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  • “A batalha não é vossa, mas de Deus”
    Despertai! — 2000 | 22 de abril
    • A batalha de Quebec

      Embora a liberdade religiosa das Testemunhas de Jeová fosse então respeitada na maior parte do Canadá, havia uma exceção: a província católica de Quebec, de origem francesa. Essa província era controlada diretamente pela Igreja Católica Romana havia mais de 300 anos. Escolas, hospitais e a maioria dos serviços públicos eram dirigidos ou controlados pelos clérigos. Na assembléia legislativa de Quebec, ao lado da cadeira do orador, havia até um trono para o cardeal católico.

      O primeiro-ministro e procurador-geral de Quebec, Maurice Duplessis, era um ditador que, segundo o historiador quebequense Gérard Pelletier, impôs à província “20 anos de um reinado de mentiras, injustiças e corrupção, o mau uso sistemático do poder, o domínio das mentes tacanhas e o triunfo da estupidez”. Duplessis consolidou seu poder político trabalhando de comum acordo com o cardeal católico-romano Villeneuve.

      No início dos anos 40, havia 300 Testemunhas de Jeová em Quebec. Muitas delas, incluindo meu irmão, Joe, eram pioneiros de outras partes do Canadá. À medida que a obra de pregação crescia em Quebec, a polícia local reagia, pressionada pelos clérigos. As Testemunhas de Jeová eram importunadas com sucessivas prisões e com a aplicação incorreta de leis comerciais, que a polícia dizia se aplicarem às nossas atividades religiosas.

      Eu viajava de Toronto para Quebec com tanta freqüência que, com o tempo, fui transferido para Quebec a fim de assessorar advogados não-Testemunhas de Jeová, que estavam representando nossos irmãos cristãos. Todo dia, minha primeira tarefa era descobrir quantos haviam sido presos no dia anterior e correr até o tribunal local para providenciar fiança. Felizmente, uma Testemunha de Jeová abastada, Frank Roncarelli, pôde fornecer o dinheiro para a fiança em muitos desses casos.

      De 1944 a 1946, o número de processos por alegadas violações de leis locais saltou de 40 para 800! Além de serem presas e importunadas continuamente pelas autoridades, as Testemunhas de Jeová eram atacadas também por turbas de arruaceiros incitadas pelos clérigos católicos.

      Em 2 e 3 de novembro de 1946, realizou-se em Montreal uma reunião especial para tratar da crise. O irmão Knorr proferiu o último discurso, intitulado: “O que faremos?” Todos na assistência ficaram felizes de ouvir a resposta: ele leu em voz alta o documento histórico intitulado Quebec’s Burning Hate for God and Christ and Freedom Is the Shame of All Canada (O Ódio Ardente de Quebec a Deus, a Cristo e à Liberdade É uma Vergonha para Todo o Canadá). Esse tratado de quatro páginas tinha uma mensagem ardente: expunha em detalhes nomes, datas e lugares em que ocorreram casos de tumultos instigados por clérigos, brutalidade policial, prisões e violência de turbas contra Testemunhas de Jeová em Quebec. Apenas 12 dias depois, iniciou-se a distribuição por todo o Canadá.

      Em questão de dias, Duplessis anunciou publicamente uma “guerra sem trégua” contra as Testemunhas de Jeová. Mas sem querer ele nos ajudou. Como? Ele ordenou que todos os que distribuíssem o tratado Quebec’s Burning Hate fossem acusados de sedição, um crime muito grave que faria com que os casos fossem julgados, não pelos tribunais de Quebec, mas pela Suprema Corte do Canadá. Louco de raiva, Duplessis despercebeu essa conseqüência. Daí, ele ordenou pessoalmente o cancelamento da licença de venda de bebidas alcoólicas de Frank Roncarelli, que em muitos casos nos ajudara a pagar fianças. Sem poder vender vinho, o excelente restaurante que o irmão Roncarelli tinha em Montreal fechou em questão de meses e ele ficou arruinado em sentido financeiro.

      As prisões aumentaram. Em vez de 800 processos, logo enfrentávamos 1.600. Muitos advogados e juízes reclamavam que todos esses casos contra Testemunhas de Jeová estavam entupindo os tribunais de Quebec. Em resposta, sugerimos uma solução simples: que a polícia prendesse criminosos em vez de cristãos. Isso solucionaria o problema.

      Dois corajosos advogados judeus, A. L. Stein, de Montreal, e Sam S. Bard, da Cidade de Quebec, ajudaram representando-nos em muitos casos, em especial antes de eu ser aceito na ordem dos advogados de Quebec, em 1949. Pierre Elliott Trudeau, que mais tarde foi primeiro-ministro do Canadá, escreveu que as Testemunhas de Jeová em Quebec “sofreram zombarias, foram perseguidas e odiadas por nossa inteira sociedade; mas conseguiram, por meios legais, combater a Igreja, o governo, a nação, a polícia e a opinião pública”.

      A atitude dos tribunais de Quebec ficou evidente no modo como meu irmão, Joe, foi tratado. O Juiz Jean Mercier o sentenciou à pena máxima de 60 dias de prisão, sob a acusação de perturbar a paz. Daí, perdendo completamente o controle, ele gritou que queria poder enviar Joe para a prisão pelo resto da vida.

      Um jornal disse que Mercier dera ordens à polícia de Quebec para que ‘prendesse assim que visse toda pessoa conhecida como Testemunha ou suspeita de ser uma’. Essa atitude só provou que eram verdadeiras as acusações do tratado Quebec’s Burning Hate. As manchetes a seguir são típicas de jornais canadenses fora de Quebec: “A Era do Obscurantismo retorna a Quebec” (The Toronto Star), “Volta da Inquisição” (The Globe and Mail, Toronto) e “O mau cheiro do fascismo” (The Gazette, Glace Bay, Nova Escócia).

      Defesa contra a acusação de sedição

      Em 1947, ajudei o Sr. Stein em nosso primeiro caso de sedição que foi julgado, o caso de Aimé Boucher. Aimé havia distribuído alguns tratados perto de casa. No julgamento, provamos que Quebec’s Burning Hate não continha falsidades, mas que simplesmente usava uma linguagem forte para reclamar das atrocidades cometidas contra as Testemunhas de Jeová. Mostramos que os que cometeram essas atrocidades nunca haviam sido indiciados. Aimé havia sido condenado apenas por divulgá-las. O argumento da acusação podia ser resumido assim: falar a verdade passara a ser considerado crime.

      Os tribunais de Quebec haviam se baseado numa vaga definição de “sedição”, de 350 anos, que sugeria que qualquer um que criticasse o governo poderia ser declarado culpado de crime. Duplessis também se baseara nessa definição para sufocar os que criticavam seu regime. Mas em 1950, a Suprema Corte do Canadá aceitou nossa posição de que, numa sociedade moderna, “sedição” tem de incluir incitação à violência ou à insurreição contra o governo. O tratado Quebec’s Burning Hate não incitava a isso e, portanto, era uma forma legal de exercer a liberdade de expressão. Em resultado dessa única decisão histórica, todos os 123 casos de sedição foram arquivados. Vi de primeira mão como Jeová deu a vitória.

      Luta contra a censura

      A Cidade de Quebec tinha uma lei municipal que proibia a distribuição de publicações sem permissão do chefe de polícia. Isso era censura direta e, portanto, uma violação da liberdade religiosa. Laurier Saumur, que então servia como superintendente viajante, havia ficado preso durante três meses e enfrentava diversas outras acusações por causa dessa lei.

      Em 1947, impetramos uma ação civil em nome do irmão Saumur para impedir que a Cidade de Quebec aplicasse sua lei contra as Testemunhas de Jeová. Os tribunais de Quebec decidiram contra nós e, novamente, apelamos à Suprema Corte do Canadá. Em outubro de 1953, depois de uma audiência de sete dias diante dos nove juízes daquela corte, nosso pedido de um mandado de segurança foi concedido. A corte reconheceu que a distribuição pública de sermões bíblicos impressos é parte fundamental da adoração cristã das Testemunhas de Jeová e que, portanto, de acordo com a constituição não pode ser censurada.

      Assim, o caso Boucher determinou que aquilo que as Testemunhas de Jeová diziam era legal; mas a decisão do caso Saumur estabeleceu como e onde elas podiam transmitir essas informações. A vitória no caso Saumur fez com que mais de 1.100 acusações de violação de uma lei municipal fossem retiradas em Quebec. Mais de 500 acusações também foram retiradas em Montreal por total falta de provas. Logo, não havia mais casos para serem julgados em Quebec.

      A ofensiva final de Duplessis

      Visto que não havia mais leis que pudesse usar contra as Testemunhas de Jeová, no início de janeiro de 1954, Duplessis apresentou uma nova lei (Projeto de Lei N.º 38), que foi descrita pela imprensa como a ‘lei anti-Testemunhas de Jeová’. Ela declarava que, se alguém suspeitasse que outra pessoa pretendia fazer uma declaração “ofensiva ou injuriosa”, poderia fazer queixa sem precisar fornecer qualquer prova. Como procurador-geral, Duplessis podia então conseguir um mandado de segurança proibindo o acusado de fazer qualquer declaração pública. Depois de se aplicar o mandado de segurança contra uma pessoa, todos os membros de sua Igreja também ficavam proibidos de falar. Além disso, todas as Bíblias e publicações religiosas pertencentes àquela Igreja seriam confiscadas e destruídas, e todos os seus locais de adoração seriam fechados até que o caso fosse decidido, o que poderia levar anos.

      O Projeto de Lei N.º 38 baseava-se em uma lei preparada no século 15, durante a Inquisição Espanhola de Torquemada. O acusado e seus associados perdiam todos os direitos civis sem que houvesse qualquer prova de terem feito algo errado. A respeito do Projeto de Lei N.º 38, a imprensa noticiou que a polícia da província havia recebido ordens de fechar todos os Salões do Reino das Testemunhas de Jeová e de apreender e destruir suas Bíblias e outras publicações. Devido a essa terrível ameaça, retiramos todas as nossas publicações religiosas da província. Porém, continuamos com nossa obra de pregação pública, mas apenas com um exemplar pessoal da Bíblia.

      A lei passou a vigorar em 28 de janeiro de 1954. Em 29 de janeiro, às 9 horas da manhã, eu já estava na porta do tribunal para impetrar uma ação a favor de todas as Testemunhas de Jeová na província de Quebec, buscando um mandado de segurança permanente contra aquela lei antes mesmo de Duplessis poder usá-la. O juiz não concedeu um mandado de segurança temporário porque o Projeto de Lei N.º 38 ainda não havia sido usado. Mas disse que, se o governo tentasse usá-lo, eu poderia voltar e obter proteção. De modo que a ação do juiz teve o mesmo efeito de um mandado de segurança temporário, porque assim que Duplessis tentasse aplicar a lei, seria impedido.

      Durante a semana seguinte, esperamos para ver se a polícia tomaria medidas de acordo com essa nova lei. Não aconteceu nada. Para descobrir por quê, fiz um teste. Duas pioneiras, Victoria Dougaluk (mais tarde Steele) e Helen Dougaluk (mais tarde Simcox), foram de casa em casa com publicações em Trois-Rivières, a cidade natal de Duplessis. Novamente, não houve reação. Enquanto as irmãs faziam isso, pedi que Laurier Saumur telefonasse para a polícia da província. Sem se identificar, ele reclamou que as Testemunhas de Jeová estavam pregando e que a polícia não estava fazendo cumprir a nova lei de Duplessis.

      Encabulado, o policial encarregado disse: “Sim, sabemos que a lei foi aprovada; mas no dia seguinte as Testemunhas de Jeová conseguiram um mandado de segurança contra nós, de modo que não há nada que possamos fazer.” Imediatamente, trouxemos nossas publicações de volta para a província e nossa obra de pregação continuou sem problemas nos próximos dez anos até que o caso foi julgado pelos tribunais.

      Além do mandado de segurança, procuramos fazer também com que o Projeto de Lei N.º 38 fosse declarado inconstitucional. Para provar que essa lei visava apenas as Testemunhas de Jeová, decidimos tentar uma manobra ousada: enviamos ao próprio Duplessis uma intimação, obrigando-o a comparecer a julgamento e apresentar provas. Eu o interroguei durante duas horas e meia. Várias vezes, citei suas declarações públicas de que travaria uma “guerra sem trégua contra as Testemunhas de Jeová” e sua afirmação de que o Projeto de Lei N.º 38 seria o fim das Testemunhas de Jeová em Quebec. Furioso, ele me atacou pessoalmente: “Você é um rapaz muito insolente!”

      “Sr. Duplessis”, respondi, “se estivéssemos analisando o caráter das pessoas, eu também teria alguns comentários a fazer a seu respeito. Mas visto que temos um trabalho para terminar, por favor, explique ao tribunal por que o senhor não respondeu a última pergunta”.

      Em 1964, apresentei o caso do Projeto de Lei N.º 38 perante a Suprema Corte do Canadá. Ela se negou, porém, a analisar a constitucionalidade dele, visto que nunca havia sido usado. Mas naquela época Duplessis já havia morrido e ninguém mais se importava com o Projeto de Lei N.º 38. Nunca foi usado contra as Testemunhas de Jeová nem contra qualquer outra pessoa.

      Pouco antes de sua morte, em 1959, a Suprema Corte do Canadá ordenou que Duplessis pagasse uma indenização ao irmão Roncarelli por ter cancelado ilegalmente a licença dele para a venda de bebidas alcoólicas. Desde aquele tempo, muitas pessoas em Quebec se tornaram bem amigáveis. O número de Testemunhas de Jeová ali aumentou de 300, em 1943, para mais de 33.000 hoje, segundo um censo do governo. As Testemunhas de Jeová são agora alistadas como o quarto maior grupo religioso da província. Não considero essas vitórias jurídicas ou o êxito do ministério das Testemunhas de Jeová como realizações humanas. Para mim, provam que é Jeová quem dá a vitória, porque a batalha é dele e não nossa. — 2 Crônicas 20:15.

  • “A batalha não é vossa, mas de Deus”
    Despertai! — 2000 | 22 de abril
    • Pierre Elliott Trudeau, que mais tarde foi primeiro-ministro do Canadá, escreveu que as Testemunhas de Jeová em Quebec “sofreram zombarias, foram perseguidas e odiadas por nossa inteira sociedade; mas conseguiram, por meios legais, combater a Igreja, o governo, a nação, a polícia e a opinião pública”.

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