Uma noite a bordo da “Arca”
Do correspondente de “Despertai!” no Quênia
GOSTARIA de passar uma noite na Arca? É uma estrutura de três conveses, feita principalmente de madeira. Não, esta Arca não foi construída por Noé. Mas, os conceitos daquela que ele e sua família construíram, há mais de 4.300 anos atrás, sem dúvida inspirou o formato desta Arca moderna.
A Arca dos dias atuais descansa sobre um contraforte de 2.316 metros de altitude, cercado por uma floresta montanhosa na Cadeia Aberdare, do Quênia. De dentro da arca, os visitantes podem observar os animais fora da estrutura. Isto faz parte dos esforços do Quênia para habilitar pessoas de todo o mundo a observar e estudar os animais em seu ambiente natural, em áreas reservadas para preservar muitas espécies animais ameaçadas de extinção.
Planejamos passar a noite na Arca, junto com vários outros visitantes. “Mas”, pergunta o leitor, “como espera ver quaisquer animais no meio da escuridão?” Bem, ver tudo durante a noite é possível por meio de poderosos holofotes. Estas “luas” artificiais foram feitas de modo a não assustar nem transtornar mesmo os animais mais tímidos.
A Jornada
Nossa viagem começa em Nairóbi, perto da extremidade do grande Vale Fendido. Depois do desjejum, apreciamos uma viagem de carro de três horas através de Kikuylândia. A primeira parada é logo nos limites do povoado de Nyeri, no Clube de Campo Aberdare. Essa será nossa base. É cercado de encostas florestais, ricas em árvores da flor-de-coral de Nandi, castanha-do-cabo e jacarandá, sob as quais passeiam grous e papagaios.
Olhando para a planície ao norte, temos maravilhosa vista do Monte Quênia à nossa direita, seus dois picos nevados ascendendo a mais de 5.182 metros. À nossa esquerda acha-se a Cadeia Aberdare, atingindo uma altitude de mais de 3.962 metros. Estaremos dirigindo-nos naquela direção, após o almoço.
Para evitar perturbar os animais, não se permite que carros particulares entrem neste lado do Parque Nacional. Os visitantes são levados para a Arca em dois grandes ônibus. A viagem de 18 quilômetros nos leva pelos povoados e sítios Kikuyu, adjacentes ao parque.
Ao longo do caminho, macacos Colobus, branco-e-pretos, saltitam nas árvores altas. Ali estão a salvo de caçadores que, certa vez, os matavam para obter suas peles, usadas em mantos cerimoniais ou em tapetes decorativos. Búfalos-do-cabo abundam na floresta e, às vezes, bloqueiam o caminho, afastando-se de lado com relutância para nos deixar passar. Ocasionalmente, vê-se um rinoceronte, mas nunca fica por ali muito tempo. Não se deve ignorar as grandes manadas de elefantes. Sabe-se que eles se lançam ameaçadoramente contra um ônibus, embora jamais cheguem a bater nele. Bem, isso é uma experiência e tanto para se contar aos amigos e parentes!
Nossa Vista da Arca
Por fim chegamos à Arca. Saltando do ônibus, todos os visitantes atravessam uma ponte que leva ao convés de ré. Daí, dirigem-se às pequenas cabinas em um dos três conveses. Nossa cabina tem dois beliches. Rapidamente, abrimos a janela que dá para o mar de grama verde. Ficamos imaginando se algum animal chegou ao comedouro de sal.
Geralmente há javalis por ali. Movimentam-se de joelhos para comer a grama da clareira. Caso algo os assuste, correm para abrigar-se no matagal das cercanias, com seus rabos tão eretos como o mastro dum navio.
Cada vez que visitamos a Arca, vimos o tragélafo. Este antílope extremamente elegante e gracioso jamais relaxa sua vigilância. Não é de admirar! É a presa favorita do temível leopardo. O tragélafo possui uma falha de pêlo, semelhante a um colar, ao redor do pescoço. Segundo a tribo Kikuyu local, isto data dos dias de Noé. Sua tradição é que, a fim de conseguir que o teimoso tragélafo entrasse na arca, Noé teve de levá-lo com uma corda que gastou todo esse pêlo!
Búfalos-do-cabo perambulam casualmente em frente da Arca. Logo chafurdam na lama ao redor do poço de água, não ficando contentes até que fiquem cobertos com escorregadia lama da cabeça aos pés. Apenas os elefantes fazem com que tais criaturas teimosas abandonem seu poço de água. Esses desajeitados paquidermes não querem nenhum outro animal presente quando vêm beber água e saborear o sal colocado pela equipe da Arca. Com altos barritos e batidas de suas enormes orelhas, também se asseguram de escorraçar a pequena lebre africana e o mangusto.
A melhor visão de quaisquer animais no poço de água é obtida de uma câmara de observação do andar térreo. Permite que a pessoa fique a poucos metros de elefantes, búfalos, rinocerontes ou outros grandes animais que se aproximam. Soube-se de elefantes que enfiaram suas trombas pelas fendas da câmara. Felizmente, ninguém até agora foi puxado para fora através dessas aberturas.
O que nos impressiona quanto a todos esses grandes animais é a proteção que dão a seus filhotes. Durante uma visita anterior, grande manada de elefantes surgiu à vista. Protegiam um elefantinho bem pequeno, talvez com duas semanas de vida. Este filhote jamais deixou seu lugar seguro de entre as patas da mãe. Podíamos observar quão nervosa estava toda a manada, em especial quando entrou em cena outra manada. Prontamente, os recém-chegados compreenderam que sua presença não era apreciada. Assim, mantiveram distância até que a primeira manada prosseguiu caminho.
Suscita-se Emoção incomum
Há momentos especiais ‘a bordo da Arca’, também. Nestas ocasiões, atinge-se o auge das emoções. Por exemplo, os visitantes ficam eletrizados de ver o raro e evasivo bongo, tornando-se famosa a sua visão desde a Arca. Este lindo animal acanhado é um grande antílope. Restringe-se às florestas montanhosas e raramente é visto, exceto aqui da Arca. O bongo possui um casaco cor de castanha, com doze ou treze listras finas verticais dos lados. Camuflagem ideal para o seu lar na floresta! Quando o bongo emerge das árvores opostas à sala para visão dos animais de caça, os visitantes soltam um suspiro. Quase que prendem o fôlego, receando que ele fuja. Logo, contudo, ouve-se o clique e zunido das câmaras, à medida que ansiosos fotógrafos registram a visão deste gracioso animal. O diário de bordo da Arca revela que, durante muitos meses, pode-se ver o bongo pelo menos uma vez a cada dois dias. Quando o bongo ou o leopardo aparecem, soa uma campainha na Arca para alertar os que dormem. Por certo, não gostariam de perder este acontecimento.
Caso haja uma noite em que poucos animais surjam na clareira, os observadores sempre podem distrair-se com as visitas noturnas duma família de ginetos. Estes felinos se alimentam de ovos crus e pedaços de carne, que são colocados regularmente na varanda quase desde que a Arca foi aberta, em fins de 1970. Agora os descendentes do casal original de ginetos não têm mais medo do homem. Podem ser atraídos a chegar bem dentro da Arca e ser alimentados na mão. Estes são os únicos animais que são bem-vindos na Arca, embora macacos cercopitecos às vezes entrem nos camarotes, se as janelas forem deixadas abertas.
Deixam-se de lado as refeições se algo excitante acontece do lado de fora. Talvez um leopardo esteja caçando sua presa em plena vista. Ou, dois búfalos machos rivais podem lutar pela supremacia sobre a manada. Hienas às vezes atacam insuspeitos filhotes de búfalos, ou o filhote do gigantesco porco da floresta. Os gritos do filhote, combinados com os grunhidos do animal genitor que tenta afastar os atacantes, são suficientes para fazer com que qualquer visitante deixe correndo o almoço para observar a cena.
Os determinados a não perder nada podem ficar acordados a noite toda, observando os animais, e são fortalecidos com bebidas quentes em torno de crepitante lareira. No entanto, pouco depois do alvorecer, quando se pode ver os picos cobertos de neve do Monte Quênia reluzindo diante das primeiras luzes do amanhecer, os passageiros da Arca desembarcam e seguem pela trilha da floresta saindo do Parque dos Animais. De volta à base, pegam o transporte para casa.
Preciosas Recordações
Lembraremos por muito tempo a noite de vigília que passamos na Arca. Naturalmente, tais visitas podem ter momentos mais pitorescos. Estes tampouco serão esquecidos, provavelmente. Por exemplo, ao ver um grupo de gigantescos porcos da floresta, certa mulher gritou de puro prazer. Estava certa de que via os primeiros rinocerontes! Outros confundem o mangusto com um macaco Colobus, e até mesmo a hiena com o leopardo!
Sem dúvida, é boa idéia fazer uma pesquisa de antemão. Pode-se aprender muito dum bom compêndio sobre animais e aves que sejam comuns à área que planeja visitar. E, quem sabe? No futuro, talvez possa passar uma noite fascinante a bordo da “Arca”.