Rio da vida e rio da morte
“AO RETORNARMOS, vimos um filete de água que vinha em nossa direção. Corremos, e a água nos seguiu, alcançou-nos e começou a tocar nos nossos pés. Arrancamos dos pés as sandálias para correr mais rápido, mas a água continuou a subir e rodopiava em volta de nossos tornozelos. Felizmente, alcançamos com esforço nossa casa e fomos apressadamente ao andar de cima, certos de que a água não nos alcançaria ali.
“Subimos até o telhado e observamos a fúria da enchente. Era estranho ver estradas transformarem-se em torrentes e em rios velozes que se convergiam nas encruzilhadas. As águas subiram rapidamente. Na nossa vizinhança, chegaram a ter um metro e meio de profundidade.”
Assim descreveu um residente de Patna, na Índia, sua experiência, quando o poderoso Ganges se agitou.
Imagine um rio de 2.500 quilômetros de extensão que sustenta 300 milhões de pessoas. Sim, cerca de sete por cento da raça humana inteira depende das águas do Ganges para seu sustento. Mas, para muitos indianos, o Ganges é mais do que uma fonte de vida. Para os hindus, é Ganga, filha de Himavat (a personificação das cordilheiras do Himalaia), uma divindade a ser adorada. Crêem que banhar-se no Ganges purifica a pessoa de seus pecados, e acredita-se que, se as cinzas de uma pessoa morta forem lançadas nele, ela irá diretamente para o céu.
Em Utar Pradexe
Tudo começa no estado indiano de Utar Pradexe, não longe da fronteira tibetana, numa gruta de gelo mais de três quilômetros no alto do Himalaia. Alimentando-se com a fusão das neves, um jovem curso de água cascateia pelas encostas escarpadas e é logo alargado por outro rio que lhe serve de nascente, o Alaknanda. Nesse ponto, merece realmente o nome que leva. Ganga, como é chamado o Ganges nas línguas dos indianos, significando “veloz”.
Finalmente, o rio afasta-se das montanhas e abre caminho através das ruínas de Harduar. Hoje, essas ruínas são habitadas em grande parte pelos “homens santos” hindus, que usam geralmente apenas vestimenta escassa para cobrir os lombos, tendo cabelo descuidado e emaranhado e o corpo coberto de cinza “sagrada”.
O Ganges passa então a correr mais tranqüilamente em direção ao sudeste. Enquanto isso, mais para o sul, outro grande rio se aproxima. O Jumna também nasce no alto do Himalaia e, depois de percorrer por mais de 1.380 quilômetros, junta-se ao Ganges em Alaabad. Antes de se convergirem, porém, os dois rios formam o que se chama de doab, ou “terra entre dois rios”.
Em certas épocas do ano, esse doab se transforma em luxuriantes campos de trigo, de cevada, de painço e de algodão. Mesmo as barragens arenosas do Ganges produzem campos de trigo e plantações de cana-de-açúcar. Os bancos de areia e os baixios também produzem abundantes safras de melancias, pepinos e saborosos melões.
Antes de se unir ao Jumna, o Ganges passa por Kanpur, uma cidade industrial, a “Manchester da Índia”. Mesmo aqui o Ganges é generoso. Diz o Sr. Wilfred John, um residente de Kanpur: “Pequenas aldeias temporárias são construídas pelas pessoas da zona rural nos baixios do Ganges durante a longa estiagem, quando o nível do rio abaixa. Cultivam pequenas plantações no solo fértil. E trazem diariamente barcos carregados de hortaliças para vender à beira das estradas.” O que acontece quando o rio transborda? “Cada ano, esses pequenos agricultores se mudam de lá junto com suas pequenas manadas de animais e seus poucos pertences para encontrar abrigo temporário em outra parte até a próxima estiagem.”
Finalmente, o Jumna e o Ganges se encontram em Alaabad. Visto que o Jumna também é considerado sagrado, o Ganges passa então a ser duplamente reverenciado, e muitos peregrinos vêm a esta confluência para adorar e para se banhar no rio. Além de Alaabad, a planície aluvial do rio atinge às vezes a largura de 16 quilômetros. Na estação quente e seca, pode apresentar um aspecto enganosamente ameno, mas na estação das chuvas pode tornar-se uma fervilhante torrente agitada — um rio que pode trazer morte aos incautos.
Segue então para Varanasi, ou Benares, outro lugar de peregrinações. Aqui, às margens do rio, se acham quilômetros e quilômetros de ghats, que são degraus à beira do rio, dando acesso a ele, para uso dos banhistas. Um visitante descreve o cenário: “A parte da cidade à margem do rio está repleta de hindus devotos, empenhados em diversas atividades de adoração. Pessoas enlutadas ajuntam as cinzas dos restos em brasa de parentes cremados, ao passo que outros estão em diferentes estágios de banho religioso. Ainda outros ficam sentados de pernas cruzadas em posição de reverência, unindo pelo que parece a adoração do rio com a adoração do sol. Despejam libações de água no rio, de frente para o sol, e proferem mantras em voz baixa.”
Até Biar e Bengala Ocidental
À medida que o rio vai serpenteando em direção leste, para o estado de Biar, a vegetação muda de aspecto gradativamente, até que por fim predominam os arrozais. No ínterim, outros cursos de água fluem nele, inclusive o Cosi, trazendo água das imediações do monte Evereste. O rio se avoluma. A leste de Patna, terra do famoso arroz de Patna, a “zona do meandro” alarga-se até 32 quilômetros.
De Biar, o Ganges move-se majestosamente até Bengala Ocidental e daí, saindo da Índia, vai até Bangladesh. Imediatamente antes de cruzar a fronteira, começa sua enorme região do delta. O delta finalmente engloba quase 57.000 quilômetros quadrados. Aqui novamente o rio é vitalizador. A paisagem do delta é de um verde viçoso. Os agricultores de Bangala cultivam 295 tipos diferentes de arroz.
No lado litorâneo do delta há extensões de selvas nas quais penetra a maré, que são o lar do tigre de Bengala e do crocodilo do Ganges. Nas próprias águas, diversos tipos de peixes sustentam pequenas indústrias pesqueiras.
O principal curso do Ganges no delta é o Padma, em Bangladesh. Este curso finalmente se divide em muitos canais. De fato, o poderoso Ganges desemboca por fim na baía de Bengala através de umas 40 embocaduras diferentes.
O ramo do delta ao extremo sul, o rio Hugli, permanece na Índia e corre através da imensa cidade de Calcutá. Embora a uma distância de 129 quilômetros do mar, Calcutá é um porto movimentado. “Há um grande comércio fluvial no Hugli, em Calcutá”, diz Tapash Chakravarty, que nasceu perto de Calcutá. “Calcutá é a maior exportadora de juta do mundo e também o mercado tradicional de chá da Índia. Realmente, é o rio Ganges que faz de Calcutá o que esta é.”
Rio da Vida e Rio da Morte
Realmente, os humores do Ganges podem significar vida ou morte para os 300 milhões de habitantes da imensa planície gangética. Quando chega a estação chuvosa, o rio pode tornar-se uma torrente turbulenta, inundando suas margens e terras adjacentes.
No Estado de Biar, muitos levam uma existência precária. Na época das secas, ficam ameaçados de fome. Contudo, durante a estação das chuvas, correm o risco de afogamento. Segundo um sobrevivente de recentes inundações em Patna, Biar, a imprensa declarou que só em Patna e no distrito adjacente 140.000 casas foram danificadas e mais de 300.000 pessoas ficaram ao desabrigo. Sim, o Ganges pode ser um rio da morte!
Todavia, isto se dá só quando as pessoas deixam de observar seus humores e de tomar precauções. Realmente, é muito mais um rio da vida. Transporta diariamente 900.000 toneladas de sedimento, inclusive enormes quantidades de sais naturais das montanhas. Durante as inundações, estes são infiltrados diretamente na terra, produzindo novo solo arável e fértil para uma das áreas mais intensamente cultivadas do mundo.
Milhões de hindus adoram este rio imprevisível, vitalizador. Muitos indianos, porém, compreendem que na verdade é meramente uma coisa impessoal. Sabem que é a dádiva de um Criador amoroso, cujo nome é Jeová. Ao invés de adorarem a criação, dão graças ao Criador pela vida que o poderoso Ganges torna possível para tantas pessoas
[Destaque na página 26]
No delta há selvas nas quais penetra a maré, que são o lar do tigre de Bengala e do crocodilo do Ganges.
[Destaque na página 27]
O poderoso Ganges por fim se divide em muitos canais e acaba desembocando no golfo de Bengala através de umas 40 embocaduras diferentes.
[Mapa na página 25]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
CHINA
TIBETE
NEPAL
SIQUIM
BUTÃ
Bramaputra
BANGLADESH
GANGES
Jamuna
Noacali
Embocaduras do Ganges
GOLFO DE BENGALA
ÍNDIA
Gangotri
Harduau
Alaknanda
Ramgonga
GANGES
DÉLHI
Agra
Jumna
Batva
Luenau
Kanpur
Alaabad
Benares
Gummti
Son
GANGES
Gogra
Gnadaque
Patna
Cosi
Monguir
CALCUTÁ
Hugli