Injustiça racial — ficaremos alguma vez livres dela?
Esta é uma pergunta que muitos fazem atualmente. Está a resposta numa revolução? Leia como uma moça preta encontrou o único modo bem sucedido de obter alívio da injustiça.
À LUZ da madrugada, observei do convés homens-rãs silenciosamente entrando nas águas geladas do porto canadense. Eles verificavam a parte submersa do navio em busca de explosivos. Havia os que queriam impedir nossa partida, mesmo que significasse explodir o navio.
No entanto, pouco depois zarpamos sem incidentes. Cerca de 500 de nós, a maioria estadunidenses pretos, estávamos em caminho para Cuba, ostensivamente para ajudar na colheita da cana de açúcar. Mas, havia realmente mais envolvido.
Os líderes do governo sabiam disso. Algumas semanas depois, um senador dos E. U. A. disse ao Congresso: “Cidadãos americanos estão sendo doutrinados e treinados para atacar e destruir nossas instituições e nosso governo. Esta atividade está em progresso às nossas portas, nesta mesma hora. Cuba de Fidel Castro é a base inimiga para a operação.” — Congressional Record, 16 de março de 1970.
O senador tinha razão, pelo menos a meu respeito. Eu ia para Cuba para receber treinamento adiantado em táticas revolucionárias. Meu objetivo era iniciar insurreição armada contra o sistema americano.
A bordo do navio, perguntamos a nós mesmos, e em especial os poucos brancos conosco: “Mataria a sua própria mãe ou o seu pai se tentassem interferir na revolução?” Os que hesitavam eram marcados como precisando de mais instrução. Achávamos que precisavam apreciar mais plenamente a necessidade de aliviar os sofrimentos das massas pela derrubada de seus opressores.
Talvez pense: “Quão deturpado pode ficar o raciocínio das pessoas! As condições podem ser más, porém, certamente não justificam tal revolução.”
Contudo, milhares de jovens sinceros não pensam assim. Mesmo os procedentes de famílias abastadas, conforme revelavam as notícias, juntam-se ao que acreditam ser uma luta para aliviar a injustiça. Por quê? O que os faz pensar que a destruição do sistema é a única esperança de alívio da injustiça?
Por favor, deixe-me explicar. Isto talvez lhe dê discernimento do pensamento dos outros, especialmente de milhões de pretos. Minha própria vida e meus sentimentos, acho eu, são uma ilustração disso.
CRESCENDO COMO PRETA NOS ESTADOS UNIDOS
Nasci em 1945 no coração do Sul, sendo uma dentre onze filhos e filhas. Éramos meeiros. Meu primeiro lar foi um barraco de madeira à beira dum algodoal, e, com o decorrer dos anos, morei em vários de tais barracos. Colávamos jornais nas paredes para impedir a penetração do vento, no inverno.
Mas, apenas ser pobre não era tão ruim assim; havia também brancos pobres. O que doía era o tratamento e as atitudes para com os pretos. Estávamos excluídos das escolas, dos restaurantes, dos banheiros dos brancos, ou mesmo de usar a mesma fonte de água que os brancos. E havia aqueles letreiros: “NÃO SE PERMITE GENTE DE COR NEM CACHORROS.”
Naqueles dias, no Sul, os lugares públicos, tais como as estações rodoviárias estavam divididas, e nós tínhamos de sentar-nos nos fundos do ônibus. Quando parecia que nos esquecíamos de nosso lugar, havia aquela fala zombadora: “Ora, vocês sabem que este não é lugar de negros. Vão sentar-se lá nos fundos.”
Lembro-me de quando Emmett Till, de quatorze anos, foi morto, — foi uma grande notícia nacional, mas, para meus pais e a maioria dos pretos sulinos, era história antiga — outro preto morto por brancos — o fator incomum sendo sua idade. Foi apanhado morto no rio Tallahatchie — tendo sido espancado ferozmente até a morte, por brancos, por supostamente ter assobiado para uma moça branca. Mas, assassina-se por isso?
Isto me ajudou a apreciar os tons temerosos e rogantes da vovó, dizendo-nos de nos lembrarmos sempre de olhar para nossos pés ao falar com gente branca e de dizer “Sim, senhor”, e “Não, senhora”, e, acima de tudo, desempenhar o papel com um sorriso. Mas, por que, perguntei-me, queriam os brancos manter-nos oprimidos? O que havia de errado em ser preto?
Quando eu era ainda bastante jovem, minha irmã teve um ataque asmático, e o fazendeiro branco para quem trabalhávamos negou-se a se incomodar de levá-la ao médico. Meu pai, normalmente um homem brando, em desespero, apontou uma arma para o homem e obrigou-o a ir buscar de carro ajuda médica. Naturalmente, papai nunca mais pôde voltar para casa, senão teria sido linchado. Ele fugiu para o norte, e nós nos mudamos para a casa da vovó, em outro condado. Por fim, papai mandou chamar-nos à cidade de Nova Iorque.
O trabalho de meu pai era de pintor e zelador de casas, resultando em nos mudarmos para uma área residencial só de brancos, na baía de Sheepshead, em Brooklyn, onde eu era a única preta nas aulas. Meu professor parecia presumir que eu era estúpida, mas eu estava decidida a provar o contrário.
Na sexta série, minha leitura era do nível colegial do segundo ano, e por isso fui colocada em aulas especiais para estudantes extraordinários. No ano seguinte, fui escolhida para participar dum programa experimental chamado “Projeto Talento”. Eu tinha um interesse ávido em muitas coisas, e ilimitada energia. Estudava canto, balé, jornalismo e enfermagem, e cursava uma escola de modelagem.
Depois de completar a escola secundária, tornei-me artista de gravação, trabalhando certa vez com Paul Simon, de Simon e Garfunkle. Isto me deu a oportunidade de viajar a outras cidades para apresentações na televisão e outras. Empenhei-me também por uma educação universitária.
A CRIAÇÃO DUMA REVOLUCIONÁRIA
Com o tempo, porém, dava-me conta de que era vítima duma ilusão, na maior parte duma ilusão criada por mim mesma. Não era realístico pensar-se que talvez a cor da pele não tinha importância. Era mentira que o racismo existia apenas no Sul; também era forte no Norte, apenas bem camuflado. Eu havia tentado apagar da memória a imagem daquela pequena pretinha empurrada para os fundos do ônibus, não sendo bem-vinda nos lares dos brancos, nas escolas dos brancos e nos restaurantes dos brancos. Mas agora fui obrigada a lembrar-me.
Tive de lutar para obter um apartamento em bairros de brancos, sendo obrigada a dirigir-me à Comissão de Direitos Humanos do Estado de Nova Iorque. Também, ao seguir minha educação pensando em certas carreiras, encontrei portas fechadas e barreiras erguidas. Quando me candidatei a certo emprego, lembro-me de me oferecerem um ordenado muito elevado, não por minha perícia, mas apenas para dar à firma a aparência de ser integrada. Fiquei indignada e disse-lhes que ficassem com o emprego.
CONCRETIZAÇÃO DE CONCEITOS E OPINIÕES
Episódios chocantes faziam explodir manchetes uma após a outra, na década dos 1960. Certa manhã de setembro, em 1963, uma bomba destroçou uma igreja em Birmingham, Alabama, durante as aulas da escola dominical. Dezenas de crianças pretas aterrorizadas saíram gritando; outras sangravam e gemiam. Quatro delas não faziam mais som nenhum. Estavam mortas — assassinadas por brancos. No verão seguinte, três trabalhadores pelos direitos civis, Chaney, Schwerner e Goodman, foram assassinados em Mississipi.
Então eu já havia ficado envolvida na luta pela igualdade de direitos. Trabalhava para CORE (Congress of Racial Equality) e SNCC (Student Non-Violent Coordinating Committee). Escutava os líderes pretos mais moderados, tais como o Dr. Martin Luther King. Escrevi até mesmo um artigo sobre ele para o jornal Harlem Valley Times. Quando ele também foi morto por um homem branco, perguntei-me, assim como fizeram muitos outros pretos: “O que conseguiu a não-violência que ele advogava?”
Comecei a ler extensivamente sobre a história dos pretos. Li sobre o cruel comércio dos escravos e do tratamento dos escravos como propriedade, e como famílias pretas eram desfeitas e vendidas a amos diferentes, sem consideração para com os sentimentos humanos. Fiquei irada de saber que certos donos de escravos usavam um homem de bom físico, forte, para fecundar as suas escravas e assim produzir prole para o mercado de escravos ou para o trabalho nos campos.
Tais injustiças terríveis são melhor esquecidas, talvez digam alguns. Mas eu não podia esquecer, porque me parecia que, embora a escravidão tivesse acabado, as atitudes ainda estavam bem vivas.
ESCANDALIZADA COM AS INJUSTIÇAS
Aonde quer que eu olhasse, via as mesmas coisas: gente preta apinhada em guetos, sofrendo discriminação, depressão econômica, injustiça, más acomodações, superpovoação, desespero. Comecei a encarar estes lugares como colônias de gente oprimida, gente que precisava ser liberta.
Do modo como eu encarava isso então, nós pretos não éramos diferentes dos colonizadores americanos que se rebelaram contra o jugo britânico, em 1776; nós também éramos gente a quem se negavam certos “direitos inalienáveis”, assim como se deu no caso deles. Assim como os colonizadores se haviam rebelado, era a nossa vez de fazer o mesmo. Era assim que eu encarava isso, e não era a única.
Depois aconteceu uma coisa que me fez passar para a ação.
Meu próprio pai foi assassinado. A polícia e os encarregados do necrotério disseram que ninguém sabia quem ele era, que era uma pessoa desconhecida. Por isso passaram a cortar fora os órgãos que queriam. Mas, não era verdade que não sabiam quem ele era, pois haviam entrado em contato conosco por meio da identificação que ele levava consigo!
Para mim era como se tivesse sido morto duas vezes, primeiro esfaqueado na rua e depois retalhado no necrotério. Quando finalmente nos mostraram papai, era um espetáculo lamentável. Nem se lhe tirara o sangue dos dentes ou dos olhos. Fiquei amargamente convencida de que fora tratado com tal desprezo porque era preto e pobre. Não me permiti chorar. Em vez disso, fiz no coração um voto. Eu ia fazer alguma coisa a respeito das injustiças que vi meu povo sofrer.
Eu achava que os brancos haviam ficado acostumados a viver em mentira. Procuravam fazer-nos crer que nossa própria inferioridade inerente era responsável pela nossa condição oprimida. Vi que o racismo deles nos mantinha oprimidos. Os pretos haviam tentado mostrar isso aos brancos por meios não-violentos. Agora, pelo menos da minha parte, tinha de parar de tratar da atitude do homem branco e lidar exclusiva e diretamente com a própria opressão.
Ingressei no ramo de Harlem das Panteras Negras. Passara então a concordar com a ideologia deles, de que era tempo de os pretos se armarem. Em fins de 1969, li num jornal radical dos pretos sobre a viagem a Cuba. Cuba havia com bom êxito feito uma revolução, e eu queria ir lá e verificar como haviam feito isso. Ofereci-me imediatamente e fui escolhida para a viagem de três meses.
UMA REVOLUCIONÁRIA EM AÇÃO
Eu havia sido levada a crer que Cuba era uma pequena ilha feia e cheia de pobreza. Mas a minha própria impressão foi de que era o lugar mais lindo que eu já havia visto. Perto do fim de nossa estada, passamos três semanas percorrendo a ilha, e do que pude pessoalmente observar, fiquei convencida de que Cuba era limpa, sem lixo, nem ociosos, prostitutas, bêbados ou jovens desocupados percorrendo as ruas. Todos pareciam ter algo a fazer, tanto jovens como idosos.
No nosso acampamento em Cuba, tudo era feito à moda militar. Cada manhã éramos acordados por um anúncio, e às 6 horas estávamos em caminho para os canaviais. Era trabalho árduo, mas eu gostava da disciplina e trabalhava “para servir o povo”, segundo o lema revolucionário do dia. Trabalhávamos lado a lado com comunistas aguerridos do Vietname, África, Coréia e Rússia. Eles contavam-nos as suas experiências, desenvolvendo assim em nós um conceito internacional da luta pela libertação.
Às noitinhas, veteranos das lutas pela libertação no Vietname, Cuba, África e em outros lugares costumavam falar-nos. Víamos filmes, inclusive “A Batalha da Argélia”, que mostrava como mulheres muçulmanas se disfarçavam e tomavam parte ativa na expulsão dos franceses. Eu gostava dos discursos de Fidel Castro e ficava impressionada com a afinidade que parecia ter com o povo comum.
Podia-se também obter lições de caratê. Mas, já o tendo aprendido, concentrei-me em armas. Eu sabia preparar um coquetel de Molotov e usar uma arma de fogo. Mas então, por que o pedi, um dos soldados cubanos me mostrou como manejar uma metralhadora.
Perto do fim de nossa estada, deu-se ênfase no que iríamos fazer com o que havíamos aprendido. Eu estava pronta e disposta. Estava disposta a lutar e a morrer para produzir a libertação dos pretos, bem como dos povos oprimidos em todo o mundo.
ATIVIDADE REVOLUCIONÁRIA NOS ESTADOS UNIDOS
Antes de partir de Cuba, em abril de 1970, um grupo revolucionário pediu que eu trabalhasse com eles. Eu devia camuflar-me por obter um emprego respeitável, e no tempo certo, entrariam em contato comigo. Isto aconteceu com o tempo. Minha designação era subverter os militares, usar “todos os meios necessários” para achar e trazer para o lado revolucionário militares pretos com perícia técnica que se poderia usar.
Por exemplo, soubemos dum capitão da força aérea, preto, perito em caratê e munições, a quem se negara uma promoção por causa de sua cor. Entrei em contato com ele e marquei um encontro. Eu o bajulei, e, com o tempo, granjeei a sua amizade. Por fim, convenci-o de organizar homens pretos das forças armadas para trabalhar contra o sistema militar. Nos próximos meses, entrei em contato com vários jovens — todos bem instruídos e hábeis, pelo menos para os fins em que estávamos interessados.
No entanto, em pouco tempo fiquei totalmente enojada com o modo em que me empregava. Além disso, verifiquei que, mesmo quando não estava envolvida nenhuma estratégia, os revolucionários que eu conhecia não viviam segundo o idealismo moral que eu havia começado a esperar do movimento de libertação. Eles ficavam muito promíscuos. Certa noite, depois de um camarada ter tido relações com sua companheira, ele se voltou para mim. Eu não encarava isso como revolucionário, mas como revoltante.
Estas coisas começaram a perturbar-me. Ainda cria que era necessária a eliminação do sistema para corrigir as condições, mas começava a perguntar-me sobre os nossos métodos. Eu tinha então tempo para pensar — ocultando-me, esperando receber novas instruções, mudando-me de lugar em lugar, para evitar ser descoberta — e comecei a pensar em maneiras alternativas para trazer o alívio das injustiças. Daí, certo dia, enquanto eu estava sozinha num apartamento numa favela de Nova Iorque foi trazido à minha atenção um modo muito atraente.
ALÍVIO DA INJUSTIÇA — COMO?
Houve uma batida na porta, e eu a abri, vendo uma grande senhora preta, de quase um metro e oitenta, que subira os cinco andares para meu apartamento. Ela disse alguma coisa sobre usufruir uma vida significativa e me apresentou um livro azul, A Verdade Que Conduz à Vida Eterna. Eu era leitora ávida, e por isso o aceitei. Ela descreveu então um curso de estudo gratuito e ofereceu-se a voltar. Pedi-lhe que me demonstrasse de que estava falando.
O primeiro capítulo começava com a pergunta: “Deseja viver em paz e felicidade?” Eu pensava: “Ora, tenho lutado por isso, para que os pretos e todos os oprimidos pudessem viver em paz e felicidade.” A segunda pergunta era: “Deseja boa saúde e vida longa para si mesmo e para os seus entes queridos?” “Claro que sim! E isto é o que vi em Cuba”, dizia para mim mesma, “melhoras na medicina e as pessoas com a expectativa de ter mais anos de vida em boa saúde”.
Outra pergunta indagava: “Por que razão está o mundo tão cheio de tribulação?” Eu tinha a resposta: “Os capitalistas querem tudo para si mesmos.” A próxima pergunta no livro era: “Que significa tudo isso?” Eu achava que esta era fácil. Significava que o sistema tinha de ser destruído. Era inteiramente podre.
Por fim, a última pergunta do primeiro parágrafo indagava: “Há qualquer razão válida para se crer que tais condições hão de melhorar realmente em nossa vida?” “Pode apostar que sim”, pensava comigo mesma. “Há lutas revolucionárias em todo o mundo para cuidar disso. Cuba ficou melhor; tirou os imperialistas das suas costas. Os pretos também vão tirá-los dali.”
Eu nunca tinha visto um livro com perguntas que tanto faziam refletir. Eu pensava que sabia as respostas, mas estava ansiosa para ver o que o livro dizia. Ao estudarmos, o parágrafo dez me deixou absolutamente atônita, atingindo-me como um raio. Li em voz alta: “As muitas coisas preditas na Palavra da verdade de Deus indicam todas que já estamos agora na iminência do tempo duma mudança mundial! O que atualmente vemos acontecer em todo o mundo, em cumprimento de profecia bíblica, mostra que o nosso é o tempo que verá a destruição de todo este sistema iníquo. Os governos da atualidade serão removidos para dar lugar à regência de toda a terra pelo governo de Deus. (Daniel 2:44; Lucas 21:31, 32) Nada pode impedir esta mudança, porque ela é do propósito de Deus.”
“Governo de Deus”? Deus tem um governo? Foi pela primeira vez na minha vida que ouvi falar dum governo de Deus. Ora, tudo o que eu havia aprendido nas igrejas era que Deus estava lá em alguma parte no céu e que ele ia queimar todos os maus no fogo do inferno e levar todos os bons para o céu. Mas agora, este livro dizia que Deus ia destruir os governos atuais.
A senhora convidou-me a considerar estas idéias à base da Bíblia. Eu li por mim mesma: “E nos dias daqueles reis o Deus do céu estabelecerá um reino que jamais será arruinado. E o próprio reino não passará a qualquer outro povo. Esmiuçará e porá termo a todos estes reinos, e ele mesmo ficará estabelecido por tempo indefinido.”
“Ora, vejam só!” pensei no íntimo. “Deus tampouco gosta destes governos. E ele vai destruí-los!” Eu simplesmente não cabia em mim! Esta idéia, embora me parecesse forçada, ficou gravada na minha mente.
HÁ QUALQUER VALOR NISSO?
Mais tarde, fiquei com suspeitas. Perguntei-me se a senhora não era agente do governo. Não me arriscando, mudei-me no dia seguinte.
Embora tivesse parado de subverter militares, começara a recrutar jovens do gueto para treinamento em Cuba. Ainda assim, esta perspectiva de Deus ter um governo persistia na minha mente. Eu havia sido criada para crer em Deus, mas o que havia visto, deixara-me céptica. As igrejas pareciam retratar a Deus como mercenário; sempre pareciam extorquir dinheiro das pessoas e cegá-las para com o motivo de sua opressão. E por isso não me perturbava que em Cuba a religião estivesse a certo ponto suprimida. Mas agora, perguntava-me se Deus era real.
Decidi orar e ver o que ia acontecer. Não sabia como fazê-lo. De qualquer modo, certifiquei-me de que as cortinas estavam fechadas, para que ninguém me pudesse ver, e ajoelhei-me. Eu disse algo mais ou menos assim: “Deus, quem quer que sejas, se ainda estiveres vivo, ajuda-me. Não sei do que preciso. Mas, se tiveres o que eu preciso, peço-te que mo envies.”
Logo na manhã seguinte, um sábado, fui visitada por um casal que me falou sobre o governo de Deus, de modo que eu sabia que era a resposta à minha oração. Convidaram-me ao Salão do Reino das Testemunhas de Jeová, e eu fui no dia seguinte.
Fiquei profundamente impressionada com a acolhida cordial tanto por pretos como por brancos, e pela genuína amizade entre eles. Cética, fui a outros Salões do Reino. Mas a situação era a mesma. A união e a cordialidade existentes entre as Testemunhas eram belas para mim. Além disso, havia um compromisso, uma integridade, a disposição de até mesmo morrerem pelas suas convicções. Soube de como as Testemunhas na Alemanha nazista, em Malaui e em outros lugares haviam sofrido horrivelmente, mas negavam-se a transigir na sua lealdade ao que consideravam ser princípios justos.
Isto me intrigava. “O que mantém esta gente unida? O que há atrás deles, motivando-os?” foi o que me perguntei. Evidentemente não era algum governo nacionalista, porque as Testemunhas ensinam que Deus destruirá a estes. Vim a reconhecer também que não tinham uma organização secreta, com líderes ocultos.
UM GOVERNO REAL, COM SÚDITOS
Foi neste ponto que comecei a cogitar seriamente a idéia de Deus ter um governo celestial com súditos terrestres. Seria possível que estas Testemunhas fossem os súditos terrestres do governo de Deus? E quando Deus esmiuçasse todos os governos terrestres, seriam estas as pessoas que preservaria para iniciar uma nova sociedade terrestre?
A idéia fascinava-me, e eu estava decidida a investigá-la mais.
Lembrei-me de que, quando menina, havia aprendido a oração que Jesus Cristo ensinara aos seus seguidores: “Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome. Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.” (Mat. 6:9, 10, Authorized Version) Agora, pela primeira vez, ocorreu-me que este reino é um governo real, com um rei governando um domínio com súditos. O próprio Jesus Cristo é o designado por Deus como rei; de fato, ele disse a Pôncio Pilatos que era isso. (João 18:36, 37) Aprendi também o que a Bíblia prediz sobre este governante: “Porque . . . um filho se nos deu: e o governo estará sobre o seu ombro . . . Do aumento do seu governo e da paz não haverá fim.” — Isa. 9:6, 7, Authorized Version.
A MELHOR CONSTITUIÇÃO
Para que um governo seja real, eu sabia que precisava ter uma constituição ou um código de leis a que seus súditos se sujeitavam. No planejamento dum novo governo, nós revolucionários havíamos refletido bastante nestas leis. Agora eu passei a encarar a Bíblia como, de fato, sendo a constituição do governo de Deus. Mas a quem governa este Livro de Lei?
Eu estava convencida de que não governava as massas dos processos cristãos, nem a cristandade, nem as pessoas que haviam feito as guerras mais sangrentas da história e que, embora achando-se superiores, haviam vergonhosamente violentado e oprimido grupos minoritários. Mas, eu podia ver que as testemunhas de Jeová realmente eram diferentes. A Bíblia é mesmo sua constituição, seu Livro de Lei. O que ela diz, governa cada aspecto de sua vida.
Não há nem vestígio de superioridade racial ensinada na Bíblia. Todos somos de uma só família, em todos os sentidos iguais aos olhos de Deus. “Deus não é parcial”, diz a Bíblia, mas, em cada nação, o homem que o teme e que faz a justiça lhe é aceitável”. (Atos 10:34, 35) Não pode imaginar quanto significava para mim aprender estas coisas.
As igrejas dos brancos nos haviam dito que nós, pretos, éramos uma raça amaldiçoada e por isso inferior, animalesca. De fato, inventaram-se numerosos mitos, no sentido de que tínhamos rabos rudimentares, e, como raça, éramos estúpidos, cheirávamos mal, e assim por diante. Quão maravilhoso é fazer parte dum povo que permite que a Palavra de Deus, a Bíblia, o ajude a livrar-se de tais falsidades degradantes!
Não me entenda mal. Não estou dizendo que as testemunhas de Jeová são perfeitas. Às vezes descubro entre alguns, vestígios das atitudes de superioridade racial, e às vezes tenho visto que alguns ficam inconfortáveis na associação íntima com pessoas de outra raça. Mas, na realidade, o que se pode esperar depois de séculos de cuidadosa doutrinação de ódio por parte deste mundo?
É como explica a canção na famosa peça musical “South Pacific” (Pacífico Sul), em que um jovem militar, aflito por se ter enamorado duma jovem de outra raça, canta: ‘ser ensinado a odiar e temer; que precisa ser ensinado de ano em ano, martelando-se-lhe no seu pequeno ouvido — cuidadosamente ensinado a ter medo de gente de olhos diferentes e cuja pele tem outra cor; cuidadosamente ensinado, antes de ser tarde demais, antes de se ter seis, sete ou oito anos, a odiar a todos os que seus parentes odeiam’.
As testemunhas de Jeová, porém, por viverem segundo a constituição do governo de Deus, livraram-se do preconceito racial num grau não igualado por outros na terra. Esforçam-se a amar os outros sem consideração de raça, reconhecendo, conforme diz a Bíblia: “Quem não ama o seu irmão, a quem tem visto, não pode estar amando a Deus, a quem não tem visto.” (1 João 4:20) Ocasionalmente, meu coração se comoveu ao ponto de eu verter lágrimas incontroláveis ao sentir o amor genuíno de Testemunhas brancas, de pessoas que pouco antes eu teria matado sem hesitação para promover a causa duma revolução.
O ALÍVIO IMINENTE
Hoje lamento sinceramente a parte que tive em tramar a derrubada de governos humanos. Por meio do estudo da Bíblia aprendi que tal proceder não só é fútil, mas está em violação do que a Bíblia diz em Romanos 13:1-7. Por isso, nenhuma autoridade governamental precisa temer dificuldades das minhas mãos. Contudo, ao mesmo tempo, estou convencida de que os que continuam a olhar para os governos humanos para obter alívio das injustiças não só ficarão desapontados, mas estão em perigo de ser destruídos quando o governo de Deus, em breve, ‘esmiuçar e pôr termo a todos estes governos’.
Isto significa, naturalmente, que também os governos comunistas estão destinados à destruição por Deus. Embora tais governos, segundo acho, tenham feito muitas coisas para melhorar a condição das massas do povo, governantes humanos simplesmente se mostraram incapazes de prover justiça para todos. De fato, alguns governos comunistas cometeram atrocidades horríveis. Além disso, as pessoas debaixo de tais governos ainda adoecem, envelhecem e morrem. Os governos humanos não podem fazer nada para impedir isso. Mas Deus pode e o fará! Sua Palavra diz: “O próprio Deus estará com [a humanidade]. E enxugará dos seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem haverá mais pranto, nem clamor, nem dor. As coisas anteriores já passaram.” — Rev. 21:3, 4.
Assim, há para a humanidade alívio disponível de todas as formas de opressão, inclusive daquele inimigo, a morte. Mas apenas do modo de Deus, não do homem. Portanto, em vez de apoiar tentativas humanas de desarraigar a opressão e a injustiça, espero agora que Deus faça isso. E uso todo o meu tempo para mostrar às pessoas que a única esperança real de alívio da injustiça está no reino de Deus, que em breve trará este há muito aguardado alívio. — Contribuído.
[Destaque na página 132]
“Mas, por que, perguntei-me, queriam os brancos manter-nos oprimidos? O que havia de errado em ser preto?”
[Destaque na página 134]
“Estava disposta a lutar e a morrer para produzir a libertação dos pretos.”
[Destaque na página 136]
‘As igrejas sempre pareciam extorquir dinheiro das pessoas e cegá-las para com o motivo de sua opressão.’
[Destaque na página 137]
“Não há nem vestígio de superioridade racial ensinada na Bíblia.”
[Destaque na página 138]
‘As testemunhas de Jeová esforçam-se a amar os outros sem consideração de raça.’
[Capa na página 129]
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