Satisfazer as necessidades variáveis da linguagem
MONSIEUR BOULANGER, um homem comum, criou a necessidade de uma nova palavra. Abriu um estabelecimento em que refeições prontas podiam ser adquiridas e saboreadas em suas dependências. Para atrair os sobreviventes famintos da Guerra dos Sete Anos (1756-1763) que então lotavam as ruas de Paris, Boulanger afixou um cartaz, sobre sua porta, que dizia, em latim: “Venite ad me omnes qui stomacho laboratis et ego vos restaurabo.” Isso significava “Vinde a mim vós todos que sofreis do estômago e eu vos restaurarei.” Assim, este estabelecimento, destinado a restaurar sua clientela, foi chamado naturalmente de restaurant, que é a palavra francesa para ‘aquilo que restaura’.
A contribuição inconsciente de Monsieur Boulanger ao francês, e, eventualmente, ao português e outras línguas, ilustra como a linguagem se amplia, em atenção às necessidades variáveis. Mas, o que é exatamente linguagem? Declarada de forma simples: São “as palavras, sua pronúncia, e os métodos de se combiná-las, usados e entendidos por uma comunidade considerável”. A linguagem cresce, muda, diminui, ou até mesmo desaparece, conforme as circunstâncias da comunidade que a usa, bem como as pressões e exigências que lhe são impostas. A linguagem muda constantemente. Diariamente se adicionam palavras novas, ao passo que outras desvanecem-se e, por fim, somem do uso comum.
O inglês é uma das línguas mais ricas do mundo. O português também. Têm derivado termos de quase toda língua conhecida da humanidade. Ao passo que muitas autoridades calculam haver cerca de 600.000 palavras em inglês, isto não leva em conta os muitos milhares de palavras especializadas e tecnológicas que não se encontram em dicionários gerais, embora completos. Se fossem adicionadas, a contagem final poderia bem aproximar-se de três milhões de palavras. Para cada idéia, usualmente há vários termos diferentes que a expressam, em inglês e em português, com variados matizes de significado.
Onde é que se originaram todas essas palavras? Um exame de como as palavras são tomadas ou cunhadas, para satisfazer as necessidades variáveis duma língua, de forma alguma está reservado apenas para o etimologista (aquele que estuda as palavras e suas origens). Antes, uma investigação talvez seja interessante, proveitosa e até mesmo divertida para o leitor casual. Deveras, talvez fique surpreso de saber o papel que desempenha no desenvolvimento da língua que fala.
Muitas Palavras Derivam-se de Outras
O processo de tomar palavras de outras línguas e modificá-las, segundo as novas necessidades e gosto duma “comunidade” diferente, é quase infindável. Considere só a descrição francesa das folhas de uma planta comum. As três palavras francesas dent de lion, sendo bem apropriadas, foram combinadas, e pronto! — temos o português “dente-de-leão”.
Parecia não haver razão, em inglês, para não conservar a palavra indígena americana para uma hortaliça que os nativos tinham introduzido aos primitivos peregrinos. Naturalmente, era um tanto longa. Assim, a palavra askutasquash, em narragansett, foi abreviada de modo simples (felizmente) para “squash” (abóbora). (Imagine só pedir a alguém, à mesa, que passe a askutasquash!) A frase latina, mobile vulgus) significando ‘multidão agitada’, também resultou muito desajeitada para uso comum. Apesar dos esforços estrênuos dos “puristas” da língua inglesa, o termo foi abreviado para “mobile” e, finalmente, para “mob” (turba, malta).
Mudanças de Definição — Por Quê?
Nos exemplos precedentes, de derivadas de outras línguas, a definição da palavra permaneceu intata depois da sua adoção. A palavra “chauffeur” não foi tão bem. Derivada diretamente do francês, originalmente significava “alguém que aquece”. Era uma descrição apropriada, deveras, do empregado que, com o advento do automóvel a vapor, tinha de prover boa dose de vapor na caldeira do veículo, em preparação para a partida do dono. A palavra ultrapassou a invenção que a inspirou, e continua sua utilização como “uma pessoa empregada para dirigir um veículo a motor”.
Com o tempo, o uso popular, porém incorreto, de uma palavra também muda sua definição. A palavra “esquisito” que significa “rebuscado, excelente”, passou a ser usada, com freqüência, para significar “extravagante, excêntrico”. Assim, vários dicionários mostram agora essa última definição como aceitável, e até preferível.
Origem das Palavras
Onde, porém, se originam as palavras? Alguém, em alguma ocasião, cunha uma palavra ou expressão para satisfazer nova necessidade ou circunstância. Se ela granjeia popularidade e suporta o teste do tempo, por fim o termo se tornará parte do uso padrão, aceitável. Muitas palavras se derivam do nome de pessoas, nome este que, ao ser mencionado, sugere coerentemente certa idéia na mente duma “comunidade considerável”. Assim, o nome dum ministro das finanças francês, por volta do tempo da Guerra dos Sete Anos, da Europa, deu origem a uma nova palavra. Suas medidas estritas receberam a zombaria da maioria daqueles a quem mais afetaram — a nobreza. Qualquer coisa ou alguém reduzido a simples perfil de sua anterior substância era chamado de silhouette (silhueta), em referência sardônica a Etienne de Silhouette, que, evidentemente, produziu tal efeito nas carteiras e estilo de vida dos nobres.
Queira considerar outros exemplos que envolvem o nome ou título duma pessoa. Certo inglês, John Montague, sem querer deixar a mesa de jogo por tempo suficiente para comer, fez arranjos para que suas refeições lhe fossem servidas entre duas fatias de pão. Não ficamos surpresos de saber, então, que ele era o titular Quarto Conde de “Sandwich”, e este nome, sanduíche, veio a aplicar-se a seu item alimentar. “Derrick” (pau de carga, guindaste), instrumento para erguer objetos, foi assim denominado em inglês em honra a outro inglês cuja vocação trazia vividamente à mente a definição da palavra — ele era o carrasco da Prisão de Tyburn, de Londres. O General Burnside, certa vez uma figura abjeta por causa de sua péssima folha de serviços durante a Guerra Civil dos Estados Unidos, encontrou um nicho mais confortável na história por meio de suas amplas costeletas ou suíças, popularmente chamadas, em inglês, de “burnsides”. Por fim, por alguma singularidade semântica, tornaram-se “sideburns”.
Outras palavras se derivaram de nomes de locais. Uma delas, em especial, sublinha que é o uso popular que, mais do que qualquer outra coisa, determina se certa palavra se tornará parte padrão duma língua. Tal palavra inglesa é “bedlam”, a abreviação outrora popular do Hospital de Sta. Maria de Bethlehem, instituição inglesa pioneira no campo do tratamento humano dos insanos. Mas a palavra veio a significar “um lugar ou cenário de tumulto e confusão”.
Algumas palavras são uma “acrossemia”, isto é, constituem-se das letras iniciais das partes sucessivas dum termo composto. Por exemplo, “radar” é uma “acrossemia” de ‘radio detecting and ranging’. Outras palavras são formadas pela fusão de duas palavras, criando-se uma terceira com significado ligeiramente diferente de ambas as palavras-mães. “Absurdo”, por exemplo, é uma mistura de “ab” (afastamento) e “surdus” (relativo ao ouvido, inaudito).
A gíria, ou vocabulário inferior, usualmente de natureza extremamente informal, também tem contribuído para o desenvolvimento da linguagem. Ocasionalmente, palavras de gíria obtiveram tão ampla aceitação nos níveis educacionais que passaram a figurar nos dicionários padrões. Em inglês, a palavra “kidnap” (seqüestro) que significa literalmente “nab a kid” (apoderar-se dum guri), tornou-se inglês padrão, enquanto suas partes componentes, “nab” e “kid” são consideradas linguagem um tanto inferior. Em português, por exemplo, “legal”, além de conforme a lei, tornou-se palavra-ônibus para ótimo, perfeito, excelente, etc.
O Que Dizer dos Idiotismos?
Idiotismos são expressões que possuem um significado diferente do que suas palavras componentes logicamente indicam. Todavia, adicionam expressividade e vida a uma língua. Expressões idiomáticas podem ter, também, uma formação interessante.
Para ilustrar: Diz-se que, quando certo marajá indiano se desagradava de alguém, presenteava-o com um elefante branco. Sendo estritamente proibido matá-lo, dá-lo, ou pôr o animal raro para trabalhar, o novo dono era levado à pobreza pelos gastos que tinha em alimentá-lo. Daí, temos a expressão idiomática “elefante branco”.
Como Tudo Começou
Quando pensa em expressões idiomáticas e nas origens das palavras, contudo, talvez fique imaginando como foi que a humanidade obteve suas muitas línguas. Como foi que os numerosos dialetos e línguas tiveram seu início?
Bem, segundo um livro antigo, já traduzido em mais idiomas do que qualquer outro, houve época em que “toda a terra continuava a ter um só idioma e um só grupo de palavras”. Este mesmo livro, a Bíblia, também explica como tantas línguas novas subitamente vieram a existir. Poderá ler esse verdadeiro relato em Gênesis, capítulo 11, versículos 1 a 9. Ali se mostra que uma parte da família humana se empenhou num projeto que se opunha ao propósito de Deus. Ao invés de espalhar-se e ‘encher a terra’, em harmonia com a vontade de Deus, procuraram centralizar a sociedade humana por concentrar sua moradia num local que veio a ser chamado de planície de Sinear, na Mesopotâmia. (Gên. 9:1; 11:2) Ali se empenharam em construir uma torre para uso da religião falsa. Mas Jeová Deus frustrou seus planos e os fez espalhar-se por toda a terra. Como? Por confundir-lhes a linguagem e tornar impossível quaisquer esforços cooperativos em tal projeto. Ademais, a ação de Jeová Deus, naquele tempo, foi proveitosa, no sentido de que limitou a habilidade da humanidade de combinar suas faculdades para tecer projetos que lhe seriam perigosos e contrários à vontade divina.
Desde aquele tempo, as línguas se vêem obrigadas a satisfazer o desafio de novas circunstâncias e necessidades variáveis. Na verdade, talvez jamais tenha contribuído diretamente para tal processo, por realmente cunhar uma palavra nova. Todavia, pela sua escolha de palavras, participa diariamente em moldar a língua que fala.
[Fotos na página 17]
Por que esta planta é chamada “dente-de-leão”?
[Fotos na página 17]
Por que a nobreza não gostava de M. Silhoette?
[Foto na página 18]
Já possuiu alguma vez um “elefante branco”?