INFERNO
Trata-se do vocábulo usado na versão Almeida (bem como na católica versão Soares e na maioria das traduções antigas), para traduzir o termo hebraico she’óhl e o grego haides. Na versão Almeida, a palavra “inferno” traduz o termo she’óhl vinte e oito vezes, e haides sete vezes. Esta versão não é coerente, contudo, uma vez que she’óhl também é traduzido vinte e sete vezes “sepultura”, cinco vezes “sepulcro”, uma vez “terra”, uma vez “enterrados”, uma vez “mundo invisível”, e duas vezes é transliterado “Seol”. Na versão Soares, o termo she’óhl é traduzido “inferno (s)” trinta e quatro vezes, “habitação dos mortos” onze vezes, “sepulcro” onze vezes, “sepultura” quatro vezes, “abismo” uma vez, “terra“ uma vez, “[perigos] exiciais” uma vez, “morte” uma vez, e é transliterado “cheol” duas vezes.
Ilustrando o problema, em 1885, quando foi publicada a completa English Revised Version (Versão Revisada Inglesa), a palavra original she’óhl foi, em muitos lugares, transliterada para o texto inglês das Escrituras Hebraicas, embora, na maioria das ocorrências dela, se usasse “sepultura” e “cova”, e se encontra o termo “inferno” umas quatorze vezes. Este foi um ponto em que a comissão estadunidense discordou dos revisores ingleses, e, assim, ao produzirem a American Standard Version (Versão Normal Americana; 1901), transliteraram she’óhl em sessenta e cinco ocorrências. Ambas as versões transliteraram haides nas Escrituras Gregas Cristãs em todas as suas dez ocorrências, embora a palavra grega Géenna (Port., “Geena”) seja traduzida em todas elas como “inferno”, como acontece em muitas outras traduções modernas.
A respeito do uso de “inferno” para traduzir estas palavras originais do hebraico e do grego, An Expository Dictionary of New Testament Words (Dicionário Expositivo de Palavras do Novo Testamento), de W. E. Vine (Vol. H, p. 187) afirma: “HADES . . . Corresponde a ‘Seol’ no A.T. [Antigo Testamento]. Na V.A. [Versão Autorizada] do A.T. [Antigo Testamento] e do N.T. [Novo Testamento], foi vertido de modo infeliz por ‘Inferno’.”
A Colliefs Encyclopedia (Enciclopédia de Collier; ed. 1965, Vol. 12, p. 27) afirma a respeito do “Inferno”: “Primeiro representa o hebraico Seol do Antigo Testamento, e o grego Hades, da Septuaginta e do Novo Testamento. Visto que Seol, nos tempos do Antigo Testamento, se referia simplesmente à habitação dos mortos e não sugeria distinções morais, a palavra ‘inferno’, conforme entendida atualmente, não é uma tradução feliz.”
Com efeito, é devido ao modo como a palavra “inferno” é entendida hoje em dia que ela constitui tal meio ‘infeliz’ de verter estas palavras bíblicas originais. Basicamente, o significado original da palavra “inferno” é bem similar ao significado destas palavras bíblicas, mas tal significado se perdeu de vista e foi substituído por outro significado, que muito se contrasta com o original. O New Twentieth Century Dictionary, Unabridged (Novo Dicionário do Século Vinte, Exaustivo), de Webster, afirma sob “Inferno”: “de helan, cobrir, esconder”. A palavra “inferno” não transmitia assim, originalmente, nenhuma idéia de calor ou de tormento, mas simplesmente de um ‘lugar coberto ou oculto, e, assim sendo, era muito similar ao significado do hebraico she’óhl. No antigo dialeto inglês, a expressão “helling potatoes” (infernizar batatas) significava, não assá-las no fogo, mas simplesmente colocar as batatas no chão, ou num porão.
O significado atribuído à palavra “inferno” atualmente é o representado em A Divina Comédia de Dante, e no Paraíso Perdido de Milton, significado este completamente distanciado da definição original da palavra. A idéia dum “inferno” de tormento ardente, contudo, remonta a uma época muito anterior a Dante ou a Milton. A Grolier Universal Encyclopedia (Enciclopédia Universal Grolier; ed. 1965, Vol. 5, p. 205), sob “Inferno”, afirma: “Os hindus e os budistas consideram o inferno como um lugar de purificação espiritual e de restauração final. A tradição islâmica o reputa um lugar de castigo eterno.” Também é encontrado entre os ensinos religiosos pagãos dos povos antigos da Babilônia, da Pérsia e da Fenícia. The Encyclopedia Americana (Ed. 1956, Vol. 14, p. 82) afirma: “Embora haja muitas e significativas variações nos pormenores, os aspectos principais do inferno, conforme concebidos pelos teólogos hindus, persas, egípcios, gregos, hebreus e cristãos, são essencialmente iguais.”
Visto que este conceito de “inferno” tem sido um ensinamento básico da cristandade por muitos séculos, é compreensível por que a obra supracitada afirma (na p. 81): “Muita confusão e muitos mal-entendidos foram causados pelo fato de os primitivos tradutores da Bíblia terem traduzido persistentemente o hebraico Seol e o grego Hades e Geena pela palavra inferno. A simples transliteração destas palavras por parte dos tradutores das edições revistas da Bíblia não bastou para eliminar apreciavelmente esta confusão e equívoco.” Sem embargo, tal transliteração e tradução da Bíblia a fazer uma comparação cuidadosa dos textos em que aparecem estas palavras originais, e, com a mente aberta, a chegar assim ao entendimento correto de seu verdadeiro significado.