O Espantoso Universo
O que a “grande explosão” explica e o que não explica
TODAS as manhãs, um milagre. Bem dentro do Sol, a fusão de hidrogênio em hélio se processa a temperaturas de milhões de graus. Raios X e raios gama com incrível fúria fluem do núcleo do Sol para as suas camadas adjacentes. Se o Sol fosse transparente, esses raios irromperiam na superfície em poucos fulminantes segundos. Em vez disso, eles começam a ricochetear de átomo bem compactado a átomo de “insulação” solar, gradualmente perdendo energia. Passam-se dias, semanas, séculos. Milhares de anos depois, aquela radiação outrora mortífera finalmente emerge da superfície do Sol, como suave ducha de luz amarela — não mais uma ameaça, mas na medida certa para banhar a Terra com o seu calor.
Todas as noites, outro milagre. Outros sóis cintilam na vastidão da nossa galáxia. Formam uma orgia de cores, tamanhos, temperaturas e densidades. Alguns são supergigantes, tão grandes que se um deles fosse colocado no lugar do Sol, o nosso planeta seria absorvido pela superestrela. Outros sóis são pequenos, anões brancos — menores que a Terra, mas massivos como o Sol. Alguns vaguearão serenamente por bilhões de anos. Outros estão à mercê de explosões de supernovas que os obliterarão, ofuscando brevemente galáxias inteiras nesse processo.
Povos primitivos falavam em termos de monstros marinhos e deuses guerreiros, de dragões, tartarugas e elefantes, de flores de Lótus e deuses sonhadores. Daí, na chamada Era da Razão, os deuses foram substituídos pela recém-encontrada “magia” das leis do cálculo e de Newton. Hoje vivemos numa era despojada da velha poesia e lenda. Os filhos da moderna era atômica escolheram como paradigma da criação, não o antigo monstro marinho, nem a “máquina” de Newton, mas sim o sobrepujante símbolo do século 20: a bomba. Para eles, o “criador” é uma explosão. O nome que dão à sua bola de fogo cósmica é big bang (“grande explosão”, em inglês).
O que a grande explosão “explica”
A versão mais popular do conceito desta geração a respeito da criação reza que, uns 15 a 20 bilhões de anos atrás, o Universo não existia, nem o espaço vazio. Não existia tempo, nem matéria — nada senão um pontinho infinitamente denso e pequeno chamado singularidade, que explodiu e formou o Universo atual. Nessa explosão houve um breve período durante a primeira minúscula fração de segundo em que o incipiente Universo inflou, ou se expandiu, a uma velocidade muito maior do que a da luz.
Durante os primeiros minutos da “grande explosão”, houve uma fusão nuclear em escala universal, originando as atuais concentrações graduadas de hidrogênio e de hélio e pelo menos parte do lítio no espaço interestelar. Depois de talvez 300 mil anos, a temperatura da bola de fogo do tamanho do Universo caiu para pouco abaixo da temperatura da superfície do Sol, permitindo que os elétrons se posicionassem em órbitas ao redor dos átomos e liberassem um clarão de fótons, ou luz. Esse clarão primordial pode ser medido hoje, embora tenha esfriado muito, como radiação de fundo universal por freqüências de microondas correspondentes a uma temperatura de 2,7 Kelvin.a De fato, foi a descoberta dessa radiação de fundo, em 1964-65, que convenceu a maioria dos cientistas de que a teoria da “grande explosão” tinha algum fundamento. A teoria também afirma explicar por que o Universo parece se expandir em todas as direções, com galáxias distantes aparentemente se afastando de nós e umas das outras em alta velocidade.
Visto que a teoria da “grande explosão” parece explicar tanta coisa, por que duvidar dela? Porque há também muita coisa que ela não explica. Para ilustrar: o antigo astrônomo Ptolomeu teorizava que o Sol e os planetas orbitavam a Terra em grandes círculos, fazendo, ao mesmo tempo, pequenos círculos, chamados epiciclos. A teoria parecia explicar o movimento dos planetas. Por séculos, à medida que os astrônomos colhiam mais dados, os cosmólogos ptolemaicos sempre podiam acrescentar epiciclos extras a seus outros epiciclos e “explicar” os dados novos. Mas isso não significava que a teoria estivesse correta. Por fim, havia dados demais para explicar, e outras teorias, como a idéia de Copérnico, de que a Terra girava em volta do Sol, explicavam as coisas de maneira melhor e mais simples. Hoje, dificilmente se encontra um astrônomo ptolemaico!
O Professor Fred Hoyle assemelhou os esforços dos cosmólogos ptolemaicos, de tentar salvar a sua teoria combalida diante de novas descobertas, aos atuais empenhos dos defensores da “grande explosão” em salvar a credibilidade de sua teoria. Ele escreveu em seu livro The Intelligent Universe: “Os principais esforços de investigadores têm sido ocultar contradições na teoria da “grande explosão”, para construírem uma idéia que se tornou ainda mais complexa e desajeitada.” Depois de falar da inutilidade do uso de epiciclos por parte de Ptolomeu para resgatar a sua própria teoria, Hoyle prosseguiu: “Não hesito em dizer que agora, em resultado disso, uma ameaçadora nuvem negra paira sobre a teoria da ‘grande explosão’. Como já disse, quando um conjunto de fatos colide com uma teoria, a experiência mostra que esta raramente se recompõe.” — Página 186.
A revista New Scientist, de 22/29 de dezembro de 1990, emitiu conceitos similares: “O método ptolemaico tem sido profusamente aplicado ao . . . modelo cosmológico da ‘grande explosão’.” Daí perguntou: “Como podemos fazer progresso real na física de partículas e na cosmologia? . . . Temos de encarar com mais honestidade e objetividade o caráter puramente especulativo de algumas das nossas mais gratas suposições.” Novas observações estão surgindo.
Enigmas que a “grande explosão” não resolve
Um dos maiores desafios à “grande explosão” parte de observadores que usam o reparado equipamento óptico do Telescópio Espacial Hubble para medir distâncias até outras galáxias. Os novos dados atordoam os teóricos!
A astrônoma Wendy Freedman e outros usaram recentemente o Telescópio Espacial Hubble para medir a distância até uma galáxia na constelação de Virgem, e sua medição sugere que o Universo está se expandindo mais rapidamente e, por conseguinte, é mais jovem do que se pensava. De fato, os novos dados “sugerem uma idade cósmica de apenas oito bilhões de anos”, disse a revista Scientific American, em junho último. Ao passo que oito bilhões de anos parece ser um tempo extremamente longo, é apenas cerca da metade da idade calculada do Universo. Isto cria um problema especial, visto que, como a reportagem continua, “outros dados indicam que certas estrelas têm pelo menos 14 bilhões de anos”. Se os números de Freedman se confirmarem, essas estrelas antigas seriam mais velhas do que a própria “grande explosão”!
Ainda outro problema para a “grande explosão” é a sempre crescente evidência da existência de “bolhas” no Universo, do tamanho de 100 milhões de anos-luz, com galáxias no lado de fora e espaços vazios dentro. Margaret Geller, John Huchra e outros, do Centro de Astrofísica do Instituto Harvard-Smithsonian nos Estados Unidos, encontraram o que eles chamam de Grande Muralha de galáxias, de uns 500 milhões de anos-luz de extensão sobre o céu do Hemisfério Norte. Outro grupo de astrônomos, que se tornou conhecido como os Sete Samurais, encontrou evidência da existência de um conglomerado cósmico diferente, que eles chamam de Grande Atrator, localizado perto das constelações meridionais de Hidra e Centauro. Os astrônomos Marc Postman e Tod Lauer acreditam que algo até mesmo maior deve existir além da constelação de Órion, fazendo com que centenas de galáxias, incluindo a nossa, deslizem naquela direção, como balsas numa espécie de “rio no espaço”.
A imensidão dessa estrutura é estonteante. Os cosmólogos dizem que a “grande explosão” foi extremamente branda e uniforme, à base da radiação de fundo que ela alegadamente deixou para trás. Como poderia tal começo suave originar estruturas tão maciças e complexas? “A última safra de muralhas e atratores aumenta o mistério de como tão vasta estrutura poderia ter sido formada dentro dos 15 bilhões de anos de idade do Universo”, admite Scientific American — um problema que se complica à medida que Freedman e outros reduzem ainda mais a idade estimada do cosmos.
‘Falta-nos algum elemento fundamental’
Os mapas tridimensionais de Geller, de milhares de compactas, emaranhadas e borbulhantes aglomerações galácticas, transformaram o modo de os cientistas pintarem o Universo. Ela não tenciona entender o que vê. A gravidade em si só parece insuficiente para explicar a existência da “grande muralha” de Geller. “Muitas vezes acho que nos falta algum elemento fundamental nas nossas tentativas de entender essa estrutura”, admite.
Geller discorre sobre as suas dúvidas: “É evidente que não sabemos explicar, no contexto da Grande Explosão, a existência de grandes estruturas.” As interpretações da estrutura cósmica à base do mapeamento atual dos céus estão longe de ser definitivas — é como tentar mapear o mundo inteiro à base de um levantamento feito numa pequena região da Terra. Geller continuou: “Algum dia talvez descubramos que não juntamos as peças corretamente, e, quando isso acontecer, tudo será tão óbvio que nos indagaremos por que não pensamos nisso antes.”
Isso leva à mais importante de todas as perguntas: o que teria causado a própria “grande explosão”? Ninguém menos que Andrei Linde, um dos criadores da bem popular versão do Universo inflacionário, da teoria da “grande explosão”, admite francamente que a teoria padrão não responde a essa pergunta fundamental. “O principal e maior enigma é a própria existência da “grande explosão”, diz ele. “Pode-se perguntar: o que aconteceu antes? Se espaço/tempo não existia, como poderia tudo surgir do nada? Explicar essa peculiaridade inicial — onde e quando tudo começou — ainda é o mais indomável enigma da cosmologia moderna.”
Um artigo na revista Discover concluiu recentemente que “nenhum cosmólogo razoável afirmaria que a ‘grande explosão’ é a teoria definitiva”.
Vamos agora sair ao ar livre e contemplar a beleza e os mistérios da abóbada estrelada.
[Nota(s) de rodapé]
a Kelvin é a unidade de uma escala de temperatura cuja graduação é a mesma da escala de temperatura Celsius, exceto que a escala Kelvin começa no zero absoluto, que é 0 K — o equivalente a -273,16° C. A água congela a 273,16 K e ferve a 373,16 K.
[Quadro na página 5]
Ano-luz: um medidor cósmico
O Universo é tão grande que medi-lo em quilômetros ou milhas é como medir a distância de Londres a Tóquio com um micrômetro. Uma unidade de medida mais adequada é o ano-luz, a distância que a luz percorre num ano, cerca de 9.460.000.000.000 de quilômetros. Sendo a luz a coisa mais rápida do Universo, levando só 1,3 segundo para atingir a Lua e uns 8 minutos o Sol, um ano-luz seria algo realmente enorme!