Será que realmente volta?
Do correspondente de Despertai! na Austrália
MAURICE vive em Huonville, na Tasmânia, uma ilha-estado a sudeste da Austrália continental. Possui a rara perícia de poder lançar um bumerangue de modo que este volte para ele. A demonstração desta arte às vezes fecha uma venda em seu comércio varejista. A maioria de seus fregueses são turistas que visitam Hobart, a capital da Tasmânia, e entre eles, há muitos marujos japoneses. Quando se lhes apresenta o bumerangue, os marujos geralmente se mostram cépticos e não raro perguntam: “Será que realmente volta?”
“Verifico que uma demonstração ao vivo é a melhor forma de acabar com as dúvidas deles”, diz Maurice. “Com freqüência, para satisfazer os cépticos, eu lanço o bumerangue do cais, este passando pela frente do navio deles. O bumerangue desaparece da vista, vindo a reaparecer depois, fazendo uma curva por trás da superestrutura do navio, e pousando num lugar próximo do cais.”
Os que ainda não ficam convencidos acompanham Maurice a um parque ou praça esportiva da vizinhança, a fim de eles mesmos poderem experimentar o bumerangue, depois de um pouco de instrução. Consegue visualizar o que segue? “No próximo minuto, um grupo de normalmente inescrutáveis japoneses estão dando risadas e correndo pelo campo como se fossem crianças, as câmaras operando em registrar o divertimento, a surpresa, e a emoção de seu primeiro arremesso — em especial quando conseguem que o bumerangue volte a um ponto relativamente perto deles.”
O Que É um Bumerangue?
Um dicionário descreve um bumerangue simplesmente como “arma de arremesso usada pelos indígenas australianos, feita de madeira escavada e arqueada, e que após descrever curvas, volta a um ponto próximo daquele de onde foi atirada”. (Aurélio) Mas, concentremo-nos no bumerangue para arremesso.
Hoje em dia, o arremesso dum bumerangue é feito mormente por esporte. Alguns que o levam muito a sério formaram clubes. Um deles é a Associação de Corrida de Casuares e de Arremesso de Bumerangue do Riacho Mudgeeraba, de Queensland, Austrália. Mas nem sempre foi um esporte. O bumerangue foi criado como instrumento de caça e como arma de guerra entre os aborígenes australianos.
Não conclua, porém, que o bumerangue é uma arma exclusivamente australiana. Encontraram-se bumerangues em antigas tumbas egípcias. Alguns deles possuíam pontas recobertas de ouro, presumivelmente para aumentar seu alcance. Não se registra qual era seu nome antigo, mas o nome moderno “bumerangue” deriva-se do termo bou-mar-rang na língua da tribo turawal dos aborígenes que viviam nas encostas do rio Georges, perto de Sídnei.
Paus de arremesso muito parecidos com o bumerangue já foram encontrados na Holanda, na Dinamarca, na Alemanha, no nordeste da África, na Índia (onde eram feitos de ferro ou de marfim), e entre os índios hopi do Arizona, nos Estados Unidos. Ao passo que o bumerangue foi em geral substituído pelo arco e flecha, entre os aborígenes australianos esta antiga arma goza de uso comum até nos tempos modernos.
Seu Emprego na Caça
Venha conosco e testemunhe o uso do bumerangue como arma de caça. Observe que os caçadores aborígenes esticaram cuidadosamente redes entre árvores adequadas. As aves que perseguem se fixaram numa posição diretamente em frente das redes, e o alvo é obrigar as aves a voar baixo e ficar enredadas. Se elas voarem acima das árvores, tudo estará perdido.
Veja! Vários caçadores põem-se de pé num pulo. Com mira cuidadosa, arremessam os bumerangues em direção às presas. Os projetis giratórios ascendem rápido no ar, passam de raspão sobre as árvores, e dão a volta pouco acima das aves. Aquelas lâminas farfalhantes devem soar como gaviões. As aves se mantêm em vôo baixo. Observe como os caçadores aumentam a ilusão por imitarem os guinchos dos gaviões. As aves, assoladas pelo medo, batem contra a rede que as espera. A caçada é um grande sucesso.
No ínterim, cada um dos bumerangues que giram fechou um círculo completo. Como se obedecessem ordens, cada um deles voltou, quer para ser apanhado pelo arremessador, quer para cair aos seus pés.
Para que o bumerangue retorne ao arremessador, contudo, tem de ser relativamente pequeno e leve. Assim, a maioria tem cerca de 75 centímetros de comprimento. Isto os torna leves demais para infligir graves danos a animais maiores, tais como os cangurus, grandes e pequenos. Tal bumerangue pode derrubar uma ave em pleno vôo ou ferir um pequeno animal, caso a mira do arremessador seja excepcional. Mas, à parte da espécie de caça que acabamos de descrever, o bumerangue que voltava era realmente usado por pouco mais do que para treinar o arremesso ou como recreação.
Um Bumerangue Que não Volta
O instrumento utilizado mormente como arma na caça e na guerra era o kylie, ou pau de matar. Era modelado do mesmo formato que o bumerangue, mas era muito maior — chegando a 1,20 metro de comprimento e pesando por volta de 700 gramas. No entanto, o kylie não voltava, ao ser arremessado. Era uma arma muito mais mortífera do que seu correspondente menor, e seu rodopio facilitava seu percurso bem maior. Podia-se obter melhor pontaria com o kylie do que com uma lança, e por causa da gadanhada de 1,20 metro, o poder de matança do kylie se espalhava por uma área muito superior a um único ponto, como se dá com a lança. Já se registraram arremessos certeiros a até 200 metros, e teria sido fácil chegar a essa distância de um insuspeito canguru, grande ou pequeno.
Projeto Aerodinâmico
A vara de arremessar, o bumerangue e o kylie seguem todos princípios aerodinâmicos de projeto, habilitando-os a permanecer no ar por um período mais longo do que qualquer outro objeto arremessado. Suas “asas” são de formato comparável às dum avião ou duma ave ascendente. Em vôo, o bordo arredondado do bumerangue avança pelo ar e o “divide”, fazendo com que passe por cima e por baixo da “asa”. O ar por cima da “asa” corre pela sua superfície e provoca um efeito de sustentação. O arremessador pode aumentar este efeito ascendente por meio de rápido movimento do pulso quando o bumerangue está saindo de sua mão.
Uma notável característica do bumerangue é chamada de skew (distorção), uma ponta sendo torcida para cima e a outra para baixo. É surpreendente que os aborígenes tenham compreendido a necessidade disto, sem qualquer instrução em aerodinâmica. Um dos métodos usados era aquecer o bumerangue em cinzas quentes até que se tornasse maleável. Outro era mergulhá-lo em água até que a madeira ficasse macia o bastante para ser retorcida no formato desejado.
Arremesso que Permite Boa Volta
Os destros em recuperar o bumerangue afirmam que isto não é difícil, e exige apenas paciência e treino. O “cotovelo” do bumerangue deve estar distante do arremessador, e deve ser segurado numa posição vertical, e não horizontal. (Veja a ilustração.) Em seu livro All About Boomerangs (Tudo Sobre Bumerangues), Lorin e Mary Hawes afirmam que, se o bumerangue for arremessado de forma correta, não importa que ponta seja segurada pela mão do atirador. O bumerangue sempre retornará se for lançado com bastante rodopio. Declaram:
“O arremesso de um bumerangue não é tanto uma questão de abrir a mão e soltar o bumerangue, como é de fazer um arremesso vigoroso com a mão cerrada — de modo que, ao sair, o bumerangue tenha de impulsionar-se e girar em torno do indicador enganchado, obtendo assim bastante rodopio, à medida que se solta. . . . O movimento de arremesso por parte do braço não difere muito de fazer estalar um chicote no ar. A mão inicia o arremesso num ponto atrás do ombro, e termina com um estalo, bem em frente, onde geralmente cessa à distância equivalente a um braço estendido do ombro. A maior parte da força do arremesso é transmitida pelo curvar do cotovelo. Não deve haver uma retração consciente da mão, antes de terminar o arremesso, mas, ao invés, uma suave ação complementar.”
Se lançado com a mão direita, pelo visto o bumerangue segue em linha reta por cerca de 27 metros, então se inclina para a esquerda. Ao se inclinar, adquire a posição horizontal, sobe alto no céu, e descreve de um a cinco círculos antes de retornar ao arremessador. Em seu retorno, depois de um bom arremesso, o bumerangue pode ser jeitosamente agarrado pelo lançador ou talvez caia a seus pés.
Existem Alguns Perigos
Lançar um bumerangue é, provavelmente, o único esporte em que o arremessador está mirando a si mesmo, porque é o seu próprio alvo. Mas existe também perigo para os observadores ou a qualquer pessoa que passe por perto. O efeito do vento também deve ser levado em conta. Efetivamente, muitos arremessadores experientes acautelam que não se deve de forma alguma lançar um bumerangue se o vento for mais forte do que uma brisa suave. A velocidade do vento pode ser determinada por se lançar pedacinhos leves de grama ou de folhas e observar como são levados.
Arremessadores inexperientes precisam ter extrema cautela e só devem fazer arremessos em espaços abertos, e amplos. Grandes ferimentos ou até mesmo a morte poderiam resultar dum acidente infeliz. Ilustrando: Um senador aborígene de Queensland é um renomado arremessador de bumerangue. Certa vez, porém, quando ele fazia uma demonstração dessa arte na comemoração do centenário de uma escola, repentino golpe de vento desviou o bumerangue de seu curso, e bateu num garotinho da escola. O corte tornou necessários vários pontos.
Alguns dos Feitos Notáveis
Ben Ruhe, do Instituto Smithsonian, é o Encarregado de Registros e Coordenador Mundial das Atividades com Bumerangue. Ele compilou alguns feitos impressionantes conseguidos pelos modernos arremessadores de bumerangue em várias partes do mundo.
▪ Maior Arremesso: 146,3 metros.
▪ Pontaria: Onze recuperações em seqüência sem mover nenhum dos pés.
▪ Arremesso Mais Corajoso: Um arremessador, em Parramatta, Austrália, atirava regularmente um bumerangue de olhos vendados, ficando imóvel e permitindo que o bumerangue atingisse uma maçã em sua própria cabeça.
▪ Melhor Arremesso Duplo: Em Balby, Inglaterra, informa-se que um arremessador atirou simultaneamente tanto um bumerangue com a mão direita como um com a esquerda, que vieram a pousar, um sobre o outro, entre seus pés.
O bumerangue torna-se rapidamente tão popular entre os turistas que visitam a Austrália quanto o coala e o canguru. E embora, pessoalmente, talvez sejam mínimas suas probabilidades de arremessar um deles, pode estar certo de que, quando o bumerangue é arremessado corretamente, ele realmente volta!
[Diagrama/Foto na página 24]
PARTES DUM BUMERANGUE QUE VOLTA
Asa
Cotovelo
Bordo principal de ataque
Asa
Bordo principal de ataque
Direção do arremesso
[Foto na página 23]
Pau de arremesso que não volta
Bumerangue que não volta
Bumerangues que voltam