Enchentes assolam o Brasil
Do correspondente de “Despertai!” no Brasil
OS MESES de janeiro e fevereiro de 1979 serão lembrados por muito tempo no Brasil. As notícias iniciais sobre chuvas culminaram em avisos sobre enchentes. Logo em seguida, enchentes, perdas de vidas e de propriedades, sem precedentes, instilaram o pânico numa área do tamanho da França, Bélgica, Holanda e Portugal combinados.
“Um dos maiores desastres naturais já ocorridos no Brasil”, afirmou a revista Veja. Dezenas de milhares de pessoas ficaram desabrigadas. O prefeito de Aimorés, pequena cidade de 15.000 habitantes, calculava em 100 milhões de cruzeiros os danos causados à região. Dezenas de outras cidades menores e maiores ficaram numa situação similar.
Uma testemunha ocular descreve sua odisséia ao vir do nordeste com destino a São Paulo, no auge da calamidade pública.
Na Área do Desastre
“Nosso ônibus chegou a Linhares, Espírito Santo. O quadro diante de nós era patético. Cerca de quarenta dias de chuvas tinham causado devastação à área. O rio Doce tinha inundado a área e varrido tudo em seu rasto. Estávamos indefesos, contemplando as águas borbulhantes e encapeladas que passavam.
“Ao longo das margens do rio, as águas subiam tão rápido, sob chuvas torrenciais, que não havia sequer tempo de fugir para um local seguro. Houve fazendas de criação de gado que simplesmente desapareceram. Não havia lugar para o qual correr, no vale. E as chuvas continuavam. Conseguiríamos prosseguir viagem em direção a São Paulo?
“A Polícia Militar paralisou todo o tráfego. A rodovia principal sofrera danos incomparáveis: Não havia sinal do asfalto. Dezenas de pontes desabaram como simples palitos de fósforo diante da fúria das águas. Estávamos isolados do sul do país! Nossa tentativa de atravessar de canoa o rio, esperando pegar um ônibus do outro lado do rio, resultou vã. A rodovia tinha sido danificada e estava recoberta de lama dos deslizamentos de terra, em toda ela. E a corrente tornou-se traiçoeira. Não havia saída. Tínhamos de ficar esperando para ver o que aconteceria.
“Passou-se um dia atrás do outro. Nós, os homens, dormíamos no ônibus, ao passo que as mulheres e as crianças eram bondosamente acomodadas à noite pela população local. Muitos não tinham dinheiro. Uma senhora, em nosso ônibus, ficou quase sem comer por dois dias, de modo a poder comprar comida para sua filha de sete anos. Outra comia abacate verde porque seu dinheiro acabara. Naturalmente, quando compreendemos a triste situação dessa gente, decidimos entre nós ‘fazer uma vaquinha’, comprar comida para todos, e leite para as crianças. Os homens construíram um fogão simples de tijolos, e as mulheres preparavam a comida no estilo dum fogão de lenha.
“Havia sete ônibus presos em Linhares. O alimento estava escasseando na cidade. Assim, mandaram-nos prosseguir viagem, mas os passageiros estavam com medo. Por fim, um comerciante veio em nosso socorro, e permitiu que usássemos seu galpão, a cerca de dois quilômetros da cidade. Ali recebemos as rações do Governo. Só havia leite disponível para as crianças. Durante quatro dias, nós, adultos, passamos a pão e manteiga, café preto, arroz seco e charque. Mesmo se alguém desejasse comer fora dali, os bares e restaurantes estavam inundados ou não tinham comida.
“A espera e a incerteza, o mau cheiro dos canos de esgotos rompidos e dos corpos mortos, gerava tensão. Irromperam algumas brigas, mas não houve nenhum tiroteio em nosso ônibus. Outros não foram tão afortunados. Depois de cinco dias, as águas pararam de subir e obtivemos permissão de prosseguir viagem. No entanto, uma ponte de emergência era um tanto insegura e tivemos de cruzar o rio num barco a motor. Do outro lado, pegamos um ônibus diferente e continuamos nossa viagem para São Paulo. A fragilidade do homem diante da fúria das águas nos deixou deprimidos. Agradeci a Deus quando chegamos, seguros, a São Paulo. Parecia o fim dum pesadelo.”
Triste Saldo
Os veículos noticiosos mantiveram a população em dia quanto aos efeitos da catástrofe. De algum modo, o inteiro estado de Minas Gerais, grande parte do Espírito Santo, do norte do estado do Rio, e, por fim, do sul da Bahia, foram os mais atingidos. A área abrangia cerca de 700.000 quilômetros quadrados, incluindo o grande rio São Francisco, o rio Doce e inúmeros tributários. Mais de 8 milhões, dentre uma população de 14 milhões, foram diretamente atingidos.
As chuvas começaram nos últimos dias de 1978, e as inundações e deslizamentos provocaram um desastre que “ainda não [se] registrara em toda a história do país”, segundo a revista Veja. A interrupção das duas principais rodovias em direção ao nordeste do Brasil cortara o país em dois. Não havia meios de se viajar por terra. Logo estavam faltando suprimentos em várias áreas, ao passo que cerca de 7.000 caminhões estavam alinhados, pára-choque a pára-choque. Sua carga perecível se estragou, com grande perda para seus donos.
Em meados de fevereiro, calculava-se o saldo de mortos em mais de 300, mas muitos afirmaram que este total oficial estava muito aquém da realidade. Com efeito, no vale do rio Doce, afirmava-se que pelo menos 330 pessoas foram levadas para um túmulo aquoso à medida que o rio que subia despencava sua fúria sem paralelo. Outros foram soterrados, quando deslizamentos de terra fizeram suas casas desabar. Na cidade de Nova Friburgo, relata-se que 64 pessoas pereceram deste modo. Prédios de Ouro Preto, cidade histórica dos tempos coloniais, desabaram como se ocorresse um terremoto. A cidadezinha de Januária, Minas Gerais, sofreu a inundação em 90% de suas casas, com grande sofrimento para seus 17.000 habitantes.
Ao passo que a perda de vidas não pode ser contada em termos de dinheiro, a destruição de estradas e rodovias, de propriedades e de casas, de gado e de instalações públicas, tais como sistemas de esgotos, é calculada em bilhões de cruzeiros. Somente um criador de gado perdeu 1.800 reses. Calcula-se que os danos causados pelas enchentes à lavoura, somente em uma parte do vale do São Francisco, atingem cerca de Cr$ 300 milhões! O cômputo geral, oficial, de mortes e destruição ainda não está completo, mas, segundo a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, apenas no estado de Minas Gerais confirmaram-se os seguintes dados: 250 mortos, 172.400 desabrigados, 16.000 casas e 712 pontes destruídas, 90 estradas com tráfego interrompido, e 294 cidades atingidas.
Humanitarismo e Solidariedade
Embora se noticiasse certos saques, e houvesse pessoas que exploraram seu próximo por cobrar Cr$ 600,00 por um botijão de gás de uso doméstico, que normalmente custa apenas Cr$ 109,00, houve muitas demonstrações de humanitarismo.
A Polícia Militar e outras forças governamentais trabalharam incansavelmente nas operações de salvamento e em suprir alimentos e vacinas contra a febre tifóide, mediante o uso de helicópteros e outros meios. A polícia passou a proteger as propriedades abandonadas.
Um representante da Sociedade Torre de Vigia, de São Paulo, voou até as áreas atingidas e não só viu, em primeira mão, as cidades devastadas, mas também levou fundos de socorro para auxílio imediato. Em Vitória, manifestou-se imediatamente o espírito fraternal, sendo que anciãos cristãos das Testemunhas de Jeová entraram em contato com seus irmãos das áreas atingidas pelas enchentes. Fez-se a coleta local de alimentos, roupas e cobertores, e estes foram levados imediatamente como subministração de socorros, imitando os cristãos do primeiro século. — Atos 11:29, 30; 12:25.
Nas cidades de Vitória, Governador Valadares e Belo Horizonte, comissões voluntárias de socorro foram nomeadas, colocando-se à sua disposição fundos a fim de comprarem alimentos e distribuírem gêneros alimentícios e outros itens essenciais. Para esse fim, logo que as congregações de São Paulo e Rio de Janeiro ficaram sabendo da calamidade, começaram a enviar donativos em forma de dinheiro, vestuários e roupa de cama para seus irmãos desafortunados. Sempre que possível, telefonou-se a todas as congregações que foram de algum modo atingidas. Quando o representante da Sociedade voltou para São Paulo, pôde relatar que nenhuma Testemunha de Jeová tinha perdido a vida, e que todas estavam recebendo a ajuda necessária!
É verdade, contudo, que um bom número de pessoas perdeu toda sua mobília, nas casas alagadas, algumas sob meio metro de lama. Roupas e alimentos foram partilhados com amigos e vizinhos, que não eram Testemunhas, num verdadeiro espírito humanitário. Com efeito, as Testemunhas em Governador Valadares foram especialmente elogiadas pelas autoridades militares e civis da localidade por seu espírito de solidariedade num tempo de calamidade incomum. Um Salão do Reino foi usado para alojar os vizinhos cujas casas tinham sido inundadas. Em outro Salão do Reino, a congregação local ficou feliz de cooperar com as autoridades por preparar e distribuir três refeições diárias para 1.500 pessoas, utilizando o equipamento de cozinha da assembléia de circuito. Em 13 de fevereiro, já tinham fornecido cerca de 30.000 refeições, com gêneros fornecidos pelo Governo! A experiência das Testemunhas com a alimentação em massa foi bem empregada e altamente elogiada.
No ínterim, o Governo brasileiro dera outros passos e liberara Cr$ 1,5 bilhões para as medidas de emergência. Mas, apesar de todo auxílio fornecido, talvez leve anos para apagar as marcas da fúria das enchentes.
Importante aspecto colateral foi a atitude de alguns quando foram dados os primeiros avisos das enchentes. Embora os rios subissem dramaticamente rápido — o rio Doce ascendendo quase que 7 metros acima de seu nível normal — alguns relutaram em dar ouvido aos avisos. “Nunca aconteceu isso antes”, disse certo homem. Mas deveras aconteceu desta vez, e destroçou sua linda casa. Ele ainda foi feliz em salvar a vida.
Um rádio-amador da cidade de Aimorés, à beira do rio, enviou constantes avisos: “Atenção, ouvintes! Retirem-se com urgência! A cidade vai ser inundada.” Seus apelos foram recompensados. Embora foi preciso muita persuasão, a maioria já tinha procurado terrenos mais elevados quando o rio começou a saltar de sua margem. Os que restaram ali correram em busca de segurança. Graças à pertinaz insistência do rádio-amador, não houve perdas de vidas. Lamentavelmente, em outras áreas, as pessoas esperaram, almejando que o tempo melhorasse, até que foi tarde demais para alguns.
Existe Uma Explicação?
Alta autoridade disse que iria “rezar para Deus distribuir as chuvas um pouco melhor”. Referia-se às enchentes no centro e leste do Brasil, e, talvez pensasse na calamitosa seca que ocorria, ao mesmo tempo, no sul do país. A situação climática era tão incomum que o porta-voz da Presidência, Coronel Rubem Ludwig, disse: “O fenômeno das enchentes no centro e de seca no sul é um fenômeno que só poderia ocorrer uma vez em cem anos, ou talvez em mil anos.” Jamais aconteceu, pelo que alguém possa recordar. Mas, quem pode ser o responsável por tal distúrbio?
Uma notícia digna de nota sobre os atuais padrões de tempo foi publicada em O Estado de S. Paulo. Os cientistas reconhecem “que a humanidade está liberando dióxido de carbono em demasia — pela combustão do carvão e do petróleo e pela destruição das florestas. Devido a isso, o calor produzido pela luz solar que penetra na atmosfera não pode escapar, ocasionando o aquecimento da atmosfera inferior e provocando mais chuvas em algumas regiões, secas mais fortes em outras e fusão dos gelos polares”. — 13 de fevereiro de 1979, p. 19.
Sejam quais forem as causas, as enchentes inesperadas suscitaram verdadeiro humanitarismo em muitos. Ademais, a calamidade pública forneceu às testemunhas cristãs de Jeová naquela área um motivo adicional para falar zelosamente a seus vizinhos sobre o tempo, bem próximo, quando o governo do Reino de Deus ajudará o homem a escapar de tais calamidades. Mesmo os enlutados podem derivar coragem e aprender sobre uma prometida terra paradísica, quando os mortos voltarão a viver. Aproxima-se o tempo em que, nem o Brasil, nem qualquer outra parte da Terra, obra criativa de Deus, será jamais atingida de novo por calamidades. — João 5:28, 29; Rev. 21:3-5.
[Mapa na página 13]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
BRASIL
ÁREAS ATINGIDAS PELAS ENCHENTES
ESTRADAS
ESTRADAS ROMPIDAS
RIO
ENCHENTES DO RIO
CIDADES
RIO SÃO FRANCISCO
São Francisco
São Romão
Pirapora
Januária
Montes Claros
Corinto
Curvelo
RIO JEQUITINHONHA
Almenara
Jacinto
Jequitinhonha
Itaobim
Itinga
Araçuaí
RIO DOCE
Governador Valadares
Tumiritinga
Conselheiro Pena
Resplendor
Aimorés
Baixo Guandu
Colatina
Linhares
Porciúncula
Natividade
Itaperuna
Laje do Muriaé
Campos
Sto. Antônio de Pádua