O vôo supersônico — tem caráter permanente?
NOVA era na aviação teve início em 21 de janeiro de 1976. Dois aviões luzidios, de nariz pontiagudo, um em Londres e outro em Paris, deslizaram pelas pistas para decolagens quase simultâneas. Inaugurava-se o vôo comercial supersônico ou hipersônico no mundo ocidental!
O avião que decolou de Paris fazia seu vôo inaugural para o Rio de Janeiro, Brasil, com escala em Dacar, Senegal. À medida que o velocímetro aéreo (chamado maquímetro), à vista dos passageiros sentados à frente, atingia a velocidade do som, um deles relatou: “Houve suspiros e vivas. Daí, veio o anúncio da cabina do piloto: ‘Senhoras e senhores, acabam de tornar-se os primeiros 100 passageiros da história do mundo a transpor a velocidade do som, num vôo comercial.’ “
Na realidade, a União Soviética iniciara o serviço supersônico — com seu TU-144, em dezembro de 1975 — mas foi apenas para mala postal e carga. Não foi senão em novembro de 1977 que os soviéticos começaram o serviço supersônico de passageiros de Moscou a Alma-Ata, na Ásia central. O avião que inaugurou o serviço hipersônico de passageiros foi o Concorde, produzido conjuntamente pela Grã-Bretanha e França. Dezesseis Concordes já foram ou estão sendo construídos, e nove estão agora em serviço.
No seu primeiro ano, os Concordes transportaram 45.000 passageiros pagantes. Haveria muitos outros, não fora a grande oposição contra tais aviões. Os vôos regulares para a área de Washington, D. C., EUA, não foram permitidos senão em 24 de maio de 1976. E se passou ainda outro ano e meio antes de serem permitidos vôos comerciais para Nova Iorque, em fins de 1977.
Por que existe oposição aos jatos supersônicos de passageiros? Acha-se deveras em perigo a continuação de seu serviço? Quais são as vantagens do vôo supersônico?
Mais Rápido do que o Som
A vantagem óbvia é a velocidade, chegar mais depressa a outros lugares. Em geral, o vôo num jato subsônico de Paris a Washington, D. C., EUA, leva de sete a oito horas. No entanto, um passageiro do Concorde observa: “O Vôo 53 do Concorde da Air France partiu do Aeroporto Charles de Gaulle [Paris] às 20 horas, e aterrou no Aeroporto Internacional de Dulles [próximo de Washington, D. C.] às 17,55 horas. A viagem levou precisamente 3 horas e 55 minutos.”
É isso mesmo, os passageiros que viajam para o oeste no Concorde realmente chegam a seu destino numa hora anterior à de sua partida. Isto se dá porque o Concorde voa mais rápido do que o sol se move no céu. Assim, pode-se partir da Europa depois de se ver um pôr-do-sol e chegar aos Estados Unidos em plena luz do dia e ver o pôr-do-sol de novo, no mesmo dia! Ou pode-se partir de Paris bem cedo de manhã, digamos, em 22 de janeiro, e chegar a Nova Iorque na noite de 21 de janeiro.
O Concorde voa aproximadamente com a velocidade de uma bala de fuzil. Menos tempo de vôo reduz a fadiga da viagem, e isto é citado pelos passageiros como real vantagem. Sacrifica-se muito pouco o conforto dos passageiros; compara-se ao sentido pelos que viajam em outras linhas aéreas. Certo viajante declarou: “Uma vez se viaje de Concorde, jamais se quer viajar de outro modo.”
A preferência do público há muito se manifesta a favor duma aeronave com superior velocidade. Na década de 30, o DC3 tornou obsoleto o Boeing-247, reduzindo o tempo de vôo costa a costa dos Estados Unidos de 19 horas para 15. Depois da Segunda Guerra Mundial, os aviões de passageiros continuaram a tornar-se cada vez mais velozes. Daí, em 1958, quando os aviões de passageiros começaram a empregar a propulsão a jato, o tempo de vôo subitamente foi reduzido ainda mais, e os aviões a pistão tornaram-se obsoletos.
Os jatos de passageiros logo começaram a aproximar-se da velocidade do som. E, em vista dos aperfeiçoamentos militares dos aviões supersônicos, parecia apenas lógico que os civis, também, voassem mais rápido do que o som.
A Barreira do Som
No ar tépido, ao nível do mar, o som viaja a cerca de 1.220 quilômetros horários, ao passo que a uma altura de 11.200 metros, a velocidade é de apenas 1.060 quilômetros horários. O ar possui grande elasticidade, e, quando um avião voa a menores velocidades, as moléculas de ar se movimentam bastante rápido para sair do caminho do avião. Mas, quando se alcança a velocidade do som, isto não mais acontece.
Um avião supersônico sobrepuja as moléculas de ar e comprime camadas de ar em seu vôo. Isto produz grandes forças de fricção, que provocam forte vibração e aquecimento na superfície externa da aeronave. Em resultado da tremenda resistência do ar, muitos certa vez imaginavam que houvesse uma chamada “barreira do som” que não podia ser rompida.
Sem embargo, o estilo aprimorado da aeronave reduziu a fricção, e, por fim, tornou possível ultrapassar a velocidade do som. Isto foi realizado primeiramente por um avião tripulado — um avião-foguete — em 14 de outubro de 1947. Mas, não foi senão em 1953 que o caça F-100 Super Sabre da “North American” tornou-se o primeiro jato a voar mais rápido do que o som, em vôo nivelado. Em fins de 1950, os aviões supersônicos militares eram de uso comum Em provas feitas no início dos anos 60, um DC-8 tornou-se o primeiro avião de passageiros a romper a “barreira” do som. Nessa época, os aviões supersônicos de passageiros já estavam nas pranchetas de desenho.
Aperfeiçoamento
A União Soviética, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e França estavam todos interessados em construir tal avião. Devido ao tamanho do empreendimento, a Grã-Bretanha e a França assinaram um acordo, em 29 de novembro de 1962, de coordenar seus esforços. Nessa época, previa-se que haveria um mercado mundial para até 500 aviões supersônicos de passageiros. Um supervisor de vendas da “British Aircraft Corporation” predisse vendas de 225 Concordes até 1975.
Com o tempo, protótipos do Concorde foram construídos. O primeiro voou em 2 de março de 1969, e, em 1970, atingiram-se, pela primeira vez, velocidades supersônicas. Mas houve problemas que continuaram elevando os custos de produção. Ao mesmo tempo, a oposição à inteira idéia de vôo supersônico tornou-se muito forte. Assim, na primavera setentrional de 1971, os EUA arquivaram seus planos para o projeto quando, depois de gastarem cerca de US$ 1 bilhão, o Congresso cortou todos os fundos adicionais do Governo.
As vendas esperadas do Concorde não se materializaram. O número máximo de opções de compra foi de apenas 74. Daí, em 21 de Janeiro de 1973, ocorreu um grande golpe, quando a “Pan American World Airways” e a “Trans World Airlines” cancelaram suas opções de comprar 13 aviões. Outras linhas também cancelaram, mais tarde, suas opções de compra Assim, além da “British Airways” e da “Air France”, que possuem Concordes, apenas a China comunista e a “National Airlines” do Irã ainda mantiveram seus pedidos de compra.
Outro grande golpe foi dado em junho de 1973. Aconteceu durante o Salão de Aeronáutica de Paris. Os soviéticos demonstravam um protótipo do jato supersônico TU-144 quando espatifou-se e matou pelo menos 13 pessoas. Isto preocupou os que ainda tinham opções de compra de Concordes; ficaram imaginando se também era seguro. Também, o programa soviético sofreu um retrocesso, de modo que os soviéticos ficaram, por fim, dois anos atrasados dos ingleses e franceses em iniciar o serviço supersônico de passageiros.
Em 6 de dezembro de 1973, o primeiro Concorde da linha de produção começou a voar. Os vôos de prova o levaram a todo o mundo. Visitou mais de 40 países, e aterrissou em 70 aeroportos internacionais. Depois de mais de 5.000 horas de vôo, o avião obteve um certificado de vôo e, conforme já observado, começou o serviço aéreo regular em Janeiro de 1976.
Viajar no Concorde significa que a pessoa fica menos de 12 horas de praticamente qualquer lugar da terra. Amiúde reduz na metade o tempo que outros aviões levam para chegar a algum lugar. Por que, então, existe tamanha oposição às suas operações?
Possíveis Danos Atmosféricos
Numa altitude de cerca de 10 quilômetros sobre os pólos e de 16 quilômetros sobre o equador, começa a estratosfera. Dali, a estratosfera se estende até cerca de 50 quilômetros. Sua camada inferior permanece fria e límpida, e é ali que os supersônicos voam. Os cientistas, contudo, vêem a possibilidade de que os aviões poluam tal atmosfera, talvez influindo de forma desastrosa sobre a vida na terra.
Alguns disseram que os óxidos nítricos emitidos pela fumaça do jato poderiam degradar o ozônio da estratosfera. O ozônio provê um guarda-chuva protetor que impede que a radiação ultravioleta excessiva, proveniente do sol, atinja a terra. Segundo alguns cálculos, apenas pequeno decréscimo de ozônio poderia resultar em grande aumento da radiação ultravioleta que atinge a terra. Com que conseqüências?
As safras, a ecologia florestal, a vida dos insetos, o planeton oceânico e, naturalmente, a vida humana, poderiam ser adversamente atingidos. Com efeito, alguns receiam que, até mesmo o número limitado de seis vôos diários do Concorde leve ao aumento do câncer da pele. Naturalmente, trata-se apenas de especulação, mas, por certo, é algo que merece ser considerado.
Um senador dos EUA, contudo, observa que os aviões militares já fizeram mais de um milhão de vôos supersônicos sem qualquer dano aparente à camada de ozônio. Caso os vôos supersônicos fossem realmente grave perigo em potencial, por que não banir os supersônicos militares? A seguinte carta dirigida ao Times de Nova Iorque frisa um ponto de valor sobre o assunto:
“É com certa surpresa que me dou conta de que os Senadores e Deputados que votaram a favor da proscrição do SST [Transporte Supersônico], por causa de seu efeito sobre a camada de ozônio, são os mesmos que, em grande parte, votaram a favor da aprovação de fundos para o bombardeiro B-1 — US$ 21 bilhões para a produção de 244 bombardeiros supersônicos. Os veículos noticiosos também deram pouco destaque ao fato de que, por mais de uma década, houve vôos supersônicos militares regulares e numerosíssimos . . . Parece-me muito hipócrita votar a favor da proscrição de um, sem que se proscreva o outro.”
No entanto, a oposição ao Concorde — que assumiu a forma de demonstrações que bloquearam as estradas que levavam ao Aeroporto Kennedy, de Nova Iorque, durante horas a fio — se baseasse primariamente em outra objeção — o ruído.
Poluição Sonora
Qualquer pessoa que já passou algum tempo perto dum aeroporto moderno certamente pode mostrar simpatia para com as pessoas que vivem perto de um deles. Os assobios e ruídos dos jatos modernos podem ser ensurdecedores. E o Concorde goza da reputação de ser o mais ruidoso de todos, embora seu roido seja um tanto diferente.
“É um som mais baixo, mais profundo”, observa Dexter Davis, encarregado do Aeroporto Dulles, próximo de Washington, D. C., EUA. “Acho-o muito menos irritante do que um som gemebundo.” Um morador das proximidades do Aeroporto Heathrow, de Londres, afirma: “Sei quando se trata dum Concorde. O ruído é totalmente diferente. As janelas sacodem em nossa varanda, devido à vibração. E, quando estou na casa de meu amigo, em Hatton Cross, tenho de cobrir os ouvidos com as mãos.”
Há diferentes opiniões quanto a serem os supersônicos mais objetáveis que os outros jatos. Comentava, em editorial, The Wall Street Journal: “Os dentre nós que já ouviram o Concorde aterrissar e decolar podem notar muito pouca diferença entre seu ruído e o ruído dum 707.”
No entanto, o Concorde amiúde registra mais ruído do que outros jatos. Ainda assim, o Post de Nova Iorque, de 4 de novembro de 1977, veiculou: “A Administração Federal de Aviação declarou, ontem, que o nível médio de ruído em cada uma das sete localidades em que tomou medições, durante os vôos de prova [do Concorde], estava dentro dos limites aceitáveis.”
Certamente, porém, isto pouco consolo traz aos que moram perto dos aeroportos. Eles já sofrem com os ruídos que eles, e provavelmente qualquer outra pessoa que more onde eles moram, considerariam inaceitáveis. E, agora, as perspectivas de uma aeronave, ainda mais ruidosa, aterrissar e decolar ali, constituem, compreensivelmente, motivo para que desejem mudar-se.
Estampido Sônico
Os oponentes do Concorde também apontam o estampido ou estrondo sônico que produz. Como os supersônicos militares já demonstraram, os “estampidos” podem ser fortes o bastante para estilhaçar vidros. “Soam bem semelhantes a bombas que explodem”, escreve certa pessoa, “fazendo com que as cortinas de meu palacete soprem para dentro e partes do prédio ranjam.”
O estampido sônico é provocado à medida que uma aeronave voa mais rápido do que o som comprime o ar. Este ar subitamente comprimido forma ondas de choque que podem ser ouvidas a quilômetros de distância. É similar à trovoada, com efeito, o ruído causado por uma descarga de relâmpago também é um estampido sônico.
Uma idéia errada comum a respeito do estampido sônico duma aeronave é que é produzido somente no instante em que o avião atravessa a “barreira do som”. Em realidade, à medida que o avião voa a velocidades supersônicas, o estampido é contínuo. Pode ser ouvido em terra a 16 quilômetros abaixo, por pessoas que talvez morem numa ampla área ao longo da trajetória do avião.
Obviamente, o estampido sônico pode ser mui objetável. Assim, os Concordes voam mormente sobre os oceanos, onde as ondas do choque não perturbam a ninguém nem causam danos. Quando os aviões se aproximam de áreas povoadas, reduzem sua velocidade para abaixo da do som, a fim de evitar produzir o estampido sônico. Assim, o Concorde se limita principalmente a rotas transatlânticas. Devido a tal limitação, outros jatos podem servir de forma quase tão rápida as áreas terrestres povoadas, e por uma tarifa muito mais barata.
Tem Caráter Permanente?
Trata-se duma pergunta significativa, principalmente por causa desta mesmíssima questão de dinheiro. Com o passar dos anos, os governos francês e inglês gastaram mais de US$ 3 bilhões (Cr$ 54 bilhões) para desenvolver o Concorde. Um deles custa agora cerca de US$ 80 milhões, ou quase o dobro de um jumbo. Ademais, com relação ao total de passageiros transportados, também é mais custoso operar um Concorde do que os outros jatos.
Um Concorde tem apenas um terço do tamanho dum jumbo 747, e leva menos de um terço dos passageiros deste. Assim, custa cerca de 20 por cento mais voar no Concorde do que viajar de primeira classe em outros jatos. Uma viagem de ida e volta entre Nova Iorque e Londres custa US$ 1.586, em comparação com uma passagem de ida e volta, de primeira classe em outros jatos, por US$ 1.312, e cerca de US$ 700 para a classe turista.
A questão é: Estarão as pessoas dispostas a gastar o dinheiro extra para chegar mais rápido a outros lugares? Até agora, a situação não parece boa. Os vôos supersônicos não têm dado lucros. Com efeito, em 1976, as duas linhas aéreas que utilizam o Concorde apresentaram perdas totais de US$ 54 milhões!
Um problema específico é que, atualmente, poucas rotas são servidas pelo Concorde. A “British Airways” realiza vôos para Washington, D. C., EUA, para Cingapura e para Barém, no Gôlfo Pérsico. E a “Air France” tem vôos para Washington, D. C., EUA; Caracas, Venezuela, e para o Rio de Janeiro, Brasil. Somente desde novembro de 1977 é que as duas linhas aéreas conseguiram iniciar vôos entre suas capitais nacionais e Nova Iorque.
É óbvio que, para continuar sendo operacional, o Concorde precisa de rotas regulares para importantes centros comerciais e populacionais, tais como Nova Iorque. Uma das principais fraquezas, porém, é o pequeno raio de ação do Concorde. Com uma carga máxima de cerca de 100 passageiros, mal pode levar combustível suficiente para voar de Paris a Washington, D. C., EUA.
Assim, os problemas do Concorde são graves. Provavelmente, isto significará que não mais de 16 Concordes serão construídos. Todavia, devido à preferência do público pela vantagem da velocidade, parece provável que continuarão a voar aeronaves supersônicas. Com efeito, em novembro de 1977, a Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos EUA (NASA) concedeu à “Lockheed-California Company” um novo contrato federal de US$ 270.000 (Cr$ 4.860.000,00) para estudar o projeto de um tipo ainda mais avançado de aeronave supersônica.
O novo avião proposto transportaria 200 passageiros numa velocidade de cruzeiro de 6.440 quilômetros horários. Seu raio de ação seria de 9.660 quilômetros, e voaria a cerca de 36.500 metros, altitude em que o estampido sônico não seria objetável na ocasião em que atinge a terra. Será interessante observar outros acontecimentos futuros no vôo supersônico.
[Foto na página 16]
O “estrondo sônico” é ouvido ao longo da trajetória de vôo sempre que a onda de choque se cruza com o solo.