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Despertai! — 1980
g80 8/3 pp. 12-17

Escapamos da guerra civil do Chade

Do correspondente de “Despertai!” na Costa do Marfim

CHEGAMOS a N’Djamena nos primeiros dias de agosto de 1978. Havíamos deixado nossa terra nativa, a França, para ajudar, no Chade, a obra vital de pregar as boas novas do reino de Deus. Percebemos que havia condições difíceis no país. Contudo, isto não nos desencorajou, e estávamos ansiosos para dar início à nossa obra missionária. No lar missionário havia três casais e um irmão solteiro.

Nosso primeiro contato com a população, ao participarmos no serviço cristão, foi inesquecível. Em quase cada casa podíamos desenvolver plenamente uma conversação de assuntos bíblicos e sentir que as pessoas estavam famintas pela verdade da Bíblia. Estávamos muito gratos a Jeová pelo privilégio de estarmos lá para ajudar.

O mês de setembro de 1978 trouxe à tona o duelo político entre o Chefe de Estado, cristão professo, o Presidente Malloum, e seu primeiro-ministro muçulmano, Hissein Habré. Começando em agosto de 1978, o Chefe de Estado fez pouco mais do que protestar verbalmente, daí os boatos começaram a se alastrar. Mas não estávamos envolvidos em política, de modo que eu e Anna continuamos a falar às pessoas sobre a solução do reino de Deus para os problemas da humanidade.

Parecia que as forças armadas da FROLINAT (Frente de Libertação Nacional, apoiada pela Líbia, ao norte,) haviam partido para a ofensiva em setembro de 1978. Na cidade vimos muitos soldados feridos, sem dúvida vindos da frente de batalha. Mas, mesmo então, a maioria das pessoas não estava levando muito a sério esta informação. Afinal de contas, desde 1966 o fogo da guerra estava ardendo no Chade; a maioria da população era indiferente às notícias e aos rumores.

À noite, ouvíamos regularmente rajadas de metralhadoras e tiros de fuzis, o que parecia indicar violência na cidade. Pela manhã, à mesa, falávamos o que havíamos escutado para nos certificar de que não estávamos enganados.

Dezembro de 1978 viu realizar-se com sucesso aqui uma assembléia nacional das Testemunhas de Jeová, embora estivéssemos apreensivos devido ao clima político.

A tensão era tal, no mês de janeiro, que tivemos de diminuir um tanto nossa atividade de porta em porta nos quarteirões muçulmanos, onde por diversas vezes enfrentáramos problemas. Prosseguimos com nossas atividades de modo mais prudente, procurando voltar ao lar missionário o mais rápido possível ao cair da noite.

No mercado de hortaliças, em 27 de janeiro, a crise alcançou um nível perigoso, com sérios incidentes. Podia-se ouvir rajadas de submetralhadoras e bombas; houve muitos mortos e feridos. As escolas fecharam por um tempo. Na Rua 40, onde se situa o lar missionário, vimos dezenas de jovens muçulmanos gritando e brandindo armas. Aconselhados por várias pessoas com quem estudávamos a Bíblia, permanecemos em casa, esperando que voltasse a calma.

Foi nessa ocasião que recebemos um telegrama da filial da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA), na Nigéria, convidando-nos a ir para Lagos, caso se fizesse necessário. Já que a situação estava piorando, tomamos a iniciativa de preencher os pedidos de visto para a Nigéria. Todavia, quando as coisas se estabilizaram um pouco, suspendemos estes passos, enquanto esperávamos o desenrolar dos acontecimentos. Apesar de todas estas dificuldades, desejávamos prosseguir com nossas atividades neste país. Na atividade de pregação, rapidamente esquecíamos os problemas locais.

Domingo, 11 de fevereiro, também foi um dia memorável: nesse dia, em Farcha, cerca de 5 km do centro da cidade, quase todos os irmãos locais, bem como todos os missionários, se reuniram pela manhã na casa do irmão Sarki para ouvir uma palestra bíblica, após a qual saímos todos numa campanha ‘de pregação de casa em casa. Farcha abrigava as tropas francesas, num número superior a 2.500, bem como algumas unidades do exército regular do Chade. Nesse domingo muitas publicações foram colocadas. No fim da manhã, a felicidade era visível na face dos proclamadores do Reino, apesar da atmosfera de guerra civil.

N’Djamena, 12 de fevereiro: como de costume, eu e Anna nos levantamos às 5,45 horas. Tomamos o café da manhã com a família. Max e Pauline estavam encarregados de cozinhar nesse dia. Quanto a nós, saímos mais ou menos às 7,30 horas para dirigir um estudo bíblico. Em nossa moto, passamos em frente à presidência. Na hora em que estávamos defronte à Rádio Nacional do Chade percebemos que alguma coisa estava para acontecer. Havia homens armados em posição de tiro. O bairro inteiro estava cheio de soldados armados, de capacetes, pertencentes à FAN (Forças Armadas do Norte), comandada por Hissein Habré.

Então nos dirigimos pela Av. General de Gaulle em direção à grande mesquita. Em ambos os lados desta rua havia agora homens em uniforme de combate, em posição de tiro. Pertenciam à FAT (Forças Armadas do Chade), sob a direção do Presidente Malloum.

Demo-nos conta de quão séria era a situação. Havia carros por todos os lados, rumando, na maior parte, em direção ao bairro de Farcha. Quanto a nós, queríamos voltar para casa. Tivemos de atravessar a área dos gendarmes. As pessoas corriam em todas as direções. Quando estávamos a cerca de 100 metros da casa de nosso amigo Seraphin, com quem estudávamos a Bíblia, uma granada explodiu, e a isto se seguiram tiros de armas automáticas. Com nossos corações batendo a 100 km por hora, oramos em voz alta a Jeová pedindo sua orientação e ajuda para tomarmos decisões corretas.

Decidimos buscar refúgio na casa do patrão de Seraphin — um professor francês, casado com uma americana. As pessoas fugiam em nossa direção, vindas da zona nordeste. Fomos recebidos bondosamente e convidados a entrar. Ele disse que acabara de retornar da universidade e que ela estava em chamas. Era terrível!

Após alguns minutos, outro professor chegou diretamente da escola de 2.º grau de Félix Eboue. Estava agitado especialmente por causa do que vira. A Rádio Nacional do Chade estava parcialmente destruída; haviam ocorrido confrontos violentos na escola de 2.º grau entre a FAN e a FAT. Muitos estudantes já haviam sido mortos. Ele mal tivera tempo de escapar do local e de procurar refúgio nesta zona onde moravam muitos professores e conselheiros.

Daí houve uma súbita calma e quietude. Era a hora de tentarmos voltar para casa. Tínhamos pelo menos 3 km a percorrer. Acelerei a toda para ir mais ligeiro. As pessoas debandavam em todas as direções. Finalmente chegamos ao lar missionário. Max e Pauline estavam lá; não podíamos fazer mais do que esperar, confiando em Jeová, que já nos havia ajudado.

A esta altura dos acontecimentos, aviões sobrevoavam a cidade. Por volta das 12,15 horas começaram a atirar violentamente sobre o bairro de Kabalai. A cidade inteira ecoava com saraivadas de armas automáticas, de explosões, bem como com os tiros de morteiros pesados. Era a guerra, o tão temido confronto.

Começamos a fazer as malas para o caso de se fazer necessária nossa evacuação. Escutávamos todos os noticiosos do rádio (França Internacional, A Voz da América, Rádio Canadá Internacional). Vivíamos horas tensas, sem saber como as coisas se desenrolariam. Pela tarde, helicópteros sobrevoaram nossa parte da cidade, abrindo fogo sobre ela, mas felizmente nossa casa não foi atingida.

Na hora de dormir, providenciamos um abrigo debaixo da cama como proteção contra obuses extraviados. De debaixo da cama, podíamos escutar o assobio das balas, algumas ricocheteando nos nossos taipais de metal!

Na terça-feira, 13 de fevereiro, a luta continuava tão encarniçada como antes. Estávamos realmente receosos de nossa situação, mas confiávamos em Jeová. Eu e Anna compreendíamos que, mesmo que acontecesse o pior, ainda tínhamos a maravilhosa esperança da ressurreição. Nestes momentos críticos, sentimos dentro de nós uma força sustentadora.

Quarta-feira pela manhã, 14 de fevereiro, a luta parecia haver cessado, exceto por disparos isolados. De nossas janelas perscrutávamos a rua. Havia uma abundância de homens armados pelas esquinas. O rádio dizia que havia pesadas baixas. Decidimos fazer um abrigo melhor, usando caixas de literatura. Visto que Olaf e Barbara estavam no “mato”, visitando as congregações, mudamo-nos para o quarto deles, que era menos exposto do que o nosso, na frente da casa

Preparamo-nos para a terceira noite de luta. Esta seria a mais terrível; a violência dos combates foi nitidamente mais severa do que nas noites anteriores. Lá, debaixo de nosso abrigo improvisado, deitados de bruços no chão, comprimidos um contra o outro, podíamos escutar o ra-tá-tá-tá das armas automáticas e a explosão das bombas de pesados morteiros. A qualquer momento um obus poderia demolir a casa. A aproximadamente 50 metros da casa o acampamento do norte havia armado um lançador de foguetes no terraço de um edifício de apartamentos. Cada vez que se detonava um foguete havia um barulho ensurdecedor. Uma vez pensamos que tínhamos chegado ao fim — um dos foguetes errou o alvo e veio cair perto de casa, com uma explosão de estilhaços. Os destroços de foguete e os entulhos que caíam, ecoavam em nosso teto de zinco. Fogos que não eram de artifício! Por volta das 7 horas a luta parou novamente.

Ainda havia na rua o vaivém dos que fugiam das zonas de combate. Muitos levavam na cabeça alguns pertences enrolados em esteira de palha.

Nesse dia, eu e Anna lemos a Bíblia e fizemos súplica a Jeová para nos orientar em nossas decisões concernentes ao futuro. Fomos nos deitar e a noite foi relativamente calma, em comparação com as noites anteriores. As forças opositoras haviam assinado um cessar-fogo.

Sem perda de tempo todos tomaram sua decisão. Max e Pauline, junto com Patrice, iriam de carro para o sul, passando por Bongor, a 250 km de distância, até Camarões e daí para a Nigéria. Quanto a mim e Anna, tentaríamos alcançar o aeroporto. Na verdade, estando no meio de uma guerra civil, nenhuma saída parecia adequada ou possível.

Gastamos a maior parte daquela noite de sexta-feira em oração, visto que necessitávamos da orientação de Jeová. O sono não vinha. Perguntávamo-nos o que traria o próximo dia. Eu e Anna levantamos bem cedo, fizemos duas bandeiras brancas, aprontamos nossa moto e escutamos então ao completo noticiário da África. O cessar-fogo parecia estar sendo mantido. Era a melhor hora para tentar alcançar a base militar francesa. Com tristeza no coração deixamos nossos três companheiros, mais ou menos às 7,45 horas. Mais tarde, eles se dirigiriam rumo à ponte Chagoua.

Quando saímos, havia poucas pessoas nas ruas. Dirigimos em primeira para evitar dar a impressão de que estávamos fugindo. Ao chegarmos à rua principal, tivemos de decidir que caminho seguir. Os soldados estavam nas esquinas, preparados para atirar. Perguntamos a alguns muçulmanos qual seria o caminho mais seguro para o aeroporto. Indicaram-nos a rota mais curta. Vendo que o caminho estava deserto, assumimos o risco. Oh, como oramos a Jeová durante esta viagem inesquecível!

Os resultados da guerra estavam bem defronte de nossos olhos — casas abandonadas, cápsulas de munição aqui e ali. Saudávamos as pessoas que encontrávamos pelo caminho para relaxar o ambiente. Ao nos aproximarmos das esquinas, diminuía a velocidade ao máximo possível, visto que havia franco-atiradores escondidos. Mas nossas bandeiras brancas podiam ser vistas à distância. Esta região havia sido bem castigada. Não havia som algum; tudo parecia morto. Ao passarmos pela gendarmaria, dezenas de soldados (sob o comando do Coronel Wadal Abdelkader Kamougue) apontaram suas armas para nós. Fizemos um gesto amigável. Não corresponderam, porém deixaram-nos seguir caminho.

Estávamos então em frente da prisão, com soldados em ambos os lados, mas nenhum retardou nossa fuga. Era como se não nos vissem. A seguir, tomamos a avenida que nos levaria direto ao aeroporto. Todas as árvores nas redondezas do aeroporto estavam queimadas. Corpos carbonizados estavam espalhados por lá, e as casas rebentadas por bombas tinham uma aparência sinistra.

Ao chegarmos ao aeroporto, fomos enviados à recepção. Explicamos que viemos do bairro muçulmano na parte nordeste da cidade. As autoridades militares disseram que foi um milagre que pudemos passar pela gendarmaria. Disseram-nos que outros haviam tentado chegar até a base, mas em vão. Alguns europeus que haviam tentado escapar por este meio foram chacinados.

Naquela tarde, cerca de 800 corpos foram enterrados em sepultura comum. Centenas de corpos ainda eram visíveis em diversos bairros da cidade: Kabalai Moursal, Saaba Ngali, Bobolo, Bacia de São Martinho, à altura da Estação da Rádio Nacional, no centro da cidade. Estes corpos haviam inchado, ficando com o dobro de seu tamanho normal, e cães famintos estavam começando a comê-los. O odor da morte pairava sobre a cidade.

O número de mortos na capital era estimado então em milhares. Um membro do Serviço de Saúde nos contou que o hospital, que também havia sido bombardeado, estava abarrotado. Vimos carrinhos de mão carregando corpos de pessoas terrivelmente mutiladas por golpes de faca. Várias embaixadas foram destruídas e o prédio da ONU fora incendiado.

As autoridades nos elogiaram pela iniciativa tomada, pois sabiam de nossa situação mas não podiam intervir para nos evacuar. Visto que todos os nossos papéis estavam em ordem, as autoridades francesas nos deram uma refeição e nos colocaram no próximo vôo, num avião da força aérea. Após uma espera de algumas horas na pista, nosso avião decolou para Libreville, Gabão, às 18,30 horas. Ficamos tristes por ter de deixar N’Djamena sob tais circunstâncias. Tínhamos certeza de que levaria um bom tempo antes de podermos voltar a esse país às voltas com uma guerra civil.

O avião aterrissou em Libreville por volta das 22 horas. Todos os evacuados de nacionalidade francesa foram procurados pela embaixada francesa. Ficamos alojados no Okoume Palace Hotel.

Dado que a Sociedade sugerira que fôssemos para a Nigéria, segunda-feira pela manhã nos dirigimos à embaixada de lá para conseguir o visto. O funcionário do consulado se recusou positivamente a nos dar um visto, já que éramos franceses e evacuados do Chade. Não queria ter nada que ver conosco. Recusara até mesmo um visto de 24 horas. Que devíamos fazer? Tínhamos muito pouco dinheiro conosco.

Naturalmente, poderíamos facilmente aceitar a evacuação de lá para Paris, mas desejávamos permanecer no serviço missionário na África, se de todo possível. Com a ajuda de Jeová, decidimos tentar ir para Abidjan, na Costa do Marfim. Com a ajuda do agente de passagens da Air Afrique, que estava supervisionando a repatriação dos funcionários da Air Afrique e familiares evacuados de N’Djamena, pudemos conseguir duas passagens, Libreville — Abidjan — Dacar. Até nos deram bondosamente um desconto por sermos missionários — isto num país onde a obra das Testemunhas de Jeová está proscrita. Só havia dois lugares sobrando no vôo RK 103. Estávamos radiantes de poder continuar na África.

Assim, na terça-feira, 20 de fevereiro, por volta das 15,45 horas chegamos a Abidjan e passamos pela alfândega do aeroporto sem problemas. Quão felizes estávamos por estar aqui cheios de apreço pela proteção de Jeová! Depois de alguma procura, finalmente encontramos nossos irmãos cristãos. Nunca esqueceremos as boas-vindas e o amor que nossos colegas missionários nos estenderam. Todos os irmãos que temos encontrado em Abidjan têm-se mostrado cheios de bondade para conosco.

Aqui na Costa do Marfim estamos continuando a santificar o nome de Jeová e estamos gostando demais do trabalho de pregação num bairro residencial da cidade. Quão grande privilégio é falar aos outros sobre o propósito de Jeová de trazer verdadeira paz e segurança para todos os que amam a justiça! (Mat. 4:2-4; Sal. 46:8, 9) — Contribuído.

[Destaque na página 13]

“À noite, ouvíamos regularmente rajadas de metralhadoras e tiros de fuzis.”

[Destaque na página 14]

“De debaixo da cama, podíamos escutar o assobio das balas, algumas ricocheteando nos nossos taipais de metal.”

[Destaque na página 15]

“Dezenas de soldados . . . apontaram suas armas para nós.”

[Destaque na página 16]

“Corpos haviam inchado, ficando com o dobro de seu tamanho normal, e cães famintos estavam começando a comê-los.”

[Mapa na página 12]

(Para o texto formatado, veja a publicação)

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