Um século e meio de metrô
DO CORRESPONDENTE DE DESPERTAI! NA HUNGRIA
OS OPERÁRIOS que faziam a escavação do túnel olharam incrédulos o que haviam encontrado. Era o ano de 1912. Bem abaixo das ruas da cidade de Nova York, durante as escavações de uma nova galeria do recém-construído metrô, eles arrombaram um enorme recinto oculto. Uma sala com um mobilário esplêndido — enfeitada como um palácio! Havia espelhos, candelabros e afrescos. As paredes ainda estavam adornadas com painéis de madeira, já se esfarelando com o tempo. No meio da sala, encontraram uma fonte decorativa, que havia muito cessara de borbulhar.
A sala levava a um túnel. Para o espanto dos operários, nele havia um vagão de metrô para 22 passageiros, lindamente decorado, sobre trilhos. Teria existido outro metrô em Nova York antes daquele que estavam escavando? Quem teria construído esse lugar?
Túneis e trilhos subterrâneos
Há milhares de anos se usam passagens subterrâneas para mineração, abastecimento de água e feitos militares. Mas o transporte mecanizado, subterrâneo, de pessoas é coisa mais recente. No início do século 19, as vias públicas de Londres, Inglaterra, estavam entupidas com todo tipo imaginável de veículo da época, sem falar na circulação de pedestres. Milhares de pessoas cruzavam o Tâmisa todos os dias, de barca ou pela ponte de Londres. Às vezes, o trânsito andava tão devagar que os mercadores só podiam olhar desesperançados os produtos que eles levavam para o mercado deteriorarem-se ao sol.
Marc Isambard Brunel, um engenheiro francês que vivia na Inglaterra, teve uma idéia que por fim ajudaria a aliviar alguns dos problemas do transporte londrino. Brunel observara certa vez um teredo escavando um pedaço de carvalho duro. Ele notou que somente a cabeça do pequeno molusco era protegida por concha. O teredo usava os bordos serrilhados da concha para furar e penetrar na madeira. À medida que ia entrando, deixava para trás, na sua toca, uma camada protetora, fina, de cal. Aplicando esse princípio, Brunel patenteou uma enorme couraça de perfuração (shield), feita de ferro fundido, empurrado por macacos de pressão. Enquanto os homens retiravam a terra de dentro da couraça, a couraça impedia que o túnel desabasse. Conforme a couraça avançava, outros operários assentavam tijolos na superfície interna do novo túnel para sustentá-lo.
Com essa couraça, Brunel conseguiu terminar, em 1843, o primeiro túnel do mundo sob a água, em solo mole, sob o Tâmisa. Com isso, ele demonstrou que a construção de túneis era exeqüível e abriu caminho para o desenvolvimento dos metrôs modernos. Em 1863, foi inaugurado o primeiro sistema metroviário do mundo, entre as principais estações ferroviárias de Londres, e, em 1865, o túnel de Brunel foi comprado para a ampliação do sistema. Esse túnel ainda faz parte do Metrô de Londres.
Medos imaginários e reais
O transporte subterrâneo sempre teve os seus opositores. No século 19, muitos, crendo que havia um inferno ardente em algum lugar dentro da Terra, tinham medo de descer abaixo da superfície. Muita gente também associava túneis escuros e úmidos com doenças contagiosas e uma atmosfera venenosa.
Em contrapartida, os urbanistas ficaram obcecados pelo desejo de solucionar o problema do congestionamento das ruas das cidades. O metrô virou importante tema de debate político. Havia razão para preocupação com a qualidade do ar do metrô. Vários projetos de ventilação foram experimentados, nem todos com sucesso. Alguns aproveitavam o movimento do ar produzido pelos trens; outros tinham tubos verticais com grades no nível da rua a certos intervalos, ventiladores potentes, ou sistemas que combinavam os métodos. Para fazer frente à barreira psicológica de entrar em passagens subterrâneas escuras, as estações foram equipadas com luzes a gás. Em meio a isso, o metrô esquecido de Nova York com que os operários toparam em 1912 veio à existência.
O primeiro metrô de Nova York
Do outro lado do Atlântico, outro inventor de talento, Alfred Ely Beach, quebrava a cabeça com a situação do trânsito de Nova York, igualmente terrível. Editor da revista Scientific American, Beach promovia soluções novas para problemas antigos, como, por exemplo, ruas congestionadas. Em 1849, ele propôs um plano radical: “Abrir um túnel sob a Broadway”, uma das ruas mais congestionadas, “com orifícios e escadas em cada esquina. Essa passagem subterrânea deve ser construída com trilhos duplos, com uma estrada para pedestres em cada lado”.
Nas duas décadas que se seguiram, outros também apresentaram propostas para acelerar o trânsito em Nova York; todas, por fim, rejeitadas. Boss Tweed, político corrupto e homem forte da época, não queria nenhuma competição com as companhias de transporte de superfície, fonte de boa parte de sua renda ilegal. Mas o engenhoso Sr. Beach, que jamais abandonara sua idéia, levou a melhor sobre o impetuoso Boss.
Beach conseguiu uma concessão para construir dois túneis adjacentes, pequenos demais para transportar passageiros, sob a Broadway. Deveriam servir “para a entrega de cartas, pacotes e mercadorias”, para a agência central do correio. Depois, ele deu entrada numa petição de uma emenda que lhe permitisse construir apenas um túnel grande, sob o pretexto de reduzir despesas. De algum modo, seu estratagema passou despercebido, e a emenda foi aprovada. Beach pôs-se a trabalhar imediatamente, mas sem dar na vista. Iniciou as escavações no porão de uma loja de roupas, retirando a terra à noite em carroças cujas rodas eram revestidas para abafar o barulho. Em apenas 58 noites, o túnel de 95 metros estava terminado.
Uma “corda de ar”
Beach estava bem ciente da sufocante poluição nos metrôs de Londres, conseqüência do uso de locomotivas a carvão. Ele usou uma “corda de ar” para mover seu carro: a pressão de um enorme ventilador, construído na reentrância de uma das extremidades do túnel. O ar empurrava suavemente o carro a 10 quilômetros por hora, embora ele pudesse ir dez vezes mais rápido. Quando o carro chegava à outra ponta da linha, a rotação do ventilador era invertida para puxar o carro de volta. Para vencer a renitente hesitação que as pessoas tinham de se aventurar embaixo da terra, Beach se certificou de que a sala de espera fosse espaçosa e bem iluminada com lâmpadas de zircão, entre as mais brilhantes e claras então disponíveis. E ele a mobiliou luxuosamente com cadeiras suntuosas, estátuas, janelas falsas com cortinas, e até um piano de cauda e um tanque com peixinhos dourados! A pequena linha foi aberta a um público insuspeitoso, em fevereiro de 1870, e fez, de imediato, um sucesso estrondoso. Em um ano, 400.000 pessoas visitaram o metrô.
Boss Tweed ficou uma fera! Seguiram-se manobras políticas, e Tweed persuadiu o governador a aprovar um projeto adversário, um trem de superfície que custaria 16 vezes mais do que o sistema pneumático subterrâneo proposto por Beach. Não muito tempo depois, Tweed foi indiciado, o que o levou à prisão perpétua. Entretanto, um pânico na bolsa de valores, em 1873, desviou a atenção dos investidores e das autoridades do metrô, e Beach acabou lacrando o túnel. Ali ele ficou, esquecido, até ser acidentalmente desenterrado em 1912, mais de sete anos depois da abertura do metrô atual de Nova York, em 1904. Um trecho do túnel original de Beach tornou-se mais tarde parte da estação City Hall, no centro de Manhattan.
A Ferrovia Subterrânea do Milênio
Pouco mais de um século atrás, havia um clima de expectativa na Hungria. Em 1896, a Hungria estava para celebrar o milésimo aniversário de sua fundação. No fim do século 19, a capital do país, Budapeste, estaria entre as maiores cidades da Europa. Suas ruas já se achavam superlotadas. Foi proposta uma ferrovia elétrica de superfície para a celebração do milênio, para aliviar o trânsito. Mas a idéia não era o que as autoridades municipais procuravam, e a proposta foi rejeitada. No ínterim, o Metrô de Londres estimulou a imaginação de planejadores de transporte de outros países. Um deles, na Hungria, o Sr. Mór Balázs, propôs a idéia de um metrô movido a eletricidade. A idéia foi aprovada, e a construção começou em agosto de 1894.
O túnel foi construído com o método de trincheira: uma estrada já existente foi escavada, e os trilhos foram colocados abaixo do nível da rua. Uma laje foi construída sobre a vala, e a estrada foi reconstruída. Em 2 de maio de 1896, foi inaugurada a linha com 3,7 quilômetros de extensão. Uma voltinha nos seus carros individuais, movidos a eletricidade, era um grande avanço em comparação com a experiência sulfúrea que os passageiros do primeiro Metrô de Londres tinham de suportar! Alguns dias depois da abertura, o Rei Francisco José I visitou o novo sistema e aprovou que ele fosse batizado em sua homenagem. Durante os tempos politicamente tumultuados que se seguiram, porém, a linha foi renomeada Ferrovia Subterrânea do Milênio. Foi o primeiro metrô do continente europeu. Logo vieram outros em sua esteira. Em 1900, o Metrô de Paris começou a operar, e, em 1902, o serviço metroviário começou em Berlim.
O metrô 100 anos depois
Para o aniversário de 1.100 anos da Hungria, em 1996, a beleza e o estilo originais do metrô foram restaurados. Azulejos brancos pequeninos e bordaduras ornamentais cor de vinho decoram as paredes das estações. O nome das estações se destaca: está enquadrado em azulejos na parede. As pilastras de ferro foram reconstruídas e pintadas de verde, para evocar a atmosfera do século passado. Na estação central de Budapeste, há o museu do metrô, onde se pode ver um vagão original do metrô, com mais de 100 anos. Mostras sobre a construção da Ferrovia Subterrânea do Milênio, bem como do Metrô de Budapeste, mais moderno, também estão em exibição.
Quando visitam o museu, as Testemunhas de Jeová da Hungria não podem deixar de se lembrar que há não muito tempo o metrô tinha uma função bem diferente para os cristãos que viviam aqui. Durante o tempo em que sua obra estava proscrita na Hungria, elas discretamente usavam as estações deste famoso metrô para falar com outros sobre o Reino de Deus. Desde 1989, as Testemunhas de Jeová têm liberdade de pregar na Hungria. Mas você ainda pode encontrá-las na Ferrovia Subterrânea do Milênio, ensinando sua crença de que o Milênio mencionado na Bíblia — o reinado de 1.000 anos de Cristo — chegará em breve.
O legado dos primeiros metrôs
Hoje os metrôs transportam passageiros nas principais cidades do mundo. Em algumas, aos velhos problemas da poluição atmosférica e sonora juntaram-se a pichação e o crime. Mas muitos sistemas refletem os ideais de beleza, estética e praticidade dos primeiros projetistas de metrô. O desejo de ampliar e aprimorar o transporte de massa continua forte. Foram recentemente terminados ou estão em construção sistemas metroviários em cidades como Bangcoc, Medellín, Seul, Taipé, Varsóvia e Xangai. Será que os primeiros projetistas de metrô ficariam surpresos com isso? Talvez não — esse uso generalizado é exatamente o que eles previam um século e meio atrás.
[Fotos na página 23]
1. Estação restaurada no museu da Ferrovia Subterrânea do Milênio, em Budapeste
2-4. Um dos vagões elétricos originais do metrô, de 1896, da Ferrovia Subterrânea do Milênio