Haiti
NUM recife ao largo da ilha caribenha que o Haiti compartilha com a República Dominicana, perdeu-se a nau capitânia de Cristóvão Colombo durante a sua viagem de exploração em 1492. No entanto, esta viagem lançou a base para a colonização de um Novo Mundo para a Europa. Ele encontrou pacíficos ameríndios, os aruaques. O nome Haiti deriva da língua deles, significando “Terra Montanhosa”. Esta “Terra Montanhosa” tem passado por muitas mudanças desde 1492.
Colombo reivindicou esta terra em nome de Isabel, rainha da Espanha, e chamou-a de Española. Os conquistadores espanhóis sujeitaram os aruaques a duro trabalho de escravo. Em pouco tempo, não sobraram muitos aruaques. Trouxeram então africanos para substituí-los.
Com o tempo, aventureiros franceses estabeleceram-se na parte ocidental da ilha, que a França em 1697 reivindicou como Saint-Domingue. A terra era fértil, surgiram grandes plantações com a ajuda do trabalho de escravos, e Saint-Domingue tornou-se um território próspero.
Uns 100 anos mais tarde, Toussaint Louverture, homem de descendência régia africana, mas nascido escravo, obteve vitórias militares e diplomáticas para libertar os escravos. Tornou-se governante de Saint-Domingue em 1801. Jean-Jacques Dessalines, também nascido escravo, mais tarde expulsou os franceses e mudou o nome do território de novo para o que tinha sido chamado pelos aruaques. Assim, em 1804, surgiu a primeira nação negra independente das Américas: o então rico país do Haiti.
Depois da morte de Dessalines, em 1806, Henry Christophe assumiu o controle sobre a parte norte do país. Algumas das suas realizações ajudaram a fazer com que a nação por um tempo fosse classificada entre as mais fortes do Novo Mundo. Ele construiu o imponente palácio Sans-Souci e a fabulosa Citadelle Laferrière — uma fortaleza no pico dum monte. Com o tempo, porém, lutas pela liderança, revoluções e mau uso dos fundos públicos empobreceram o país.
No entanto, o Haiti ainda mantém um caráter único na língua, na cultura e no povo. Muitos falam francês, mas a língua do povo em geral é o crioulo — um dialeto expressivo que combina palavras francesas com a gramática de línguas da África Ocidental. A mistura de tendências africanas e européias faz da população um povo pitoresco e belo. Montanhas vistosas continuam a dominar o país. No entanto, a maioria delas ficaram desoladas — sem árvores — e planícies antes férteis se tornaram secas.
Esta é uma terra que se gloria do seu passado, que lamenta o presente e que espera um futuro melhor — um novo mundo. É bem próprio, portanto, que as boas novas de um mundo realmente novo sob o Reino de Deus estejam chegando a estas pessoas, mesmo nas aldeias remotas atrás dos montes.
As boas novas chegam a Aquin
As recordações de como as boas novas do Reino de Deus chegaram pela primeira vez ao Haiti são vagas. Já em fevereiro de 1887, A Torre de Vigia de Sião (em inglês) alistava Hayti (ou: Haiti) entre os lugares de onde se receberam cartas escritas por interessados. Todavia, foi só décadas mais tarde, durante o inverno setentrional de 1929/30, que uma Testemunha, uma pioneira, que devotava todo o seu tempo a dar testemunho sobre o propósito de Deus, passou ali alguns meses. Depois, em 1938, um advogado de nome Démosthène Lhèrisson, de algum modo obteve em Porto Príncipe (Port-au-Prince) os livros Criação e Profecia, e o folheto Causa da Morte. Levou-os para casa, em Aquin, na costa sul. Com que resultado? À base do que leu, ficou convencido de que essas publicações indicavam o caminho para o verdadeiro cristianismo. Ele rejeitou a Igreja Católica e começou a falar sobre a verdade bíblica a outros, inclusive a seu sobrinho.
Após o falecimento deste advogado, este sobrinho convidou amigos a estudar os livros com ele, e fizeram isso regularmente. Um deles disse: “Percebemos que estávamos vivendo nos últimos dias deste mundo, que o Reino de Jeová foi estabelecido nos céus desde 1914, e que as religiões seriam destruídas por fazerem parte deste mundo.” Eles passaram a depositar sua esperança num novo mundo.
Por volta de 1943, em Cayes, uma cidade grande ao oeste de Aquin, um viajante que havia retornado de Cuba estava de posse de diversas publicações da Torre de Vigia. Essas publicações chegaram às mãos de Solomon Sévère, que morava em Vieux-bourg, a uns dez quilômetros de Aquin.
Com o tempo, os interessados em Aquin e os em Vieux-bourg estabeleceram contato entre si. Mas alguns deles aderiam aos ensinos duma religião minoritária conhecida como Cristianismo, ou Salomonitas, e certas das suas práticas, tais como a pluralidade de esposas, definitivamente não eram cristãs. Aqueles que sinceramente buscavam a verdade passaram a dar-se conta de que precisavam romper seus laços com a cristandade e deixar de participar nas suas práticas.
Por volta de 1944, sete pessoas no Haiti participavam na pregação das boas novas a outros, e elas relataram 1.500 horas dedicadas a esta atividade durante o ano. No ano seguinte, mais cinco participaram no ministério de campo, e o total de horas que dedicaram à pregação pública da mensagem do Reino aumentou vertiginosamente para 6.164. Perto do fim do ano de serviço, dois missionários bem treinados tornaram-se parte deste grupo.
Os primeiros missionários da Torre de Vigia
Dois jovens missionários da Torre de Vigia, Roland Fredette e Harold Wright, da América do Norte, chegaram a Porto Príncipe em agosto de 1945. Eles haviam estudado francês na Escola Bíblica de Gileade da Torre de Vigia (dos EUA), mas logo descobriram que agora tinham de aprender crioulo. Ficaram bem conhecidos ao serem vistos pregando com a ajuda de cartões de testemunho e de fonógrafos.
N. H. Knorr e F. W. Franz, naquele tempo respectivamente presidente e vice-presidente da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA), ansiosos de que a pregação das boas novas ficasse bem organizada no Haiti, chegaram a Porto Príncipe em 19 de março de 1946. Onze pessoas assistiram a uma reunião realizada naquela noite apenas para Testemunhas no lar missionário. Depois dum discurso do irmão Franz, o irmão Knorr falou sobre a organização da pregação no Haiti. Anunciou o estabelecimento duma filial da Sociedade Torre de Vigia no Haiti, tendo o irmão Fredette como superintendente de filial. Então, às 19 horas da noite seguinte, um grupo de 74 pessoas se reuniu no lar missionário para ouvir o irmão Knorr falar sobre o tema “Alegrai-vos, ó Nações”.
A filial foi aberta em 1.º de abril de 1946. Pouco depois, o governo reconheceu oficialmente a Sociedade Torre de Vigia. Chegaram mais cinco missionários, e a pregação das boas novas se estendeu a cidades perto de Porto Príncipe e ao norte até o Cabo Haïtien, na costa setentrional.
Vieux-bourg chega a conhecer os missionários
Durante esta época, membros do grupo de Vieux-bourg muitas vezes conversavam com um homem de nome Cassindo. Quando ele visitou Porto Príncipe, em 1948, ouviu um dos missionários proferir um discurso na Place Jérémie e depois disse ao missionário que em Vieux-bourg havia pessoas que falavam como ele. Cassindo voltou para casa com a notícia: “Genyen moun kom sa yo nan Port-au-Prince” (Há pessoas assim em Porto Príncipe). Houve muita emoção entre os do grupo de Vieux-bourg.
Eles contataram os missionários, que então foram visitá-los. Quanta alegria isto deu aos do grupo em Vieux-bourg! Ficaram tão felizes, que passaram todo o primeiro dia com seus visitantes no serviço de campo. Naquela noite, proferiu-se um discurso bíblico na praça pública à luz duma lamparina a óleo.
Numa viagem seguinte, os habilitados para isso foram batizados, e o grupo foi organizado numa congregação, uma das primeiras no Haiti. Mas houve problemas. Salomon Sévère tinha a tendência de mandar nos outros. Por isso, designou-se um irmão de maior humildade para ser o superintendente da congregação. Diante disso, Sévère rebelou-se e influenciou alguns a acompanhá-lo quando se retirou da congregação. — Atos 20:29, 30.
Os 12 que permaneceram reconheciam a Jesus Cristo como seu Líder e continuaram lealmente no serviço de Jeová. (Mat. 23:10) Isto resultou em ricas bênçãos. Em 1949, Vieux-bourg, com uma população de cerca de 400 habitantes, relatou 21 publicadores — mais do que havia em Porto Príncipe.
Um pastor fica sabendo do novo mundo
Nesta época, alguns clérigos da cristandade, sem querer, ajudaram a levar a verdade a alguns membros da sua própria Igreja. Deixemos que Diego Scotland, nativo de Dominica, conte o que aconteceu no seu caso:
“Enquanto eu era pastor duma igreja pentecostal, o pastor principal da igreja trouxe dos Estados Unidos diversas publicações da Torre de Vigia, para seu uso. Quando comecei a estudá-las, ele me advertiu que eu podia perder o juízo. Não fiz caso disso, porque via que elas continham a verdade. Mas quando passei a me negar a dirigir cultos na igreja, aumentaram as tensões entre nós. O rompimento final veio depois dum debate sobre a doutrina da imortalidade da alma.”
Derrotado, o pastor mais antigo declarou que não permitiria que as Testemunhas de Jeová se arraigassem no Haiti. Diego, homem franzino com uma personalidade calma, citando Gamaliel, respondeu que, se as Testemunhas de Jeová tinham mesmo a religião verdadeira, ninguém poderia impedi-las. (Atos 5:39) Começou a estudar com as Testemunhas, progrediu rapidamente e logo se tornou publicador batizado.
Outros aprendem e depressa começam a pregar
Mais quatro formados em Gileade vieram ao Haiti em 1948 — Alexander Brodie e Harvey Drinkle, em abril, e Fred e Peter Lukuc, no verão. Todos eles eram canadenses. Trabalhando com base no seu lar missionário na Rue Capois, 21, contribuíram muito para intensificar a pregação das boas novas em Porto Príncipe.
Fred Lukuc tinha então 23 anos e havia sido pioneiro desde 1943. Depois de chegar ao Haiti, colocou o livro “A Verdade Vos Tornará Livres” com o dono duma loja de artigos de couro e prometeu voltar naquele domingo. Mas aconteceu muita coisa antes do domingo. O genro deste homem, Maurice Sanon, viu o livro e começou a lê-lo. Toda tarde, este ex-professor ficava estudando a Bíblia com a ajuda do livro do seu sogro. Em poucos dias, começou a mostrar aos amigos as doutrinas falsas que a Igreja Católica lhes tinha ensinado. Estava impaciente para conhecer Fred Lukuc.
“Maurice fez muitas perguntas”, declarou o irmão Lukuc alguns anos depois, “e iniciamos um estudo da Bíblia. Ele progrediu rapidamente, transmitindo a recém-encontrada verdade a parentes e a outros. Mas quando o convidei a sair comigo no serviço de campo, ele objetou: ‘Não sei o bastante.’ Respondi: ‘Você sabe mais da Bíblia do que as pessoas lá fora. De qualquer modo, quem vai falar sou eu.’ Ele concordou. Mas, desde a primeira visita, foi este homem dinâmico quem mais falou.” Com o tempo, sua esposa e seus quatro filhos participaram no estudo, e toda esta família, com alguns sobrinhos e sobrinhas, tornaram-se Testemunhas dedicadas.
No ano seguinte, 1949, Fred conheceu um protestante sincero, de 40 anos, na cidade de Carrefour, perto de Porto Príncipe. Este homem também estava sedento da verdade. “Dumoine Vallon fez muitas perguntas doutrinais”, relatou Fred. “Voltei na semana seguinte, conforme havíamos combinado, mas ele não estava em casa. Fiquei desapontado, visto que viajara uma longa distância de bicicleta.” O que tinha acontecido? Fred diz: “Ele voltou pouco depois para casa e explicou que estivera pregando às pessoas na vizinhança. ‘Elas não sabem nada sobre Deus’, disse.” Com a ajuda dum estudo bíblico domiciliar, ele fez progresso rápido e foi batizado em junho de 1950. Ele continua sendo ministro leal das boas novas.
Nosso primeiro congresso de distrito
Nosso primeiro congresso de distrito foi realizado em 1950. O irmão Knorr esteve presente e participou com os publicadores em carregar um “cartaz-sanduíche” para anunciar o discurso público. Diante deste espetáculo incomum, ajuntaram-se pessoas em volta dos publicadores e algumas zombaram deles. Mas quão felizes ficaram estes quando 474 compareceram ao discurso num teatro ao ar livre, à beira do porto! Mais cedo naquele dia, 13 haviam sido batizados na praia do Club Thorland.
O irmão Knorr deu instruções sobre como melhorar a organização das congregações, treinar publicadores e corrigir os que assistiam às reuniões, mas que tinham motivação errada. As pessoas tinham de saber que as Testemunhas de Jeová não eram como os protestantes, que conseguiam conversos tirados da Igreja Católica por lhes oferecerem vantagens materiais.
Notando que depois de cinco anos de atividade missionária apenas 86 publicadores estavam relatando, o irmão Knorr aconselhou que o ministério possivelmente seria mais produtivo se se usasse o crioulo em vez de o francês nas reuniões e no serviço de campo. Quando se fez esta mudança, houve rapidamente bons resultados.
O irmão Knorr anunciou também que o folheto Podeis Viver Para Sempre em Felicidade na Terra? seria traduzido para o crioulo. No entanto, o tradutor usou um sistema fonético inventado por um alemão chamado Laubach. Este sistema facilitava a pronúncia para os que falavam inglês, mas não era aquilo a que a população católica estava acostumada, de modo que a distribuição do folheto ficou limitada.
Mais frutos no sul
A Congregação Vieux-bourg havia estendido sua pregação ao sul, até Saint-Louis du Sud, cidade de Benoît Sterlin, um bem-conhecido comerciante que havia estudado com as Testemunhas desde 1946. Ele também pregava. Em 1950, o grupo de sete publicadores ali em Saint-Louis du Sud tornou-se a segunda congregação no sul. Benoît foi batizado no mês de março seguinte, e ele e sua esposa tornaram-se publicadores bem ativos.
Até aquela época, apenas poucos missionários tinham licença para realizar casamentos. Quando também irmãos haitianos passaram a ser designados como habilitados para realizar casamentos, Benoît foi um dos ajuramentados por um juiz em Porto Príncipe.
A verdade saiu ganhando
Certo dia, em 1951, Alex Brodie estava dando testemunho num setor comercial na Rue des Miracles, na capital, quando entrou numa loja chamada de O Alfaiate Elegante. Encontrou ali Rodrigue Médor, de 32 anos, e deixou com ele o livro “Seja Deus Verdadeiro”. Este alfaiate-mestre, bem trajado, concordou com um estudo da Bíblia; mas Alex raras vezes o encontrava nas visitas seguintes. O próprio Rodrigue admite: “Fiquei com o livro para me livrar dele. Minha esposa e eu éramos católicos fervorosos. Quando Alex ofereceu o estudo, eu lhe disse que podia vir. Mas então eu me esquivava toda vez.”
No entanto, a verdade saiu ganhando. Ele recorda: “Tentei derrotá-lo com uma pergunta sobre a Virgem; mas ele a respondeu satisfatoriamente, e então comecei a estudar a sério. Minha esposa se opunha a isso, fazendo até mesmo que o sacerdote rezasse uma novena para me fazer parar. Nós fomos então estudar em outro lugar.”
Depois que Rodrigue aprendeu o que a Bíblia diz sobre o uso de imagens, ele agiu com determinação: tirou a imagem da Virgem da sala de estar e a destroçou. Sua esposa ficou furiosa. Mas, por fim, a mudança no que atraía o interesse dele impressionou-a. Por exemplo, Rodrigue passava as noites lendo publicações bíblicas em vez de sair com os amigos. Notando isso, sua esposa também começou a estudar. Ele foi batizado em fevereiro de 1952, e ela, três anos mais tarde.
Outro missionário, David Homer, visitava Albert Jérome na sua pequena mercearia. No começo, este homem tentava menosprezar a verdade. Mas, visto que David achava que o homem “era sincero”, continuava a visitá-lo. Por fim, iniciou-se um estudo bíblico com Albert, e ele progrediu rapidamente. Depois de ser batizado, continuaram a estudar juntos, usando a matéria dos livros “Equipado para Toda Boa Obra” e Qualificados Para Ser Ministros. Isto contribuiu para que Albert se tornasse ministro valioso na congregação.
A divulgação das boas novas em crioulo
Para os missionários, dirigir estudos bíblicos apresentava desafios incomuns. Os livros eram em francês, mas as explicações tinham de ser dadas em crioulo para a maioria das pessoas. Em algumas regiões, a única luz disponível à noite era a duma lamparina a óleo feita com uma latinha de leite. “A luz era fraca”, recorda Alex Brodie, “mas o desejo do estudante de aprender compensava esta inconveniência”.
Nos discursos públicos dados em crioulo num parque nos arrabaldes de Porto Príncipe, e às vezes à beira do mar, a assistência sempre era boa. Os missionários traziam seu equipamento portátil de som em bicicletas e montavam os alto-falantes em palmeiras. As pessoas traziam suas próprias cadeiras ou se sentavam na grama.
Muito interesse foi encontrado na região de Carrefour, onde morava Dumoine Vallon. Estabeleceu-se assim um Estudo de Livro de Congregação na sua casa. E o que estava acontecendo em Vieux-bourg? Os publicadores pregavam zelosamente na região circunvizinha, proferindo discursos públicos ao passarem de um lugar para outro. Viajavam a cavalo, a burro ou a mulo, e dormiam à luz das estrelas quando a noite lhes sobrevinha na estrada. Então surgiram abruptamente sérios problemas no Haiti.
Uma repentina proscrição!
Numa carta com data de 19 de abril de 1951, o Ministério de Assuntos Religiosos informou a filial de que todas as atividades das Testemunhas de Jeová no Haiti tinham de cessar. A carta acusava as Testemunhas de serem “antinacionais” e de usarem a Despertai! para divulgar idéias comunistas. Por que esta mudança?
Os clérigos estavam por detrás disso. Durante meses, eles haviam chamado a atenção do governo para a questão da saudação à bandeira. Os católicos denunciavam os irmãos como comunistas. “Abaixo os comunistas!” gritavam muitas vezes contra as Testemunhas.
Levou mais de três meses e muitas cartas para convencer as autoridades de que se lhes haviam dado informações falsas e que as Testemunhas de Jeová não têm nenhuma ligação política. Por fim, a proscrição foi suspensa em agosto.
Como havia tudo isso afetado a obra? A polícia tinha fechado os Salões do Reino. Mas as reuniões prosseguiram nos lares onde havia grupos de Estudo de Livro de Congregação. Em julho, enquanto ainda vigorava a proscrição, formou-se uma congregação com os dez publicadores de Carrefour, que tinha a Peter Lukuc como superintendente. Também tinham chegado mais cinco formados em Gileade. Daí, após a suspensão da proscrição, receberam prontamente visto de residência. Numa cidade no sul, quando os irmãos foram à polícia para pedir a devolução do equipamento do Salão do Reino que havia sido apreendido, o capitão o entregou e disse: “Continuem trabalhando para Jeová até o fim!”
Encontro com o vodu
Victor Winterburn era um dos missionários recém-chegados. Era canadense, tinha 23 anos, fora batizado em 1940 à idade de 12 anos e tinha sido pioneiro desde 1946. Pouco depois de Victor se tornar superintendente de filial, em setembro de 1951, a vida de uma das Testemunhas, Frank Paul, ficou em perigo por causa das superstições do vodu (culto semelhante ao candomblé). Victor Winterburn e Alex Brodie foram em socorro de Frank. Eles relatam o que aconteceu:
“Em 1952, seguindo relatos de irmãos, encontramos Frank semiconsciente num catre em um templo de vodu. Suas mãos estavam atadas a um poste atrás dele. Também seus pés estavam atados. Uma mordaça impedia que fechasse a boca. Os lábios estavam rachados. O rosto emaciado estava cheio de bolhas. Tentamos falar com a mambo (sacerdotisa), mas ela não nos deu atenção. Não conseguimos comunicar-nos com Frank. E não podíamos tirá-lo dali. Até mesmo a polícia disse que não podia tocar nele, visto que fora levado ali por seus pais.
“Fomos visitar os pais e conseguimos assim saber o que tinha acontecido. A esposa dele o havia abandonado e ele mesmo criava seu filho, trabalhando em casa como alfaiate. Adoeceu e passou a delirar, de modo que foi hospitalizado. Acreditando que ficara possesso por um espírito mau, seus pais o transferiram para o templo. Posteriormente, fomos informados de que os doentes são espancados e se lhes põe pimenta ardida nos olhos para expulsar os maus espíritos.
“Amedrontados porque a condição dele piorava, seus pais chamaram um de nossos irmãos, que procurou levá-lo de volta ao hospital. Mas, sabendo onde Frank Paul havia estado, o hospital não quis admiti-lo. Foi admitido só quando uma irmã nossa, com experiência de enfermagem, ofereceu-se a comprar os necessários remédios e a cuidar dele. A congregação forneceu as refeições — o que costuma ser feito pela família do paciente.
“Os médicos disseram que ele tinha tifo e malária. Nós nos perguntávamos se ele se restabeleceria. Mas, ele recuperou a saúde, reiniciou o ministério e mais tarde se casou de novo. Apreciou muito a ajuda dos irmãos, e o espírito cordial e apoiador da sua congregação.”
Memoráveis viagens de circuito
O superintendente de filial, usualmente acompanhado por outro missionário, costumava visitar as congregações como superintendente de circuito, pregando ao longo do caminho. Numa dessas viagens, em novembro de 1951, Victor Winterburn e seu companheiro andaram de bicicleta 520 quilômetros até Les Anglais, no sul. Trabalharam em média 10 horas por dia no serviço de campo, nesta viagem, e colocaram mais de 500 publicações.
Quando Fred Lukuc visitou estas congregações na primavera de 1952, teve de interromper sua visita porque contraiu malária. Ele escreveu mais tarde: “Iniciei em Cavaillon esta viagem de 174 quilômetros de volta para casa, com a bicicleta carregada de bagagem pessoal e de publicações. Passei a primeira noite em Vieux-bourg-d’Aquin e tomei o resto do meu remédio. A viagem no dia seguinte foi cansativa, ao passo que eu pedalava através dos morros até Grand-Goâve. Naquela noite, fiquei na casa dum interessado idoso. Dormi pouco. A febre e a transpiração me deixaram fraco. De modo que este homem idoso, humilde, providenciou que eu fosse de caminhão a Porto Príncipe. De volta em Betel, minha condição tornou-se crítica, e meu médico recomendou que eu retornasse ao Canadá para me restabelecer.”
Por causa disso, Fred Lukuc deixou o Haiti em 1952. Mas ele tinha um indomável espírito missionário, e três anos depois ele voltou para continuar a excelente obra que fizera. Peter Lukuc, por fim, também teve de retornar ao Canadá para ser tratado de grave amebíase. Mas, tendo o mesmo espírito tenaz, também voltou para continuar a servir no Haiti.
Alcançando novos territórios
Havia então congregações em Porto Príncipe e ao longo da rota meridional até Cayes. Faziam-se também empenhos para desenvolver grupos em outras regiões. Alex Brodie e Harvey Drinkle faziam viagens ao norte, através dos brejos e dos arrozais das planícies de Artibonite até Saint-Marc e daí para Gonaïves, numa região cheia de cactos. Harvey era uma pessoa calma e corajosa. Muito mais tarde submeteu-se a uma cirurgia no Canadá, na qual se lhe tirou o olho direito por causa dum câncer. Mas ele retornou ao Haiti para continuar na sua designação.
Ele e Alex percorriam de bicicletas carregadas com publicações as estradas não pavimentadas, ao passo que visitavam as casas e as aldeias ao longo do caminho. As pessoas se levantam cedo na região rural do Haiti. Esses missionários faziam sua primeira visita às seis da manhã e continuavam a pregar até depois do escurecer. Daí pernoitavam nas casinhas de sapé de lavradores hospitaleiros. Em Saint-Marc e em Gonaïves havia hotéis em que podiam ficar. Afetuosamente, Alex disse mais tarde: “Era uma época agradável quando visitávamos essa gente vivaz.”
Outros missionários penetravam no extremo sudoeste. Marigo Lolos, que mais tarde se tornou a esposa de Alex, fala sobre a sua viagem a Jérémie com mais três missionárias solteiras — Naomi Adams, Virnette Curry e Frances Bailey:
“Em janeiro de 1952, viajamos no Clarion, um veleiro com motor auxiliar. O mar estava agitado, o veleiro jogava para lá e para cá, e nós ficamos totalmente enjoadas; mas chegamos a Jérémie, onde fomos pregar e colocar muitas publicações.
“Fomos de camion (caminhão usado como ônibus) até Anse-d’Hainault. Os passageiros homens ficavam por cima da carga de produtos agrícolas no caminhão. No caminho de volta, colidimos com outro caminhão, e Frances ficou ferida. Naomi tinha consigo um estojo de primeiros socorros e pôde cuidar do ferimento; mas estávamos presas nas montanhas. Orando no coração, acomodamo-nos à beira da estrada, deixando Frances deitada num catre, enrolada num cobertor.
“Um menino no vale abaixo ouviu a trombada e subiu com uma panela de ferro, um pouco de mandioca e bananas-da-terra. Acendeu um fogo e cozinhou para nós uma refeição — um ato de bondade que nos tocou o coração.
“Caiu a noite, fria e escura. Às 22 horas ouvimos a chegada dum veículo e sabíamos que não podia passar. A estrada era estreita, com um barranco íngreme num lado. De modo que Naomi foi em direção ao veículo com uma lanterna elétrica na mão e acenou para que o motorista parasse. Para a nossa surpresa, ele conseguiu manobrar seu caminhão; e para nosso alívio, levou-nos a Jérémie. Retornamos no dia seguinte a Porto Príncipe, felizes de termos participado em divulgar as boas novas naquele território longínquo.”
Muitos se lembram ainda dessas irmãs corajosas e falam sobre elas. Uma irmã haitiana, que foi batizada em 1990 à idade de 72 anos, recorda-se de que seu primeiro contato com a verdade foi por meio de uma delas, há mais de 30 anos. Ela diz: “Eu gostaria de ter estudado com ela e me tornado Testemunha naquele tempo. Assim não teria perdido todos esses anos em que poderia ter servido a Jeová.”
Um pastor se sai mal
Quando nossos irmãos davam testemunho aos clérigos, eles eram destemidos, confiantes na Palavra de Deus. Em 1954, um publicador teve um debate assim com um pastor protestante e três membros da igreja dele. O tópico era a imortalidade da alma. Quando se lhe mostrou na sua própria Bíblia que Ezequiel 18:4 diz: “L’âme que pèche este celle qui mourra” (A alma que pecar, esta é que morrerá), o pastor disse rudemente que não podia acreditar nisso. (La Sainte Bible, traduzida por L. Segond) O irmão conta o que aconteceu depois:
“Perguntei-lhe: ‘Qual é o destino dos iníquos e dos justos?’ Ele respondeu que os iníquos sofrem o fogo eterno, ao passo que as almas dos justos, inclusive Adão, são ressuscitadas para alegrar-se com Deus no seu Reino. Ele disse que Deus perdoou o pecado de Adão quando o cobriu com peles de animal. Não soube explicar como uma alma que não pode morrer podia ser ressuscitada. Por argumentar à base de diversos textos bíblicos, mostrei-lhe que Adão tinha pecado deliberadamente, sabendo o que estava fazendo; e que, se Deus lhe tivesse perdoado, então seus descendentes teriam nascido perfeitos, não sob a condenação do pecado.
“Alguns dias mais tarde, um dos membros da igreja me disse que seu pastor queria saber onde as Testemunhas de Jeová aprendiam tão bem a Bíblia. Este membro e outros começaram a estudar conosco, e em pouco tempo um deles começou a pregar.”
As Testemunhas de Jeová nas notícias
Até o começo dos anos 50, raras vezes se publicara algo nos jornais locais sobre as Testemunhas de Jeová. Mas a situação mudou por ocasião da Assembléia da Sociedade do Novo Mundo no Estádio Ianque, em Nova York, em julho de 1953. Seis jornais deram ampla cobertura aos congressistas haitianos. O jornal Le National publicou uma foto do primeiro dia no estádio, e mais tarde relatou que se planejava realizar um congresso com um programa similar no Haiti.
As rádios em duas cidades também nos cederam tempo para transmissões gratuitas. Depois de ver o texto para o programa de serviço público da Torre de Vigia, “Coisas em Que o Povo Pensa”, um gerente reprogramou suas transmissões a fim de criar espaço para ele. Outra emissora pediu que o programa fosse estendido a 30 minutos.
Irmãos haitianos assumem maiores responsabilidades
Dois diretores da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA) visitaram o Haiti em 1954. A visita de Milton Henschel para servir um congresso coincidiu com a Comemoração em 17 de abril, e os irmãos tiveram o prazer de ouvir seu discurso. Durante a visita, o irmão Henschel recomendou que os irmãos locais recebessem maiores responsabilidades. De modo que se fizeram ajustes, e as Comissões de Serviço das Congregações em pouco tempo eram inteiramente compostas de haitianos. Isto deixou os missionários mais livres para o ministério de campo. O irmão Henschel deixou também um jogo de carretéis do filme A Sociedade do Novo Mundo em Ação. Este filme foi exibido a grandes assistências em todo o país.
Em agosto, quando Fred Franz visitou o Haiti, ele recomendou que a filial e os Salões do Reino fossem localizados em bairros melhores da cidade. O contrato do prédio que abrigava a filial e o lar missionário, bem como um Salão do Reino, estava para expirar. Com o fim de mover os irmãos à ação, o superintendente de congregação, Maurice Sanon, disse-lhes repetidas vezes: “Se não encontrarmos nosso próprio salão, vamos realizar as reuniões ao ar livre.”
O novo lugar da filial, na Rue Lafleur Duchène, 39, forneceu um salão temporário “ao ar livre” no seu grande pátio pavimentado. Ali se realizaram as reuniões durante alguns meses até 1955, quando os irmãos alugaram um bangalô na Rue Grande. Depois, com a permissão do dono, retiraram as paredes internas da casa para aumentar a área em mais de o dobro da que tinha sido usada como Salão do Reino na casa na Rue Capois.
Quando se deram conta de que em breve seriam pais, o casal Brodie retornou ao Canadá pouco antes da mudança para a casa na Lafleur Duchène. Eles moram agora em Toronto, onde Alex serve como ancião.
O retorno de Fred Lukuc
Durante o congresso de distrito de 1955 em Dallas, Texas, Fred Lukuc, que procurava recuperar a saúde, inesperadamente encontrou-se com Roland Fredette, o qual o exortou: “Fred, volte para o Haiti. Você estará melhor lá.” Fred servia então na Fazenda da Torre de Vigia em Norval, no Canadá. Mas a sua saúde não era boa e de vez em quando tinha recaídas. O que devia fazer?
“Em setembro de 1955, pesando apenas 54 quilos, retornei com Roland Fredette a Cap-Haïtien”, escreveu Fred mais tarde. “A Sociedade e todos os irmãos foram muito bondosos. Poucos meses depois, a Sociedade convidou-me a fazer serviço de circuito no norte do Haiti. Que privilégio! Mas conseguiria fazê-lo? Eu não me sentia forte o suficiente. Orei. Depois escrevi à Sociedade: ‘Vou tentar.’ De modo que recomecei o serviço de circuito em junho de 1956. Nos seis anos seguintes, fui ricamente abençoado por Jeová. Até ganhei 18 quilos e recuperei inteiramente minha saúde.”
Homem pode fazê-lo!
O grupo de formados em Gileade, no Haiti, foi novamente reforçado em 1956. Entre eles estava Max Danyleyko, que fora missionário em Quebec e assim já falava francês. Ele chegou em fevereiro e foi designado a trabalhar com Grady Rains, que já estava no Haiti desde 1952. Com respeito às suas primeiras experiências, o irmão Danyleyko diz:
“A casa que alugamos em Petit-Goâve não tinha água encanada. De modo que, de balde na mão, íamos à fonte pública; mas vieram mulheres correndo, apanharam o balde e o carregaram para nós. Disseram: ‘Yon nonm pa kapag fè sa!’ (Homem não pode fazer isso!) Era trabalho de mulher. O mesmo aconteceu no mercado. Levou algum tempo para as fazermos compreender que homem pode fazer isso. Mais tarde, observamos outros homens seguindo nosso exemplo.”
Os mercados encontram-se parcialmente em enormes barracões. Mas estendem-se ao ar livre. As infindáveis mercadorias em exposição, ou estão arranjadas em bancas compridas sob o telhado, ou então na própria rua pavimentada do lado de fora. Visitemos um destes mercados.
Esgueiramo-nos através das multidões, contornando com cuidado os vendedores ou suas mercadorias no chão. Vendo umas excelentes limas, dirigimo-nos à mulher acocorada perto delas, e a conversa que segue é a seguinte: ‘Quanto custam quatro montes de limas?’ ‘Oitenta centavos.’ ‘Eu lhe darei 50 centavos.’ ‘Não, 70 centavos, o preço mais baixo.’ Dizemos: ‘Sessenta centavos’ e vamos embora. Daí ela assobia para nos chamar de volta. Pagamos 60 centavos, apanhamos as limas e perguntamos: ‘Wa ban m’ degi?’ (Que tal um brinde?) Ela sorri e nos entrega uma lima grátis. Todos ficam felizes.
Missionários para Saint-Marc
Quando os missionários George e Thelma Corwin chegaram ao Haiti em abril de 1965, George foi logo levado ao ministério de campo. Ele diz: “Chegamos do aeroporto ao Betel e almoçamos; a seguir Peter Lukuc me convidou a ir ao serviço de campo. Visitamos juntos algumas casas, depois ele me pediu para ir a uma casa enquanto ele ia a outra. Meu primeiro dia no Haiti! E que língua estranha! Mas os haitianos têm consideração, e eu consegui me virar.”
Os Corwins foram enviados a Saint-Marc junto com Peter Lukuc. Para começar, receberam algumas folhas de assinaturas expirantes. Ao procurarem uma senhora cujo nome estava numa das folhas, os Corwins falaram com a irmã dela, uma professora aposentada de nome Adèle Canel. Estudaram juntos “Seja Deus Verdadeiro” — o livro dela em francês e o deles em inglês. Mais tarde, o marido dela passou a participar no estudo. Em pouco tempo, este casal separou com um biombo parte da sua sala para as suas próprias acomodações e reservou a parte maior para as reuniões. Ambos tornaram-se Testemunhas, e assim começou a congregação de Saint-Marc, em 1956.
Um daqueles com quem os Corwins estudavam era Marc-Aurel Jean, na sua alfaiataria. Seu pai, Emmanuel, escutava e aprendia, embora não soubesse ler. Em pouco tempo, ambos freqüentavam as reuniões e participavam na pregação — o homem mais idoso recitando seu sermão de cor. Com o tempo, ele iniciou um estudo bíblico com um pescador. Primeiro ele repassava alguns parágrafos com o filho e absorvia as informações; depois, com Bíblia, folheto e cancioneiro, ia dirigir o estudo, começando e terminando com cântico e oração — assim como nas reuniões.
No circuito com o filme da Sociedade
Fred Lukuc, como superintendente de circuito, visitou muitas partes do país. A partir de 1956, projetava o filme A Sociedade do Novo Mundo em Ação nas cidades que visitava. Na cidade interiorana de Hinche, escolheu um local num parque, defronte da Igreja Católica. Quando terminaram os ofícios da igreja ele projetou algumas cenas iniciais do primeiro carretel, para atrair a atenção dos que saíam da igreja. Depois rebobinou o carretel, proferiu sua introdução, e projetou o filme inteiro. Embora na época houvesse apenas dois pioneiros especiais e mais dois publicadores em Hinche, a assistência foi de cerca de mil pessoas.
Não havia eletricidade em Mirebalais, ao sul de Hinche. Então, como se poderia projetar o filme ali? Fred deu testemunho a um sargento do exército e mencionou este problema. O sargento providenciou que fosse exibido no quartel militar, usando-se o gerador deles. Não podiam convidar os cidadãos, mas ele permitiu que alguns dos irmãos estivessem presentes. A assistência de 75 pessoas incluía as esposas e os amigos dos soldados.
Muitos anos mais tarde, em 1988, depois de Fred Lukuc proferir um discurso na congregação francesa em Delray Beach, na Flórida, o superintendente presidente, o irmão Fabien, apresentou-se e disse: “Você me visitou em 1957, quando eu era sargento em Mirebalais. Deixei o exército em 1971. Agora sou seu irmão. Minha filha é pioneira regular.” Que agradável reencontro depois de uns 30 anos!
Foi também em Mirebalais que um jovem de 20 anos se tornou um exemplo corajoso para os irmãos. Era paralítico de ambas as pernas, mas veio à cidade montado no seu burro para a visita de circuito de Fred. Tinha de ser carregado nas costas para entrar e sair do Salão do Reino nas reuniões. Montado no seu burro, empenhava-se também no serviço de campo na sua aldeia, a 11 quilômetros da cidade. Estava entre os 54 batizados no congresso de distrito em Porto Príncipe, em 1957.
Mais de 30 anos depois, Fred lembrou-se vividamente também de alguns dos publicadores da Congregação Ouanaminthe, na fronteira da República Dominicana. Lembrou-se de que três dessas fiéis Testemunhas, que moravam a 19 quilômetros do Salão do Reino, vinham a pé para o serviço de campo no domingo de manhã. Passavam o dia inteiro no serviço, assistiam às reuniões à noite e então caminhavam os 19 quilômetros de volta, à luz da lua.
Pioneiros produtivos
Nas viagens, Fred via paisagens pitorescas. Mais lindo, porém, era que os irmãos encontravam pessoas que buscavam a verdade.
Em Petite-Rivière-de-l’Artibonite, Fred visitou dois pioneiros especiais. Que resultados obtinham eles? Depois de apenas 14 meses ali, juntaram-se a eles no serviço de campo diversos estudantes da Bíblia. Estes incluíam Gaston Antoine (farmacêutico) e sua esposa, também sua irmã e o marido, um ex-pastor da Igreja de Deus. Naquela semana, onze participaram no serviço de campo, seis pela primeira vez. E muitos, muitos outros mostravam interesse. Cerca de 800 vieram ver a projeção do filme da Sociedade num parque, e houve também boa assistência nas outras reuniões.
Através de temporais e de inundações
Em 1957, Peter Lukuc fez uma viagem de circuito no sul. Ele foi de barco a motor de Anse-à-Veau a Baradères, uma cidade sujeita a inundações. Depois de proferir um discurso público para uma assistência de 30 pessoas, viu que se formavam nuvens ameaçadoras. Ele partiu de barco na manhã seguinte, mas, enquanto estava no barco, irrompeu um furioso temporal; a tromba-d’água ensopou os passageiros. Por isso, o barco atracou em Petit-Trou de Nippes.
O mau tempo não impediu Peter. Pensando que esta era a primeira vez que a cidade recebia um testemunho, ele saiu naquela tarde pregando na chuva. Mas ali já havia um publicador, que ele conhecera em Miragoâne. Este irmão ficou emocionado ao ver Peter novamente. Na manhã seguinte, na viagem do barco de volta a Anse-à-Veau, houve outro temporal. No entanto, conseguiram chegar a salvo à cidade já inundada.
Seguindo dali por terra, Peter ainda tinha de cruzar o Grande-Rivière (Grande Rio). Já de uns três quilômetros de distância podia ouvir o rugido do rio descendo das montanhas. Era intransponível. Pessoas em ambos os lados esperaram todo o dia e toda a noite. No ínterim, Peter andou descalço pela lama para dar testemunho e colocar revistas em algumas casas. Na manhã seguinte, o rio já tinha baixado ao nível logo abaixo dos ombros, de modo que Peter o vadeou.
Irmãos davam também testemunho em Miragoâne, um pitoresco porto de mar ao nordeste de Vieux-bourg, e pessoas semelhantes a ovelhas eram receptivas. Certo dia, o filho dum pregador batista assistiu a um estudo bíblico em que se considerava o futuro novo mundo. Ele ficou impressionado com a prova da Bíblia, de que a Terra será um paraíso livre de sofrimento, morte e maldade. Entendeu a conclusão razoável de que nem todos os bons vão para o céu. (2 Ped. 3:13; Rev. [Apo.] 7:9; 21:4, 5) Voltou imediatamente à sua aldeia nas montanhas, reuniu os membros da igreja, junto com seu pai, e mostrou-lhes o que a Bíblia diz sobre o verdadeiro futuro da Terra. No dia seguinte, mandaram uma delegação a Miragoâne, para pedir que as Testemunhas viessem e lhes ensinassem a Bíblia. A maioria do grupo daquela igreja, inclusive o pregador, começou a estudar, e uns 30 tornaram-se Testemunhas.
Eram esteios da Igreja
Também no norte, pessoas profundamente envolvidas em atividades religiosas aceitaram de bom grado a verdade bíblica. Por exemplo, depois de sete meses em Port-de-Paix, na costa norte, François Doccy e Jean Sénat alegraram-se de ter encontrado diversas pessoas ansiosas de servir a Jeová. Durante a visita do superintendente de circuito, nove participaram no serviço de campo. Uma conversa entre Fred Lukuc e uma moça católica mostra que tipo de pessoas eram algumas delas. É assim que ele se recorda disso:
“Ela perguntou: ‘Saiu hoje sozinho?’ Respondi: ‘Não, Rock St.-Gérard estava comigo.’ ‘Rock St.-Gérard?’ perguntou ela, espantada. ‘Ele é agora Testemunha de Jeová’, disse eu. ‘Mas’, exclamou ela, ‘ele era presidente da associação dos Légionnaires! Um esteio da Igreja Católica!’ Então acrescentei: ‘A esposa dele também é Testemunha.’ Ela perguntou: ‘É verdade que Irlande Sarette está estudando com vocês, Testemunhas?’ Eu disse: ‘Sim. Ela assiste às nossas reuniões e prega conosco.’ Ela disse: ‘Que coisa! Ela era presidenta da organização Croisée!’ Eu disse: ‘Há também Lucianne Lublin . . .’ Ela me interrompeu: ‘Já são quatro dos esteios da Igreja!’ ‘Ora’, disse eu, ‘você também devia estudar’. ‘Vou fazer isso’, respondeu ela.”
Os acima mencionados e outros foram batizados no congresso de distrito daquele ano — 1957. Don Adams, da sede em Brooklyn, esteve presente como superintendente zonal.
Progresso apesar de oposição
A penetração das boas novas em regiões novas provocou acusações falsas de líderes religiosos. Quando Roland Fredette, Fred Lukuc e Hiram Rupp, missionário da quarta turma de Gileade, começaram a visitar as pessoas em Mont-Organisé, 35 quilômetros ao sul de Ouanaminthe, em 1957, os clérigos reagiram com avisos. “Chegaram os falsos profetas!” disseram. “Espiões americanos estão na localidade.” “Cuidado com os comunistas!”
Os irmãos refutavam as acusações com tato. Um homem de destaque na cidade, François Codio, travou um debate de três horas com os irmãos. Impressionado com as explicações deles, ficou com um exemplar de cada publicação que tinham. Outras pessoas começaram a escutar, em vez de discutir, e muitas aceitaram publicações.
A obra continuou a expandir-se também em Porto Príncipe, e isto contribuiu para a necessidade de haver uma filial maior. Além disso, durante a instabilidade política em 1957, a vizinhança do prédio da filial em Lafleur Duchène tornou-se um foco de violência. Portanto, quando terminou o contrato de aluguel daquela casa, o lar de Betel e o escritório foram mudados para Pont-Pradel, 3, em Bois-Verna, um bairro melhor da cidade. Formou-se uma nova congregação que podia reunir-se nesta casa e realizar reuniões em francês.
A instabilidade política, com seis mudanças de governo em dez meses, continuou em 1958. Mas os irmãos prosseguiam pregando o Reino de Deus como verdadeira resposta para os problemas de governo, ao passo que se mantinham neutros, como sempre haviam feito.
Frutos de boas obras
Em 1958, o pequeno grupo de publicadores em Saint-Marc já se transformara numa congregação madura. Isto se viu em agosto, quando ficaram entregues a si mesmos enquanto os missionários assistiram ao congresso internacional em Nova York. O serviço de campo dos publicadores locais foi melhor do que em qualquer mês anterior, e dois novos começaram a pregar. Deveras, um belo exemplo de estabilidade espiritual e de zelo pelo serviço de campo!
George Corwin e sua esposa sentiram-se felizes de terem participado no desenvolvimento desta congregação. Mas então, surgindo responsabilidades familiares, partiram de Saint-Marc em maio de 1960 e retornaram ao Canadá.
Mais missionários para ajudar
Mais quatro missionários — Roland Sicard, Stanley Boggus, Steve Simmons e Maceo Davis — chegaram em 1958. Quando Daniel Eyssallenne os levou do aeroporto para casa, encontraram ali Peter Lukuc à sua espera na sala onde iam aprender francês. Um mês depois, começaram a experimentar a nova língua com as pessoas perto do lar missionário. Stanley Boggus diz: “Ficamos espantados de ver as pessoas fazer tudo o que podiam para nos ajudar a expressar-nos.”
Três meses depois, Stanley e Steve foram designados para Cayes, e descobriram logo que não bastava aprender francês. Certo dia, Stanley, acompanhado por Max Danyleyko, o superintendente de circuito, estava falando com uma senhora que continuava a dizer: ‘M’pa sou sa.’ Pensando que ela estivesse dizendo: ‘Eu não sabia disso’, Stanley lhe disse que estava ali para lhe falar sobre o assunto. Mais tarde, Max lhe explicou que ela estava dizendo: ‘Não estou interessada nisso.’ De modo que Stanley começou a aprender crioulo.
Um marido muda de atitude
Stanley Boggus casou-se com Bertha Jean, pioneira haitiana, em outubro de 1960, e eles continuaram em Cayes como pioneiros especiais. Dois meses depois, contataram Edèle Antoine, que disse: ‘Creio que Deus está com vocês. Podem ensinar-me a adorá-lo?’ Ela fez bom progresso, apesar da oposição violenta de seu marido e dos vizinhos, e foi batizada na próxima assembléia de circuito. Quando voltou da assembléia, para a sua grande surpresa, o marido beijou a ela e os três filhos, e disse: ‘Bem-vinda ao lar. Eu soube que você foi batizada.’ Ele começou a freqüentar as reuniões, tornou-se Testemunha e continuou fiel até a sua morte muitos anos mais tarde.
Uns 25 anos depois de ter deixado o Haiti, Stanley Boggus acrescentou o seguinte à sua experiência: “Em 1987, solicitaram que eu ensinasse na Escola do Serviço de Pioneiro para o circuito francês na cidade de Nova York. Examinando a lista de matriculados, notei o nome de Edèle Antoine. Sim, era a mesma pessoa que eu havia ajudado a aprender a verdade 27 anos antes. Era animador vê-la ali no meio dos pioneiros.”
Para não ficar lá fora com as religiões falsas
Pouco depois de chegar a Mont-Organisé, em maio de 1960, para trabalhar como inspetor sanitário, Sénèque Raphaël aceitou o convite de François Codio para assistir às reuniões realizadas na sua casa. Jovem disposto, de 24 anos, expressou o desejo de saber mais sobre a Bíblia. De modo que François emprestou-lhe o livro “Seja Deus Verdadeiro”, e Sénèque estudou-o de capa a capa. Em agosto, quando Sénèque foi a Ouanaminthe, a fim de visitar os pais e ser batizado pelos batistas, François incentivou-o a visitar o Salão do Reino ali e a contatar um pioneiro de nome Mercius Vincent.
Mercius perguntou a Sénèque sobre as suas crenças e viu que ele entendia que as doutrinas das igrejas são bastante diferentes do que a Bíblia ensina. Assim, encarando bem de perto este robusto jovem moreno, ele disse: “Agora, inspetor, a Bíblia diz aqui em Revelação 22:15 que todo aquele que ama e pratica a mentira está lá fora. Isto inclui os que ensinam falsidades. Portanto, o senhor estará ‘lá fora’ junto com eles se pertencer àquela religião.”
Depois duma pausa, Sénèque perguntou: “O que devo fazer?” Mercius deu-lhe o folheto “Estas Boas Novas do Reino” e prometeu estudá-lo com ele na manhã seguinte. Sénèque leu-o, aprendendo grande parte dele de cor. Após o seu primeiro estudo, assistiu à reunião naquela noite e depois, na manhã seguinte, participou no serviço de campo. Ele foi batizado em janeiro de 1961. Mas François Codio, que lhe apresentara a verdade, nunca se tornou Testemunha, embora sua esposa se tornasse uma.
Preparações para mais aumento
A Congregação Carrefour havia aumentado para 54 publicadores, e estes começaram a construir um salão com espaço suficiente. Quando fizeram a laje de concreto, 67 voluntários trabalharam arduamente o dia inteiro na construção, ao passo que as irmãs preparavam as refeições para eles. Em 17 de dezembro de 1960, Fred Lukuc proferiu o discurso de dedicação neste novo salão perante uma assistência grande e apreciativa. Dumoine Vallon serviu ali como superintendente presidente por muitos anos. Tornou-se pioneiro em 1978, e em 1993, à idade de 84 anos, ainda servia como tal na Congregação Thorland-Carrefour.
Em meados de 1960, havia mais de 800 publicadores em 23 congregações no Haiti, em comparação com os 99 publicadores em 1950. Max Danyleyko foi então chamado a Betel para ser superintendente de filial. Victor Winterburn planejava casar-se, e cerca de um ano mais tarde, voltou com a esposa ao Canadá para cuidar de iminentes responsabilidades familiares.
Em 1961, Fred Lukuc foi chamado para trabalhar parte do tempo na filial e para servir de instrutor da Escola do Ministério do Reino de maio a agosto. O treinamento de 40 superintendentes e pioneiros especiais, neste curso de duas semanas, foi bem oportuno, visto que ajudou a prepará-los e a fortalecê-los para as provas com que os irmãos se veriam confrontados em breve.
O congresso de distrito em janeiro de 1962 também preparou os irmãos locais para realizarem um ministério de campo mais amplo. O superintendente de filial, falando sobre o serviço de pioneiro, incentivou os irmãos habilitados que estavam livres de responsabildades familiares a se alistarem como pioneiros especiais. Sénèque Raphaël, que preencheu a petição, fez o seguinte comentário:
“Eu servia em Artibonite como pioneiro regular junto com Emile Cinéus e estava ansioso de ser pioneiro especial. De modo que deixei meu emprego no Departamento de Saúde. Eu tinha 40 dólares, tesoura especial de barbeiro e outra tesoura comum com que esperava suprir as minhas necessidades — mas, graças a Jeová, estas sempre foram supridas.” Sénèque nem imaginava que poucos dias depois de ele preencher a petição haveria uma ação do governo contra as Testemunhas de Jeová.
Presos!
Em 23 de janeiro de 1962, Max Danyleyko e Andrew D’Amico foram presos na filial, e o estoque da Despertai! de 8 de janeiro de 1962 foi confiscado. Andrew e Helen D’Amico, missionários do Canadá, moravam em Betel. Helen não foi presa porque Andrew a mandara esconder-se no banheiro. Esperavam que ela continuasse livre para contar aos outros o que tinha acontecido.
Ela diz: “Fiquei parada atrás da porta trancada e orei.” Ouviu homens vasculhando o quarto. Chegaram à porta do banheiro. Mas alguém fez um comentário sobre outra porta dum armário, e eles foram vasculhar o restante da casa. Quando foram embora, deixaram um guarda do lado de fora até a noite. Ele foi embora pouco antes de Donald Rachwal, outro missionário que morava na casa, voltar do serviço de campo. Informado do que tinha acontecido, ele mandou Helen ficar com as irmãs no outro lar missionário e então contatou irmãos habilitados.
No ínterim, os irmãos detidos ficaram presos com mais 17 homens numa pequena cela na polícia. Dormiram o melhor que puderam, sentados no chão quando não ficavam em pé, visto que não havia espaço para se deitar. Durante toda a quarta-feira foram interrogados, mas não os informaram sobre as acusações. Na manhã seguinte, foram levados perante uma alta autoridade que lhes indicou uma referência ao Haiti na Despertai! de 8 de janeiro, e passou-lhes um sermão sobre a igualdade das raças. (O item noticioso era uma citação de artigos dos jornais Le Monde e Le Soir, que mencionaram a prática de vodu.) Ele os mandou embora sem lhes permitir responder, e assim foram soltos.
Três semanas depois, em 14 de fevereiro, o Secretário de Estado para Assuntos Estrangeiros e Religião declarou: “Teremos de expulsar os filhos das Testemunhas de Jeová das escolas estaduais.” Isto se deu relacionado com a expulsão duma jovem irmã que escrevera à diretora da sua escola explicando por que não podia saudar a bandeira. A diretora — uma freira católico-romana — enviara a carta às autoridades governamentais. Outra irmã jovem também foi expulsa naquela época. Ambas estavam no último ano de escola e eram excelentes publicadoras.
Deportados!
Quatro semanas mais tarde, em 17 de março, Max, Donald, Andrew e Helen foram avisados pelo chefe de polícia de que todos os missionários tinham 24 horas para deixar o país. Não se deu nenhuma explicação. Foram então levados para casa a fim de apanhar seus passaportes. Viram ali Albert Jérome, que então era o servo da cidade, e em poucas palavras lhe disseram o que estava acontecendo.
De volta na polícia, foram mantidos sob guarda. Todavia, Rodrigue Médor estudava com um sargento que estava ali de serviço, de modo que Max o enviou com um bilhete para avisar os irmãos que contatassem a embaixada canadense. Por meio do sargento, Rodrigue pôde visitar à noite os missionários detidos e receber deles a chave da caixa postal da Sociedade. Este sargento foi comprar alimentos para eles, contatar os irmãos e ver se havia correspondência.
No domingo, 18 de março, os três canadenses foram levados sob guarda ao aeroporto para irem a Kingston, Jamaica. Mas, visto que não tinham passagens de conexão para o Canadá, a linha aérea não lhes permitiu o embarque. Diversos irmãos estavam no aeroporto, e Max Danyleyko conseguiu falar brevemente com Albert Jérome e alguns outros. No dia seguinte, foram levados sob guarda diretamente dentro do avião e mandados para Kingston, onde ficaram algumas semanas antes de prosseguirem para o Canadá. Donald Rachwal, que era dos Estados Unidos, foi em outro vôo.
Stanley Boggus, que viajava no serviço de circuito, foi deportado em 3 de abril junto com os demais missionários. Ele serviu mais tarde no Zaire. Voltando aos Estados Unidos em 1971, tem continuado a servir junto às congregações francesas em Nova York. Max Danyleyko, após alguns meses no Canadá, passou a servir no Congo-Brazzaville, na República Centro-Africana, no Chade, na Nigéria e agora em Côte d’Ivoire (Costa do Marfim). Fred Lukuc serviu no Congo-Brazzaville e em Côte d’Ivoire. Por motivos de saúde, ele e a esposa foram transferidos em 1985 para o Betel do Canadá. Peter serve atualmente congregações de língua espanhola nos Estados Unidos. Os demais missionários ainda servem lealmente a Jeová ou morreram fiéis.
Líderes religiosos vangloriam-se
Líderes religiosos se haviam atarefado dizendo a autoridades governamentais que as Testemunhas de Jeová eram comunistas que não apoiavam o governo. Os clérigos também haviam dito às Testemunhas que só aguardavam uma ordem governamental para se livrar delas.
Por isso aclamaram com alegria a expulsão dos missionários. Uma rádio evangélica, na costa sul, transmitiu a notícia vangloriando-se da seguinte forma: “Cristo e o Estado expulsaram do país os falsos profetas.” Os clérigos esperavam que a obra do Reino acabasse. Mas, deve-se notar que as Testemunhas de Jeová não tinham sido proscritas.
Haitianos prosseguem
André René, um dos primeiros haitianos a receber treinamento em Gileade, tornou-se o superintendente de filial, e os irmãos locais prosseguiram da melhor forma que puderam. Renan Sanon (que servira pouco tempo como superintendente de circuito), Emile Cinéus e Don Delva foram escolhidos para cuidar dos três circuitos. Para o vexame dos opositores, a obra continuou a aumentar notavelmente.
Mesmo alguns dentre os clérigos aceitaram a verdade. Por exemplo, Sénèque Raphaël teve uma longa palestra sobre o novo mundo com Augustin Josémond, pastor protestante em Liancourt. Este homem aceitou um estudo bíblico, renunciou à igreja e foi batizado. Ele e sua família de dez filhos são Testemunhas bem ativas.
Um crescente número de irmãos estava empreendendo o serviço de pioneiro. Entre eles havia alguns que tinham aprendido a ler e a escrever nas aulas de alfabetização nas congregações. Os irmãos incentivavam e ajudavam estes pioneiros. Aqueles que tinham negócios até mesmo concediam-lhes “taxas de pioneiro” — preços menores por bens e serviços.
As congregações continuavam a aumentar tão bem, que em 1963 se ultrapassou o marco dos mil publicadores, com um total de 1.036. Durante o ano, formou-se mais um circuito, e Sénèque Raphaël, então já orador entusiástico, foi designado como superintendente de circuito no norte. Seu pequeno circuito podia ser servido em quatro meses. De modo que usava os “meses livres” para visitar cidades onde não havia Testemunhas.
Mais dois jovens promissores
Entre os que naquela época se tornaram Testemunhas havia alguns que passaram a ser promotores zelosos da adoração pura.
Lá em 1961, Fulgens Gaspard, de 22 anos, observara um adventista arrancar uma página da sua própria Bíblia quando não conseguiu refutar os textos com que uma Testemunha o confrontara. Embora Fulgens fosse católico leal, admitiu que as Testemunhas de Jeová conheciam bem a Bíblia. Verificara que não conseguia entender o que lia na Bíblia que costumava tomar emprestada, de modo que pediu que esta Testemunha o ajudasse. Estudaram todos os domingos. Em pouco tempo, ele passou a assistir às reuniões, parou de ir à igreja e começou a participar no serviço de campo. Quando foi batizado em março de 1965, seu próximo alvo era ser pioneiro.
Em 1962, Wilner Emmanuel, aos 15 anos de idade, junto com outros jovens, estudava o marxismo. Mas ele cria na existência de Deus e que este era responsável pela ordem no Universo. Outro estudante, filho de Diego Scotland, costumava emprestar-lhe A Sentinela, Despertai! e outras publicações. E Alphonse Hector, um vizinho de 35 anos que ainda não era Testemunha, deu-lhe o livro “Seja Deus Verdadeiro” e aconselhou-o a estudar a Bíblia.
Wilner diz agora: “Naquela noite, li o livro inteiro e passei a encarar-me como dedicado a Jeová. Alguns dias mais tarde, Alphonse providenciou que a irmã Derenoncourt estudasse comigo. Ela ficou espantada de ver quão bem eu entendera o que havia lido.” Wilner fez rápido progresso e foi batizado em agosto de 1965. Ele também se tornou trabalhador esforçado do Reino de Jeová e do novo mundo.
No ínterim, em 1966, aquele que então servia como superintendente de filial mostrou-se infiel no seu cargo cristão e foi desassociado. Prophète Painson, homem brando e cauteloso, de 29 anos, tornou-se superintendente de filial e serviu assim nos próximos seis anos. Ele fora batizado em 1960 e começara a ser pioneiro em 1962. A filial ficava então na esquina da Ruelle Waag e da Avenue Christophe, em Porto Príncipe.
Em 1967, Fulgens Gaspard, batizado apenas dois anos antes, trabalhava como professor. Visto que planejava ser pioneiro, solicitou que se lhe permitisse lecionar apenas por meio período. Isto foi recusado, de modo que renunciou ao seu emprego na esperança de poder ganhar a vida por meio do seu passatempo de pintor. Mas antes que pudesse fazer a sua petição para ser pioneiro regular, foi designado pioneiro especial. Três meses mais tarde, ele foi chamado para trabalhar em Betel, e então, em janeiro de 1969, começou a servir como superintendente de circuito. Homem calmo, já se tornara um fluente orador público, agradável de ouvir.
Confrontando a oposição
Em 1969, os clérigos começaram de novo a espalhar o rumor de que as Testemunhas de Jeová eram comunistas. O governo mandou fazer uma busca da literatura subversiva que as Testemunhas supostamente usavam. Isto levou ao rumor de que estavam sendo presas em Porto Príncipe. Muitas pessoas se apressaram a destruir as revistas que obtiveram e não mais receberam favoravelmente os irmãos.
Em casos isolados, autoridades locais agiram contra nossos irmãos, embora não tivessem nenhuma ordem para isso do governo central. Duas pioneiras especiais, Furcina Charles e Yolande Fièvre, receberam do governador em Limbé uma nota dizendo: “As senhoras foram denunciadas por clamor público como indesejáveis em Limbé. Informo-as de que não mais são bem-vindas entre nós.” O prefeito disse-lhes que não podia permitir que pregassem e realizassem reuniões, a menos que obtivessem permissão das autoridades em Porto Príncipe. Ele mandou fechar o Salão do Reino. Mas essas irmãs e os poucos outros publicadores ali continuaram a pregar e a realizar reuniões em residências — variando de lugar e de dias de reunião.
Alguns meses depois, Furcina casou-se com Jacques François, um pioneiro especial. Ela tinha 39 anos, tinha sido batizada em 1959 e era pioneira desde 1961. Jacques tinha 29 anos. Ao chegar a Limbé, recomeçou a realizar reuniões no Salão do Reino. Ele disse: “As Testemunhas de Jeová são uma religião reconhecida, e eu não sei de nenhum decreto que as tenha proscrito.”
Ele e Furcina foram então presos e levados à administração. O governador lhes disse que não tinha nenhuma acusação contra eles, mas que o prefeito fora responsável pela ação. No dia seguinte, o prefeito lhes disse que o responsável era o chefe da milícia. Este, por sua vez, disse que não tinha nada contra eles. De modo que continuaram a realizar reuniões sem mais problemas. Jacques morreu em 1993, enquanto servia fielmente como ancião em Porto Príncipe.
As ovelhas eram as filhas do prefeito
Em Bassin-Bleu, um pioneiro especial começou em 1970 a dirigir um estudo bíblico para o sacerdote, e este assistiu à Comemoração. Todavia, o prefeito da localidade procurou desanimá-lo, dizendo: “Padre, o senhor já fez os seus estudos. Não é correto que se sente diante deste pequeno homem das Testemunhas de Jeová para ser ensinado por ele.” Por fim, o sacerdote deixou de estudar.
No entanto, a filha mais velha do prefeito, Josette, começou a estudar. O pai se opunha a isso, mas ela adotou uma posição firme a favor da verdade e foi batizada. Com o tempo, suas irmãs seguiram seu exemplo. O prefeito não o fez, mas ficou amigável com as Testemunhas. Quanto a Josette, ela é agora pioneira regular e esposa dum ancião.
Os falsos rumores dificultaram aos nossos irmãos alugar salões para assembléias. De modo que construíram um salão simples em Mariani, Porto Príncipe. Começaram a usá-lo em 1970 e o ampliaram ao passo que a assistência aumentava cada ano. Era quente debaixo do telhado de zinco; mas era melhor que nada para os 2.049 publicadores que relataram em 1970.
Um haitiano no exterior volta para ajudar
Nesta época, o êxodo de haitianos para a América do Norte estava ganhando ímpeto. Duma corrente fina nos anos 60 passou a tornar-se uma onda de pessoas saindo do Haiti em barcos frágeis, no fim dos anos 70. Já no começo dos anos 60 havia em Nova York haitianos suficientes para constituir ali um território missionário de língua francesa. A primeira congregação de língua francesa foi formada em 1969, e é desta que veio Michel Mentor.
Como haitiano residente nos Estados Unidos, começou a estudar com as Testemunhas em 1966. Progrediu rapidamente e foi batizado em 1967. Foi treinado na Escola de Gileade em 1971 e designado para o Haiti como superintendente de filial. Era então um homem robusto, solteiro, de 34 anos, amigável, e demonstrava ter boa capacidade de liderança. Sua chegada foi bem-vinda, visto que os esforços de enviar missionários ao país não eram bem-sucedidos.
Outras Testemunhas vinham por conta própria para servir como pioneiros onde havia mais necessidade. Então, em 1972, a Sociedade decidiu testar adicionalmente a situação por enviar quatro novos formados em Gileade para fazer trabalho missionário. No entanto, uma autoridade superior, com o apoio do Ministro de Assuntos Internos, disse-lhes que seriam processados se continuassem no país depois da expiração dos seus vistos de visitante. Foram assim a Porto Rico à espera duma nova designação. Pouco depois de partirem, essa autoridade superior morreu. Três meses depois, o ministro ficou desacreditado e foi removido do cargo, indo para o exílio.
Um inesperado defensor
Atos de oposição originavam-se na maior parte de autoridades instigadas ou induzidas a agir pela propaganda dos clérigos. Algumas tinham seus próprios preconceitos. Sua ação não era a posição oficial do governo. O anterior presidente do Haiti, que falecera recentemente, havia estudado com as Testemunhas quando ainda era jovem. Embora escolhesse um modo de vida diferente, respeitava os irmãos. Ainda mais, a honestidade, a neutralidade política e o respeito pela lei por parte das Testemunhas granjearam-lhes a admiração de outras pessoas em altos cargos. Por exemplo, um pioneiro relata a seguinte experiência:
“Quando ofereci revistas a dois homens em Porto Príncipe, um deles disse: ‘Se dependesse de mim, mandava todas as Testemunhas de Jeová para a cadeia.’ O outro, um ministro do governo, interveio antes de eu poder responder. Ele disse ao homem que, pelo que tinha observado nas suas viagens e em cerimônias religiosas, todas as religiões, exceto as Testemunhas de Jeová, misturavam o espiritismo com a sua adoração. Depois acrescentou: ‘São as Testemunhas de Jeová que praticam o verdadeiro cristianismo.’”
À procura de melhores acomodações para a Sociedade
No entanto, visto que a Sociedade não possuía nenhum prédio ali, faltava à obra das Testemunhas de Jeová no Haiti dignidade e identidade aos olhos de alguns. Em 1971, um advogado havia alugado à Sociedade uma casa na Rue St.-Gérard. Mas quando soube que era para as Testemunhas de Jeová, negou-se a renovar o contrato.
Depois de consideráveis esforços para achar outro lugar, a filial mudou-se para uma casa na Rue Chérièz, em Canapé-Vert. Continuou ali por quatro anos, antes de ser mudada para Delmas, em 1975, mas esta casa era pequena demais para as nossas necessidades. Michel Mentor recorda: “Tivemos de armazenar as publicações nos dormitórios, na sala de estar e nas escadas. De modo que o superintendente zonal nos aconselhou procurar outro lugar, e assim surgiu a idéia de procurar um terreno onde construir.”
Louvadas por alguns clérigos; condenadas por outros
Em 1968, os irmãos receberam o livro A Verdade Que Conduz à Vida Eterna. Ficaram entusiasmados com a idéia de usá-lo. Esta publicação ajudou a convencer corações de jovens da utilidade da Bíblia. Certos clérigos até mesmo usavam matéria dele nos seus sermões, apenas omitindo o nome Jeová.
Em 1972, um sacerdote católico até o exibiu na catedral de Porto Príncipe e disse: “Se as Testemunhas de Jeová lhe oferecerem este livro, aceite-o. É a verdade.” Uma senhora olhou para ele espantada. Seu filho era Testemunha, e ela se opusera a ele. Ela voltou para casa e perguntou-lhe se as Testemunhas de Jeová tinham um pequeno livro azul. “Sim”, respondeu ele. Então ela lhe contou o que o sacerdote dissera e aceitou a oferta de seu filho de estudar com ela. E tornou-se Testemunha batizada.
Todavia, os clérigos, em geral, ficaram furiosos de ver membros das suas igrejas deixarem seus rebanhos. Começaram a criticar do púlpito o livro Verdade. Pastores protestantes — Evane Antoine, Louis Désiré e outros — iniciaram transmissões de rádio contra as Testemunhas. Antoine tinha o prazer perverso de criticar o livro sentença por sentença num programa na rádio MBC de Porto Príncipe, todo domingo de tarde, e de fazer comentários maliciosos sobre os ensinos das Testemunhas de Jeová. Seu objetivo era colocar as pessoas contra o livro Verdade.
Aconteceu o oposto. As pessoas ficaram curiosas, e o livro teve uma distribuição ampla de 1972 a 1975. As pessoas muitas vezes paravam os publicadores nas ruas e pediam “ti liv po ble a” (o pequeno livro azul). Muitas delas tornaram-se Testemunhas.
Os programas de rádio também suscitaram a simpatia de altas autoridades governamentais pelas Testemunhas de Jeová. A respeito disso, Rodrigue Médor diz:
“Michel Mentor e eu fomos convocados pelo Ministro de Assuntos Religiosos na questão da saudação à bandeira. Ele me reconheceu como seu alfaiate e disse: ‘É você aquele que nos causa tantos problemas?’ Daí falou sobre o pastor na rádio. ‘Por que vocês não respondem?’ perguntou. Eu expliquei que não estávamos procurando debates públicos, que só comprometeriam a dignidade da nossa mensagem.”
As Testemunhas de Jeová no ar
Todavia, em abril de 1973, a Sociedade começou a apresentar seu próprio programa de 30 minutos, “Tua Palavra É a Verdade”, na Rádio Haiti, toda quarta-feira à noite. Seu objetivo era promover um conhecimento melhor sobre as Testemunhas de Jeová e neutralizar o preconceito criado pelas transmissões contra as Testemunhas. O programa não entrava em controvérsia com as declarações dos pastores, mas tratava de assuntos tais como o futuro da Terra, os propósitos de Deus e interesses familiares. A matéria era tirada de publicações da Sociedade, tais como É a Bíblia Realmente a Palavra de Deus? e Despertai!. Deste modo, o programa ficou num nível mais elevado do que o dos pastores, e isso granjeou a admiração e o respeito das pessoas.
Uma vez atingido seu objetivo, e visto que era pago, o programa foi descontinuado em novembro de 1974. Então, as pessoas já haviam notado que as Testemunhas de Jeová se defendiam bem. E o livro Verdade continuou a ter uma distribuição fenomenal.
No entanto, líderes religiosos e pessoas sob a sua influência renovaram o ataque por darem novamente publicidade à questão da saudação à bandeira nas escolas. Alguns jornais publicaram artigos contra as Testemunhas. Assim, as autoridade ficaram novamente preocupadas com a questão. Ministros do governo convocaram Rodrigue Médor e o informaram de que estavam ficando embaraçados com este problema. Mas conheciam-no bem e o respeitavam; de modo que deixaram o assunto como estava.
O problema de salões inadequados
Umas poucas autoridades, algumas influenciadas pela lealdade à sua igreja, impunham restrições às Testemunhas de Jeová. Para impedir a concessão de alvarás para a construção de Salões do Reino, essas autoridades se aproveitavam do fato de que as Testemunhas não tinham uma associação jurídica local. Todavia, o problema com os salões era principalmente financeiro. A maioria das congregações não tinha os recursos para construir, de modo que elas alugavam casas pequenas, a maioria das quais não tinha nem as instalações básicas. Algumas pessoas hesitavam em assistir a reuniões em lugares tão humildes. No entanto, em certas ocasiões, a assistência aumentava vertiginosamente. Uma congregação de 100 publicadores teve mais de 400 na Comemoração em 1975. Havia mais pessoas fora do salão do que dentro dele. Era preciso achar um meio para construir Salões do Reino.
Algumas congregações conseguiram empréstimos de irmãos em condições de concedê-los, e posteriormente o Corpo Governante pôs em operação um arranjo para ajudar a financiar a construção de Salões do Reino. Desde que se fez isso em 1978, construíram-se muitos salões excelentes.
Comissão de Filial
O arranjo de Comissões de Filial começou em 1976. Os membros originais foram Michel Mentor, Sénèque Raphaël e Défense Joseph, que havia começado a servir de pioneiro especial 11 meses depois do seu batismo em 1962. Em 1977, Rodrigue Médor tornou-se membro da comissão. Em 1980, Défense Joseph, a fim de cuidar de obrigações familiares, passou a morar nos Estados Unidos.
Quando se recebeu o folheto O Sangue, a Medicina e a Lei de Deus (em francês), em 1978, a Comissão de Filial pediu a Wilner Emmanuel que contatasse o corpo docente de medicina da Universidade do Haiti. O deão reuniu os estudantes de medicina e pediu que Wilner explicasse o ponto de vista das Testemunhas de Jeová na questão do sangue. Depois do discurso, ficaram felizes de receber o folheto de presente. Desde então, já como médicos profissionais, muitos deles têm mostrado respeito pela posição das Testemunhas de Jeová, contrária às transfusões de sangue.
Por fim, mais missionários!
Finalmente, em maio de 1981, foi possível que um casal de missionários entrasse no país e obtivesse vistos de residente. John e Inez Norman estiveram no serviço de circuito no Canadá, onde foram bem eficazes no ministério. Comentando a maneira de pregar de John, um superintendente de distrito disse certa vez: “É interessante acompanhá-lo, porque de uma porta para outra nunca se sabe o que ele fará. Ele tem originalidade.”
John nasceu em 1940 em Montserrat, nas Índias Ocidentais, e foi criado no Canadá. Seus pais serviram na Libéria, onde havia mais necessidade. John foi batizado em 1954 e começou o serviço de pioneiro em 1958. Sua esposa, canadense, começou o serviço de pioneiro em 1968.
Depois de virem ao Haiti, foram designados para ser pioneiros por um tempo. Então foram chamados ao Betel, em janeiro de 1983, e John foi designado coordenador da Comissão de Filial. Michel Mentor supervisionara bem a filial por onze anos. Ele ingressou então no serviço de viajante como superintendente de distrito, servindo também de pioneiro especial nos meses em que não havia assembléias.
Outros missionários procedentes do Canadá, dos Estados Unidos, da Bélgica, da França, da Nigéria e de outras partes do Caribe também têm contribuído para o progresso da obra do Reino aqui. Eles amam as pessoas. Gostam de trabalhar no meio das massas de pobres nas suas casinhas grudadas umas às outras à beira de barrancos, bem como entre os ricos nos seus palacetes. Pessoas de ambas as classes — juízes, médicos, engenheiros, empresários, artesãos, comerciantes e operários — juntaram-se a eles em pregar a outros sobre o vindouro novo mundo.
Servir onde há mais necessidade
Além dos missionários, há muitos que por conta própria tomaram a iniciativa de vir ao Haiti para servir onde há mais necessidade. Entre estes estão Maxine Stump e Betty Wooten, que têm feito trabalho produtivo em Pétion-ville e Thomassin. Maxine ficou em Thomassin, uma comunidade que muitos achavam que não ia produzir Testemunhas.
Com 55 anos de idade, ela estava começando a sentir o peso dos anos. Seu marido havia abandonado tanto a ela como à organização de Jeová. No entanto, ela perseverou por 23 anos naquele território montanhoso em face da oposição local. O pouco de francês e de crioulo que ela sabia soava mais como inglês. Talvez as pessoas tivessem de escutar com mais atenção para entendê-la; mas o seu cordial interesse e sua sinceridade atraíam as pessoas. Muitos estudaram com ela e se tornaram Testemunhas. Ela serviu de pioneira regular em Thomassin até 1992, quando, à idade de 75 anos, não podia mais com as montanhas. Retornou aos Estados Unidos para tratamento médico e serve agora como pioneira na Flórida.
Betty Wooten começou como “pioneira” no dia em que foi batizada, em 1962. Não se dera conta de que tinha de preencher uma petição! Foi realmente designada em 1967. Desde que chegou ao Haiti, tem servido em Pétion-ville como pioneira especial. Ela é negra, exuberante e não parece ter 57 anos de idade. Às vezes, no afã de explicar as Escrituras, passa do seu crioulo imperfeito para o inglês. Mas a sua apresentação sincera da verdade e seus fortes argumentos fazem com que as pessoas escutem e sejam receptivas.
Enquanto John e Inez Norman visitavam a filial no Canadá, em 1982, alguém no departamento de assinaturas perguntou-lhes: “Quem é Betty Wooten?” O departamento estava cuidando de dezenas de assinaturas para as revistas angariadas por ela. Por que tem tanto êxito? Ela sempre está pregando. Seu serviço de campo formal é uma ampliação do seu testemunho informal. Nas lojas, nos restaurantes, nos postos de gasolina — em todo lugar, a qualquer hora, há uma oportunidade para oferecer revistas, livros, assinaturas e estudos bíblicos. Ela pode agora recordar seus 22 anos no Haiti, satisfeita de que participou em ajudar a mais de 70 pessoas a empreender o serviço de Jeová!
Há agora quatro congregações em Pétion-ville, duas em Thomassin e outra em Kenscoff — sete congregações com o total de quase 700 publicadores em 1993, num território antes cuidado por apenas uma congregação.
Um hougan encontra a verdade
Entre os que se tornaram Testemunhas de Jeová no Haiti está um anterior sacerdote vodu — um hougan — de Labiche. Irilien Désir começou a interessar-se em Deus e a ter o desejo de abandonar o vodu. Ele expressou isso abertamente ao sacerdote católico e levou-lhe seus objetos cerimoniais. No entanto, não recebeu nenhuma ajuda espiritual, de modo que retornou ao vodu.
Então, seus filhos em Porto Príncipe e no além-mar lhe escreveram, contando que estavam estudando com as Testemunhas de Jeová, e aconselharam-no a fazer o mesmo. Em resultado disso, ele andou a cavalo 50 quilômetros até L’Azile, para achar as Testemunhas. Continuou a ir a cavalo para lá duas vezes por semana para estudar com elas e para assistir às reuniões. Os espíritos, ou loas, a que havia servido começaram a hostilizá-lo e até mesmo anunciaram que ia morrer. Ele mandou fazer um caixão, mas disse: “Não tenho mais medo da morte. Sei que haverá ressurreição.” No entanto, visto que não faleceu naquela época, usou o caixão para guardar os alimentos que colhia.
Participou na pregação com os pioneiros designados então a Labiche, e foi batizado. Depois doou uma parte dum terreno seu para a construção dum Salão do Reino. Em 1989, ele faleceu fiel a Jeová.
Uma revolução, mas não um novo mundo
As ruas apertadas, estreitas, de Porto Príncipe costumam estar cheias duma mistura de veículos de cores vivas, lotados de passageiros. Mas, tanto os veículos como as ruas, em 5-8 de dezembro de 1985, estavam mais apinhados do que de costume. O Haiti era anfitrião de centenas de Testemunhas de outros países. Vieram assistir ao Congresso “Mantenedores da Integridade”, no Centre Sportif de Carrefour. Os 4.048 publicadores ficaram espantados diante da assistência de 16.260 no discurso público sobre “Os Tempos e as Épocas de Deus — O Que Indicam?”.
Dois meses depois, em 7 de fevereiro de 1986, uma revolução acabou com o domínio exercido pelos Duvalier durante 28 anos. A nação alegrou-se, esperando condições melhores. Mas a economia em ruínas e a qualidade de vida continuaram a piorar, ao passo que a instabilidade política produziu seis mudanças de governo em seis anos, até 1992!
A construção dum novo Betel
No ínterim, as Testemunhas de Jeová aguardavam um evento histórico diferente. Desde novembro de 1984, voluntários peritos, internacionais, da América do Norte e de outras partes, haviam ajudado a construir uma nova filial num terreno de 4,5 hectares, em Santo, perto de Porto Príncipe. Contrataram-se Testemunhas haitianas profissionais em construção, e centenas de outras ofereceram-se voluntariamente para a obra. O conjunto de Betel em forma de U abriga escritórios, um depósito de publicações e dois pavimentos residenciais. Ao mesmo tempo construiu-se também um Salão de Assembléias.
Estes prédios foram dedicados em 25 de janeiro de 1987. Charles Molohan, da sede de Brooklyn, proferiu o discurso de dedicação. Foi uma ocasião estimulante e alegre. Os irmãos se orgulham desta nova filial. Mas o que acham do Salão de Assembléias? Resumindo os sentimentos deles, Betty Wooten diz: “O terreno é belamente ajardinado, e adornado com árvores e flores. O salão — com instalações modernas — foi projetado para o clima tropical do Haiti. É uma honra para o povo de Jeová.” Fulgens Gaspard, que em 1987 se tornou membro da Comissão de Filial, expressa apreço porque o salão é “bem ventilado, possibilitando ouvir o programa confortavelmente”.
Publicações muito apreciadas
A brochura Viva Para Sempre em Felicidade na Terra! foi publicada em crioulo em 1987. Os irmãos acolheram-na como excelente instrumento para ajudar as pessoas a visualizar o novo mundo, e eles a têm colocado em grande quantidade. É um compêndio útil nas aulas de alfabetização nas congregações, aulas que têm contribuído para o elevado nível de alfabetização entre as Testemunhas de Jeová. De 1987 a 1992, estas aulas, também franqueadas aos que não são Testemunhas, ajudaram 1.343 pessoas a aprender a ler e a escrever.
O livro Poderá Viver Para Sempre no Paraíso na Terra (em francês) tem ajudado milhares de pessoas a entender a Bíblia, e ainda está em grande demanda. Mas, em 1989, foi publicado o folheto “Estas Boas Novas do Reino” em crioulo, e, é claro, é especialmente útil no Haiti.
Desde 1989, o livro Os Jovens Perguntam — Respostas Práticas tem cativado o interesse dos jovens, dentro e fora das congregações. Freqüentemente, jovens param as Testemunhas na rua e o pedem. Muitos livros são colocados nas escolas por estudantes ou por professores.
Em Canapé-Vert, Nelly Saladin, uma animada professora jovem colocou em um mês mais de cem exemplares do livro Os Jovens Perguntam com estudantes na sua escola. Em Jacmel, um professor encomendou várias caixas do livro para dar aos estudantes como prêmio. Diversas escolas o usam como manual para aulas de assuntos sociais e culturais.
Em 1990, a proprietária e diretora duma escola profissionalizante para moças, em Porto Príncipe, perguntou à sua sobrinha se tinha alguma sugestão do que podia dar às moças como prêmio. Esta sobrinha estudava então com as Testemunhas de Jeová, de modo que sugeriu os livros Os Jovens Perguntam — Respostas Práticas, Torne Feliz Sua Vida Familiar e Sua Juventude — O Melhor Modo de Usufruí-la. A diretora ficou encantada e encomendou logo 40 livros, e depois ainda mais — num total de 301. Algumas das estudantes que receberam estas publicações tornaram-se Testemunhas e outras são agora publicadoras não-batizadas.
Reconhecimento oficial e legal
Em 1989 concedeu-se novamente o reconhecimento legal duma associação para representar as Testemunhas de Jeová. Desde 1962, a Sociedade Torre de Vigia não tinha reconhecimento legal no Haiti. Mas as Testemunhas de Jeová continuaram a ser reconhecidas como religião, porque a Constituição garante a liberdade de adoração. No decorrer dos anos, Rodrigue Médor se havia encontrado repetidas vezes com ministros do governo, tentando conseguir a legalização da Associação das Testemunhas de Jeová. Mas foi a mudança de governo em 1986 que trouxe um ambiente favorável ao êxito. Portanto, a Comissão Jurídica da filial requereu ao novo governo este reconhecimento. Este foi aprovado e, depois de alguns meses, L’Association Chrétienne les Témoins de Jéhovah d’Haiti (Associação Cristã das Testemunhas de Jeová do Haiti) tornou-se uma entidade jurídica.
Sobre isso, o diário oficial do Haiti, em 20 de fevereiro de 1989, declarou que, “considerando que a Associação Cristã ‘AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ DO HAITI’ tem contribuído por muitos anos para a educação das massas em zonas rurais e urbanas do país por meio de aulas de alfabetização”, ela é reconhecida como “organização de utilidade pública” com “os direitos e as prerrogativas duma pessoa jurídica”.
Isto é importante, porque uma organização assim pode possuir imóveis. Anteriormente, o título de propriedade de Salões do Reino e da filial tinha de ser obtido em nome de irmãos. Agora, o direito de propriedade podia ser estabelecido no nome da associação.
Reconhecidas como bons cidadãos
As Testemunhas de Jeová querem ajudar as pessoas a entender por que Jesus ensinou aos discípulos a orar: “Venha o teu reino. Realize-se a tua vontade . . . na terra.” (Mat. 6:10) Mostram aos seus bondosos e pacientes concidadãos haitianos que não é da vontade de Deus que as pessoas sofram fome, doença e violência, nem que envelheçam e morram. Explicam que a vontade de Deus é que a Terra se torne o lar do novo mundo — com um paraíso que inclui o Haiti. E ensinam às pessoas a acatar a lei e a levar uma vida correta e honesta, a fim de que possam habilitar-se para a vida eterna naquele novo mundo.
Muitos reconhecem os benefícios que as Testemunhas trazem à nação por meio deste trabalho. Em 1984, quando houve um assassinato em Saint-Georges, as pessoas passaram a esconder-se porque a polícia começou a prendê-las para interrogatório. No entanto, as Testemunhas de Jeová continuaram a pregar, e a polícia permitia-lhes andar livremente. Um policial disse: “As Testemunhas de Jeová pregam a respeito do fim dos iníquos. Não foram elas que cometeram este crime.”
Durante distúrbios e manifestações em 1991, as pessoas iniciaram saques na Cité Soleil, Porto Príncipe, enquanto duas irmãs jovens davam testemunho na mesma área. Chegaram dois soldados e se postaram um em cada ponta duma ruela, obrigando os saqueadores a passar por eles e a receber chicotadas. E as irmãs? Cada uma delas segurando uma Sentinela, aproximaram-se de um dos soldados. Reconhecendo-as como Testemunhas, ele as deixou passar incólumes, depois recomeçou com as chicotadas. É como declarou um oficial militar em Thomassique, em 1991: ‘Sei que os jovens das Testemunhas de Jeová não se envolveriam em tais distúrbios, manifestações e saques.’
O primeiro salão de construção rápida
Uma congregação de 14 publicadores, na aldeia sulina de Bidouze, tem a distinção de ser a primeira a ter um Salão do Reino de construção rápida. Foi construído em quatro dias. Depois de muito trabalho preparatório, a construção começou sob forte chuva na quinta-feira, 1.º de novembro de 1990. Os 18 irmãos de Porto Príncipe e os irmãos locais trabalharam arduamente todos os dias, e alguns continuaram muito depois do pôr-do-sol, com a ajuda do luar e duma lâmpada a gás. A construção não era com pré-moldados, de modo que os 1.500 blocos de concreto tiveram de ser assentados um por um. No entanto, às 13 horas de domingo, o salão já estava pintado, pronto para a primeira reunião ali — um abreviado Estudo da Sentinela e o discurso de dedicação, com 81 pessoas presentes.
A comissão de construção da filial tinha assim mostrado que era possível construir salões modestos para congregações rurais por menos de 5.000 dólares, usando-se métodos de construção rápida. É importante tomar isso em consideração, em vista dos muito limitados recursos financeiros dos irmãos.
Aumenta a necessidade de mais salões. O número das Testemunhas aumentou em mais de 1.900 entre 1990 e 1993. Em junho de 1993, houve um auge de 8.392 publicadores em 174 congregações. A assistência aos seis Congressos de Distrito “Ensino Divino” (em 1993) foi de 19.433. Houve 44.476 presentes à Comemoração em abril de 1993. E as Testemunhas de Jeová são agora o maior grupo religioso em Carrefour, onde se formou a primeira congregação de Porto Príncipe.
Olhando para o novo mundo
Sim, um crescente número de pessoas se dá conta de que o Reino de Deus é a única esperança para eliminar os males da humanidade, e que os esforços para remendar este velho mundo são apenas temporários. Por isso aceitam de bom grado as “boas novas do reino” — as boas novas de um mundo melhor. — Mat. 24:14.
As Testemunhas de Jeová no Haiti têm prazer em ajudar a tais pessoas a levar uma vida melhor agora, por ensinar-lhes como aplicar a Palavra de Deus e por transmitir-lhes a esperança certa de vida eterna no novo mundo justo de Jeová.
[Foto na página 120]
Roland Fredette, que chegou ao Haiti como missionário em 1945, tornou-se o primeiro superintendente de filial
[Foto na página 122]
A congregação em Vieux-bourg-d’Aquin, em meados dos anos 50
[Fotos na página 124]
Alguns dos primeiros missionários no Haiti: (1) David e Celia Homer, (2) Alex e Marigo Brodie, (3) Victor e Sandra Winterburn, (4) Peter Lukuc, (5) Fred Lukuc
[Fotos na página 126]
Alguns dos que no começo dos anos 50 já eram Testemunhas zelosas no Haiti: (1) Rodrigue Médor, (2) Albert Jérome, (3) Dumoine Vallon, (4) Benoît Sterlin, (5) Diego Scotland
[Foto na página 132]
Gloria Hill, Naomi Adams, Helen D’Amico e Frances Bailey contribuíram muito para a pregação no Haiti
[Foto na página 139]
Assim como outros dos primeiros missionários aqui, George e Thelma Corwin cobriam seu território de motocicleta
[Foto na página 143]
Alguns dos primeiros proclamadores do Reino em Port-de-Paix: os pioneiros especiais François Doccy e Jean Sénat, nos fundos; Rock St.-Gérard, sua esposa e Lucianne Lublin, na frente
[Fotos na página 147]
Em 1962, Max Danyleyko (acima) e Andrew D’Amico (à esquerda) foram presos e deportados
[Fotos na página 161]
Maxine Stump e Betty Wooten contribuíram cada uma com mais de 20 anos de serviço aqui, onde há mais necessidade
[Foto na página 162]
Este Salão de Assembléias, em Santo, serve à maioria dos circuitos no Haiti
[Foto na página 167]
Missionários alegres que servem os interesses do Reino no Haiti
[Foto na página 169]
Comissão de Filial (da esquerda para a direita): Fulgens Gaspard, John Norman, Rodrigue Médor, Sénèque Raphaël
[Fotos/Mapa na página 116]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
Port-de-Paix
Cap-Haïtien
Gonaïves
Hinche
St.-Marc
Porto Príncipe
Cayes
Cavaillon
Vieux-bourg-d’Aquin
[Gráficos na página 168]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
Publicadores
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
0
1950 1960 1970 1980 1993
Assistência à Comemoração
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
0
1950 1960 1970 1980 1993