma, os alunos de todos os credos religiosos estão sujeitos às prescrições do Decreto Lei n.º 869 e do Decreto n.º 68.065.

“Quando os desrespeitarem, poderão, por faltas ou por ausência de aproveitamento, ser reprovados na disciplina em questão, na forma do próprio art. 7.º da resolução de 23-4-71 da Secretaria de Educação de São Paulo, verbis:

“‘A avaliação do aproveitamento do aluno, na área da Educação Moral e Cívica, far-se-á nos termos do Regimento em vigor no estabelecimento e das normas constantes do Parecer n.º 94/71 do Conselho Federal de Educação.’

“44. A suspensão e a exclusão, caso figurem no regimento, como penas disciplinares, só deverão ser aplicadas em casos graves de reincidência e desrespeito, como medida excepcional e última para manter o prestígio de uma disciplina que, como disse a Exma. Sra. Secretária de Educação de São Paulo, ‘constitui disciplina e prática de caráter singular, que não se confunde com as demais disciplinas do currículo escolar.’

“45. Como medida complementar, porém, é de exigir-se dos responsáveis, a partir do próximo ano, no ato da matrícula dos menores, a declaração expressa de que estão de acordo com a legislação substantiva e com as normas regulamentares que presidem ao funcionamento do ensino.

“É o nosso parecer, s.m.j.

Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1971

(a) Arthur Machado Paupério — Relator.”

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