Quênia e países vizinhos
CENTO e quarenta e quatro anos atrás, houve muita agitação em Londres. Um explorador alemão, Johannes Rebmann, anunciara ter visto na África Oriental uma elevada montanha, tão elevada que tinha o pico coberto de neve. Embora muitos se admirassem de tal notícia sensacional, os geógrafos profissionais menearam a cabeça em descrédito. Neve no equador? Isso não passava da imaginação de Rebmann, concluíram eles.
Em anos posteriores, outros exploradores europeus voltaram contando histórias que ouviram a respeito de um povo primitivo, tipo anão, que residia nas florestas, um povo nunca visto pelo homem branco. De novo os entendidos foram cépticos. Sem dúvida, isso não era senão um conto de fadas.
Mas os entendidos estavam enganados em ambos os casos. Explorações adicionais confirmaram a existência do elevado monte Quilimanjaro, coroado de neve o ano inteiro. Também ficou confirmada a existência de pigmeus: a estatura mediana dos homens é de um metro e trinta e sete centímetros.
A África Oriental, que terra de maravilhas! Dentre todas as regiões da Terra, poucas possuem o caráter sensacional, as cores, a beleza e o encanto dessa parte da África. Nas suas terras não só se encontram montanhas coroadas de neve, mas também desertos tórridos. Residem nessa região não apenas as pessoas da menor estatura do mundo, mas também as da mais alta, os tussis e os dincas, não sendo incomum entre eles homens de mais de dois metros de altura.
Povos e Línguas
É uma terra de tremenda variedade. Os 150 milhões de pessoas que vivem ali estão divididos em mais de 350 grupos étnicos. A Tanzânia sozinha possui cerca de 125 desses grupos. No Quênia, há cerca de 40 grupos diferentes, desde os quicuios, bem representados na moderna zona comercial de Nairóbi, até os massais, um povo pastoral que se alimenta principalmente do leite e do sangue de suas manadas.
Não é de surpreender que também sejam numerosas as línguas da África Oriental. Embora possam ser agrupadas em diversas famílias principais de línguas, as subfamílias e os dialetos locais elevam esse número a centenas. Só na Etiópia, mais de cem línguas são faladas, bem como “uma língua pura” que unificará não só a África Oriental, mas o mundo inteiro. — Sof. 3:9.
Montes, Lagos e Animais
Embora a maior parte da África Oriental tenha um clima tropical, o interior, que consiste em planaltos, tem um clima fresco em comparação com o das quentes regiões costeiras. O grande Vale de Abatimento Tectônico corta a região de norte a sul, sendo uma depressão de 6.400 quilômetros de comprimento na crosta terrestre. Ao longo desse vale há montes de vulcões extintos. O mais famoso dentre esses é o monte Quilimanjaro. A uma altitude de quase 6.000 metros, é a montanha mais alta da África. Mais ao norte, acha-se o monte Quênia. Um paradoxo de topografia: seu sopé acha-se no equador tórrido, ao passo que seus picos gêmeos estão perpetuamente cobertos de neve.
Os lagos entre as cadeias de montanhas provêem sustento para aves aquáticas em grande variedade e abundância — pelicanos, pica-peixes, gansos, grous, garças, cegonhas, íbis e colhereiros, para se mencionarem apenas algumas. O elevado teor de sódio dos lagos do vale sustentam as artêmias e as algas verde-azuladas que os flamingos necessitam. Quase dois milhões dessas belas aves residem na África Oriental. Realmente uma das vistas mais empolgantes do inteiro continente é um grande bando de flamingos em vôo, formando uma mancha cor-de-rosa contra o azul da abóbada celeste.
Para onde quer que se olhe há aves — extraordinárias, interessantes e belas. Uma iridescente nectarínia suga o néctar de uma flor. Um tecelão amarelo-vivo constrói seu complicado ninho no papiro. Um abutre plana sem esforço nas nuvens.
Há, naturalmente, os animais grandes. Venha até os prados e verá elefantes, zebras, rinocerontes, búfalos, girafas, leões, leopardos e mais de 60 espécies de antílopes. Poderá observar ali uma manada de dez mil gnus, movendo-se com um estampido através das planícies, um macaco da espécie cercopiteco que nos olha do meio de uma acácia, ou um desengonçado avestruz à procura de alimento.
De fato, quer esteja na planície de Danakil, um dos lugares mais quentes da Terra, quer nas Montanhas da Lua, onde brincam os gorilas, quer nas praias de areia branca, onde rastejam tartarugas centenárias, notará que a África Oriental é uma terra diferente de qualquer outra.
Uma Olhada na Variedade de Religiões
Historicamente, os povos da África Oriental seguiram de modo geral as religiões tribais, exceto na Etiópia, onde a Igreja Ortodoxa Etíope dominou desde o quarto século EC. Mas, visto que Meca fica logo do outro lado do mar Vermelho e os sazonais ventos alísios traziam barcos árabes do golfo Pérsico até a costa da África Oriental, o islamismo logo encontrou seguidores. O lucrativo tráfico de escravos nos séculos 18 e 19, estando uma importante fonte destes entre os grandes lagos da África e o porto de Zanzibar, levou os muçulmanos mais para o sul do continente. Hoje, cerca de 40 por cento da população da África Oriental segue o islamismo, embora a porcentagem seja bem mais baixa em algumas regiões de determinados países, tais como Uganda, Quênia, Ruanda e Seicheles.
No século 19 chegaram também exploradores e missionários europeus, os quais lançaram a base do colonialismo. O Império Britânico reivindicou o que veio a ser conhecido por Sudão Anglo-Egípcio e a África Oriental Britânica. A Somalilândia foi dividida entre os britânicos, os franceses e os italianos. A Bélgica administrou a Ruanda e o Urundi (atualmente Burundi). Por períodos mais curtos, a Itália dominou a Eritréia (Etiópia), e a Alemanha controlou a África Oriental Alemã, hoje a Tanzânia.a Os missionários da cristandade dividiram as regiões em esferas de interesse, permitindo que determinada “igreja” tivesse algo como um monopólio em certa área. Foram construídas escolas, estabeleceram-se hospitais, e a Bíblia foi traduzida em muitos idiomas.
Hoje, dois terços da população do Quênia é composta de cristãos nominais, ao passo que na África Oriental como um todo estes constituem apenas a metade. Algumas tribos têm persistido nas suas crenças animistas, e hoje esses adoradores tradicionais constituem entre um quarto e um quinto da população. Os imigrantes asiáticos têm-se apegado às religiões orientais.
Em tempos mais recentes, o nacionalismo africano tornou-se muito forte, e, na década de 60, um país após outro obteve independência. Na maioria dos casos, isto significou mais liberdade de adoração. O nacionalismo também deu oportunidade para muitos novos profetas autoproclamados, os quais africanizaram as religiões da cristandade e fundaram centenas de novas seitas, com muita rivalidade e confusão entre elas. Quando essas diferenças de crença se transformaram em ódio, intensificou-se tremendamente a perseguição contra os seguidores de algumas religiões.
As igrejas da cristandade, com seu envolvimento na política colonial e em empreendimentos comerciais, não deram um exemplo como o de Cristo, tampouco trouxeram duradouras mudanças morais entre a maioria de seus adeptos. Chegara o tempo para a verdade bíblica brilhar na África Oriental.
Uma Tocha Acendida Pelos Primeiros Pioneiros
Uns 60 anos depois de os famosos exploradores Livingstone e Stanley se encontrarem nas margens do lago Tanganica e numa época em que não haviam sido descobertas as nascentes mais sulinas do rio Nilo, foram feitos os primeiros esforços para levar raios de luz da verdade da Bíblia a essa parte da África. Já nessa época, os Estudantes da Bíblia estavam bem ativos em outras partes do mundo, expondo as falsidades religiosas e alertando a humanidade quanto ao significado dos eventos em curso. Na África, esta obra teve início na costa ocidental e no Cabo, o extremo sul do continente.
Em 1931, ano em que os Estudantes Internacionais da Bíblia adotaram o novo nome bíblico, Testemunhas de Jeová, a filial da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA) na Cidade do Cabo buscou meios de lançar as sementes da verdade bíblica na costa oriental do continente e, onde possível, no interior. Gray Smith e Frank, seu irmão mais velho, dois corajosos ministros pioneiros da Cidade do Cabo, partiram para a África Oriental Britânica a fim de examinarem a possibilidade de divulgar as boas novas ali. Transformaram um automóvel, um De Soto, num carro-casa, embarcaram-no num navio junto com 40 caixas de livros e viajaram para Mombaça, porto marítimo do Quênia. Uma recém-construída ferrovia ligava Mombaça a Uganda, atravessando os planaltos do Quênia. Portanto, em Mombaça, os dois pioneiros enviaram os valiosos livros por trem até Nairóbi, a capital, situada a uma altitude de uns 1.500 metros, que cerca de 20 anos antes não passava de alguns frágeis barracões de abastecimento ferroviário.
Os irmãos Smith empreenderam então a viagem pela estrada de 580 quilômetros até Nairóbi. Atualmente, os viajantes cobrem essa distância em cerca de sete horas por uma moderna estrada pavimentada, mas, naquela época, a viagem num carro carregado era verdadeira aventura. O relatório enviado a Joseph F. Rutherford, então presidente da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA), e publicado na Sentinela (em inglês) de 1.º de agosto de 1931, dá-nos um relance de sua viagem e do trabalho de pregação em Nairóbi:
“Prezado Irmão Rutherford:
“Muitas vezes eu e meu irmão lhe agradecemos o privilégio de termos vindo da África do Sul para este país virgem.
“Mandamos devidamente nosso carro-casa da Cidade do Cabo para Mombaça pelo navio a vapor ‘Llamtepher’; e, depois de uma agradável viagem marítima, começou o mais terrível pesadelo de viagem de automóvel que já empreendi. Levou quatro dias, viajando o dia inteiro, para cobrirmos 360 milhas [580 km], de Mombaça até Nairóbi, dormindo na selva com animais selvagens em toda a nossa volta.
“Milha após milha tive de descer do carro com uma pá para nivelar lombadas, encher buracos, também cortar mato e árvores para cobrir os trechos pantanosos, a fim de firmar o chão para as rodas. Continuamos a fazer isso de dia e parte da noite, ansiosos para começarmos o testemunho.
“Finalmente, chegamos a Nairóbi, capital do Quênia, e perto do equador e da África Central; e nosso querido Senhor abençoou nossos esforços com resultados que marcaram época. Ambos trabalhamos vinte e um dias, incluindo todos os domingos e sábados, e nesse curto período distribuímos 600 folhetos e 120 coleções completas de nove volumes [de livros]. Ameaçaram chamar a polícia, chamaram-nos de mentirosos, insultaram-nos, mandaram-nos embora de escritórios; mas nós persistimos, e nosso trabalho já está quase terminado. Acendeu-se uma tocha que brilhará através da África negra. A julgar pelas coisas que ouvimos, nossa obra causou agitação entre os religiosos de Nairóbi.
“Retornarei à Cidade do Cabo; mas meu irmão está tomando providências para continuar a levar a mensagem através do Congo e da Rodésia do Norte até a Cidade do Cabo, onde nos reencontraremos para o próximo privilégio.
Ao seu dispor no serviço do Amo,
F. W. Smith, Colportor.”
Sob a dominação colonial, os contatos com o povo africano eram muito restritos, de modo que os irmãos Smith colocaram a maior parte das publicações com goenses católicos, procedentes de Goa, na costa ocidental da Índia, que vieram para a construção da ferrovia. Mas os sacerdotes católicos, irados por causa das verdades explicadas nessas publicações bíblicas, recolheram e queimaram todos os livros de que puderam lançar mão.
Mais tarde, os irmãos Smith contraíram malária, doença que encurtara a vida de muitos viajantes. Gray recuperou-se depois de quatro meses de hospitalização, mas seu irmão Frank faleceu antes de chegar à Cidade do Cabo.
Corajoso Trabalho de Seguimento
Nesse ínterim, lá na África do Sul, os pioneiros Robert Nisbet e David Norman se preparavam para dar seguimento a esse primeiro empenho. Robert Nisbet relembra que, ao chegar da Escócia à filial da Cidade do Cabo, lhe foram mostradas 200 caixas de livros prontas para serem despachadas para a África Oriental. Isto representava cinco vezes mais do que os irmãos Smith haviam levado!
Protegendo-se contra a malária por dormirem debaixo de mosquiteiros e tomando doses diárias de quinina, iniciaram em 31 de agosto de 1931 sua campanha em Dar-es-Salã, capital de Tanganica. Não era uma designação fácil. O irmão Nisbet relata: “A luz do sol refletida pelas ruas pavimentadas, o intenso calor úmido e a necessidade de levar cargas pesadas de livros de uma casa a outra eram apenas algumas das dificuldades que tínhamos de enfrentar. Mas éramos jovens e fortes, e apreciávamos o serviço.”
Visitando lojas, escritórios e lares, estes dois pioneiros colocaram quase mil livros e folhetos no período de duas semanas. Entre estes havia muitas das chamadas Coleções Arco-Íris, compostas de 9 livros de várias cores vivas e 11 folhetos que explicavam a Bíblia. Não levou muito tempo para a Igreja Católica divulgar um aviso que proibia a todos os católicos possuir tais livros em suas casas.
De Dar-es-Salã os dois pioneiros foram a Zanzibar, uma ilha a uns 40 quilômetros ao largo da costa, outrora importante centro de tráfico de escravos. A antiga cidade com o mesmo nome, de emaranhadas ruas estreitas e tortuosas, estava envolta por um constante aroma de cravo-da-índia, pois Zanzibar era o principal exportador dessa especiaria. A população, naquela época de um quarto de milhão de pessoas, era composta principalmente de muçulmanos de língua suaíli. Visto que as publicações eram no idioma inglês, grande parte foi colocada com indianos e árabes que falavam inglês.
Depois de dez dias em Zanzibar, os pioneiros embarcaram num navio para Mombaça, no Quênia, indo aos planaltos. De Mombaça viajaram de trem, pregando no território ao longo da ferrovia até o lago Vitória, que fica logo ao sul do equador.
A seguir, continuaram de navio até Campala, capital de Uganda, onde distribuíram muitos livros e obtiveram assinaturas para a revista A Idade de Ouro (atualmente conhecida por Despertai!). Certo senhor, que vira um amigo seu ler entusiasticamente o livro Governo, viajou 80 quilômetros para encontrar os irmãos e obter todos os livros disponíveis, bem como uma assinatura para A Idade de Ouro.
Depois, via Jinja e Kisumu, à beira do lago Vitória, os dois pioneiros retornaram a Mombaça. De novo colocaram ali muitas publicações e deram dois discursos bíblicos, aos quais muitos goenses assistiram. De lá, viajaram de navio de volta para a Cidade do Cabo, uma viagem de 5.000 quilômetros. Ao todo, os irmãos Nisbet e Norman colocaram mais de 5.000 livros e folhetos, além de fazerem muitas assinaturas.
Por Terra Através de Metade da África
Em 1935, o ano em que o entendimento progressivo da Bíblia revelou o ajuntamento de uma grande multidão que viverá numa terra paradísica, um grupo de quatro Testemunhas empreendeu a terceira campanha na África Oriental. Eram Gray Smith, o sobrevivente da primeira campanha, e sua esposa, Olga, bem como os dois irmãos Nisbet, Robert e George. Este chegara à Cidade do Cabo no mês de março.b
Desta vez estavam bem equipados com duas camionetas de entrega, de três quartos de tonelada, equipadas como moradias, com camas, cozinha, abastecimento de água, tanque extra de gasolina e armações removíveis com tela para se protegerem contra os mosquitos. Podiam-se então alcançar mais cidades, embora as estradas estivessem às vezes cobertas com mato de até três metros de altura. Esses pioneiros com freqüência dormiam na selva e podiam ver, ouvir e sentir o que realmente era a África, com seus amplos horizontes e uma abundância de animais selvagens: leões que rugiam à noite, e, durante o dia, zebras, gazelas e girafas que pastavam pacificamente — junto com a ominosa presença de rinocerontes e elefantes.
Viajaram de carro ao longo de parte da Estrada Cidade do Cabo-Cairo. A realidade por trás deste famoso nome eram longos e desolados trechos de poeirenta estrada de terra, bem como trechos esburacados, arenosos e com pedregulhos, também rios para atravessar. O grupo de quatro se separou ao chegar a Tanganica. Os irmãos Nisbet foram em direção de Nairóbi, ao passo que o irmão e a irmã Smith concentraram seu trabalho em Tanganica, que se achava então sob dominação britânica.
Logo o casal Smith foi detido pela polícia que lhe deu ordens de retornar à África do Sul. Em vez disso, seguindo os irmãos Nisbet, eles foram para o norte, para Nairóbi, onde só se lhes concedeu permanência depois de fazerem um depósito, na polícia local, de fundo restituível, no valor de 160 dólares. Os pioneiros trabalharam arduamente, e colocaram mais de 3.000 livros e cerca de 7.000 folhetos, junto com muitas assinaturas da revista A Idade de Ouro. Depois, a crescente perseguição religiosa resultou numa ordem de expulsão. Depois de vigorosos protestos, porém inúteis, contra a expulsão, três dos pioneiros empreenderam a viagem de volta para a África do Sul, deixando Robert Nisbet, que estava doente, com febre tifóide, num hospital em Nairóbi. Felizmente, ele se recuperou e pôde também retornar à África do Sul.
Mais tarde, Robert e George Nisbet tiveram o privilégio de cursar a Escola Bíblica de Gileade da Torre de Vigia, e, em 1951, foram designados como missionários para Maurício, uma ilha do oceano Índico. Robert Nisbet acha-se agora na Austrália, e seu irmão George serviu na filial da África do Sul até sua morte em 1989.
Como os missionários do primeiro século, mencionados no livro de Atos, esses pioneiros demonstraram profundo amor por Jeová e pelo seu próximo, não obstante as dificuldades e os perigos. Dos seis pioneiros que chegaram à África Oriental, quatro ficaram por longo tempo hospitalizados, e um deles até mesmo morreu. Contudo, deu-se testemunho, e as publicações produziram frutos. Por exemplo, cerca de 30 anos mais tarde, uma Testemunha, trabalhando num distante território rural no Quênia, encontrou um homem que possuía um exemplar do livro Reconciliação (em inglês), que fora obtido em 1935. Esse homem se tornou agora uma Testemunha também.
Outro Pioneiro — no Império Oculto
Por volta desse tempo, outro corajoso pioneiro, Krikor Hatzakortzian, entrou na Etiópia para apresentar a luz espiritual em armênio, sua língua nativa, bem como em grego e em francês. Aventurou-se num país que era incomum em vários aspectos. Grande parte do país é composta de um vasto planalto triangular, a uma altitude, em média, de 2.000 metros. Há elevados picos e cimos achatados de montanhas desnudas, com planícies férteis no alto e cercadas de vales. O Nilo Azul tem sua nascente ali e passa por desfiladeiros espetaculares. Similarmente, o rio Tekeze flui por uma ravina que traz à memória de alguns viajantes o Grand Canyon da América do Norte. Essa região montanhosa isola a Etiópia das baixadas sudanesas para o oeste e dos desertos de Danakil e Ogaden para o leste.
A Etiópia se tornou um império separado cedo na história; o Imperador ʽĒzānā a fez adotar a crença da cristandade por volta do tempo do Concílio de Nicéia, no quarto século. A Igreja Ortodoxa Etíope, dando ênfase à adoração de Maria e da cruz, e com suas ligações com o judaísmo antigo, tem sido uma grande força na história da Etiópia, fazendo da Etiópia um oculto império “cristão” que resistiu aos avanços islâmicos das baixadas. O Imperador Hailé Selassié, cujo nome significa “Poder da Trindade”, tinha títulos tais como “Rei dos Reis”, “Leão de Judá” e “Eleito de Deus”. Além disso, estava constitucionalmente obrigado a defender os interesses da Igreja. Mas o povo foi mantido em trevas espirituais e podia ser facilmente atiçado a ações fanáticas.
Nessas condições, em 1935, o irmão Hatzakortzian estava sem companheiro pioneiro, mas tinha plena confiança em Jeová. Os seguintes trechos de sua carta, em que fez um relatório de suas atividades, publicada na Sentinela de 1.º novembro de 1935, em inglês, dão-nos uma idéia daquilo que enfrentava:
“Não considero estranho ser perseguido por causa da justiça, e acho que mais ainda virá. . . . Jeová dos exércitos me protegeu no passado, e assim o fará também no futuro.
“Ao meio-dia, eu estava voltando de meu serviço, e um dos agentes de Satanás, saindo de súbito de seu esconderijo, golpeou-me duas vezes na cabeça com um enorme bordão; ele me golpeou tão duramente que o bordão se quebrou em pedaços. Mas, com a ajuda do Senhor, e para a surpresa dos vizinhos, o ferimento não foi muito grave. Fiquei acamado apenas dois dias. Em outra ocasião, os representantes do inimigo atacaram-me com facas; mas, na hora em que iam esfaquear-me, por influência de algum poder desconhecido, jogaram as facas e me deixaram.
“Mas continuam a perseguir. Desta vez, fizeram falsas declarações a meu respeito, e me enviaram à capital (Adis-Abeba) para eu comparecer perante o imperador. Durante minha estada (de quatro meses) ali na capital, fui a toda a parte, dando testemunho de casa em casa, bem como nos hotéis e bares. Por fim, fui levado perante o imperador. Ele me permitiu apresentar minha defesa legal; e, não encontrando nenhuma falta, pôs-me em liberdade e mandou eu retornar à minha casa. Louvado seja o Senhor por esta vitória!”
“As pessoas vivem em temor e perplexidade, mas eu me regozijo no Senhor. Que o Todo-Poderoso Jeová os abençoe ricamente e os fortaleça para que completem o serviço que lhes confiou.
Seu irmão em Cristo,
K. Hatzakortzian.”
Não tivemos notícias do irmão Hatzakortzian durante o tumulto da Segunda Guerra Mundial, mas em princípios da década de 50, quando chegaram missionários treinados em Gileade a Adis-Abeba, eles ouviram falar de um homem em Diredaua (Dire Daua) “que fala como vocês”. Haywood Ward foi a essa cidade do leste e encontrou um senhor idoso que não falava inglês. Quando o missionário se identificou, esse senhor idoso irrompeu em lágrimas, olhou para cima, para o céu, e balbuciou alguma coisa em armênio, incluindo o nome Jeová. Era o irmão Hatzakortzian. Chegara o dia que tanto havia esperado! Chorando de alegria, abraçou o irmão Ward. O irmão Hatzakortzian apresentou então, com orgulho, velhas caixas e mostrou-lhe Sentinelas e livros desgastados, falando todo o tempo com alegria numa língua que o visitante não entendia.
O irmão Ward ficou muito satisfeito com esse encontro e esperava visitá-lo de novo, mas isso não aconteceria. Quando outros missionários foram visitá-lo, encontraram pessoas pesarosas. O irmão Hatzakortzian havia falecido.
Para os missionários, ele era como um “Melquisedeque”. (Heb. 7:1-3) Eles tinham muitas perguntas sem resposta: Quem era ele? Donde viera? Onde aprendera a verdade? O que lhe acontecera durante os atribulados anos da Segunda Guerra Mundial? Seja como for, ele foi um antigo pioneiro corajoso na Etiópia.
Finalmente, um Novo Fundamento no Quênia
Em novembro de 1949, Mary Whittington mudou-se da Grã-Bretanha, com seus três filhos pequenos, para o Quênia, junto de seu marido que trabalhava nas Ferrovias da África Oriental em Nairóbi. Embora fizesse apenas um ano que se batizara, logo aprendeu a tomar ação positiva sozinha. Mulher esbelta e disciplinada que era, e com forte espírito de pioneiro, não ficou pensando na solidão num país maior do que sua terra natal, a Grã-Bretanha, mas, em vez disso, considerou este grande campo uma oportunidade para divulgar a verdade bíblica.
Visto que era a época colonial, com segregação racial obrigatória, a irmã Whittington tinha de limitar seu círculo de ouvintes aos europeus quando começou a pregar de casa em casa na sua vizinhança. Os moradores eram muito amistosos; com freqüência a convidavam a entrar e aceitavam publicações bíblicas. Perguntavam-lhe muitas vezes: “Onde vocês realizam reuniões?” A resposta que dava era que pelo que sabia, ela era a única Testemunha de Jeová no país inteiro!
Logo surgiu um teste de integridade. Passados três meses, seu marido foi informado pelos seus superiores no trabalho que a atividade de pregação de sua esposa fora observada pela polícia com desaprovação. Se persistisse, poderia ser expulsa da colônia. O marido, por sua vez, disse para a irmã Whittington que pregasse só entre suas amigas. Ela respondeu que não tinha amigas no Quênia e que sua fidelidade cristã tornava imperativo que continuasse com seu trabalho. O marido lhe explicou de modo firme que, se ela fosse expulsa, ele não deixaria ela levar os filhos.
Alguns meses mais tarde, membros de uma delegacia especial da polícia visitaram o Sr. Whittington no seu escritório e exigiram que lhes entregasse exemplares das publicações distribuídas por sua esposa. A irmã Whittington forneceu prontamente várias publicações. O agente que as devolveu disse que apreciara a leitura de tais. Ele não lhe proibiu a atividade de pregação, mas frisou que ela não devia pregar entre a população africana. Naquela época, isso não era problema, visto que havia mais do que suficiente trabalho a ser feito entre os habitantes não-africanos de Nairóbi.
Logo surgiu no cenário uma companheira, mas não exatamente como a irmã Whittington esperava. A filial da Rodésia do Norte da Sociedade Torre de Vigia a notificou a respeito de certa Sra. Butler que se interessava em assuntos bíblicos. Olga Butler, de origem seichelense, vinha recebendo publicações da Sociedade em Tanganica por mais de dez anos, e viera a Nairóbi após o recente falecimento do marido. O contato foi feito por cartas, e marcou-se encontro num café, na cidade de Nairóbi, e logo estava em curso um estudo bíblico, de início num parque público, visto que ainda era proibida a associação entre raças diferentes. Dois anos mais tarde, Olga Butler foi batizada na banheira da família Whittington.
Esforços Para Prestar Ajuda
Com o fim de abrir este vasto campo e também ajudar a irmã Whittington que estava isolada, envidaram-se esforços para o envio de missionários, mas o governo colonial não permitiu. Em 1952, Nathan H. Knorr, o então presidente da Sociedade Torre de Vigia (dos EUA), junto com seu secretário, Milton G. Henschel, visitou Nairóbi e passou uma noitinha com o pequeno grupo de irmãos e irmãs do Quênia e de Uganda. Mais uma vez solicitou-se visto de entrada para missionários, mas de novo foi recusado.
Dificuldades adicionais surgiram de outra parte. Os levantes dos mau-maus criaram um estado de emergência, tornando ilegal qualquer reunião de mais de nove pessoas, salvo se registrada de antemão junto ao governo. Em 1956, foi negada uma solicitação de registro de reuniões cristãs. Naqueles anos, diversas Testemunhas estrangeiras chegaram ao Quênia para breves estadas, mas só Mary Whittington, seus filhos e Olga Butler permaneceram para pregar as boas novas.
A Chegada de Formados em Gileade
Foi nessas circunstâncias que chegaram a Nairóbi, em 1956, William e Muriel Nisbet, formados em Gileade, originários da Escócia. William Nisbet era irmão dos dois pioneiros anteriores que chegaram ao Quênia procedentes da África do Sul, na década de 30. Para poder permanecer no país, o irmão Nisbet teve de obter um emprego, mas ainda assim podia supervisionar o pequeno grupo de estudo bíblico. No ínterim, a irmã Nisbet e a irmã Whittington faziam discretamente todas as manhãs a pregação de casa em casa.
Para o casal Nisbet, Nairóbi era uma bela designação. A cidade se desenvolvia numa moderna metrópole bem organizada. O clima temperado e as colinas Ngong, nos arrabaldes, faziam lembrar sua terra natal, a Escócia. Ao olhar para o sudeste num dia claro, a pessoa podia ver reluzir ao sol a neve no cimo da mais elevada montanha da África, o Quilimanjaro. Ao norte, avistava-se o contorno irregular do monte Quênia, o monte cujo nome foi dado a esse país. E lá estava o paraíso dos que gostam de animais, bem pertinho — o Parque Nacional de Nairóbi, com seus leões, chitas, rinocerontes, búfalos, girafas, zebras e antílopes.
Entretanto, o principal interesse do casal Nisbet era iniciar estudos bíblicos. Um desses era realizado com a família de um agente de uma delegacia especial de polícia. Embora o casal Nisbet não o soubesse, o agente recebera a incumbência de investigar as Testemunhas de Jeová. Mas sua investigação acabou de modo diferente do que esperava. Não só pôde o agente apresentar um relatório favorável sobre nossa atividade, mas encontrara também um tesouro inestimável, a verdade. No devido tempo, os quatro membros dessa família se tornaram todos eles Testemunhas batizadas!
Outras pessoas também estudaram. Infelizmente, as Leis de Estado de Sítio ainda vigoravam, e qualquer pessoa que assistisse a reuniões de mais de nove pessoas era passível de expulsão do país ou de até três anos de prisão. Relutantemente, os irmãos tinham de se reunir em grupos pequenos.
1958 — Um Ano a Ser Lembrado
Esse ano iniciou com a designação de mais quatro formados em Gileade para Nairóbi, os casais Clarke e Zannet. Como no caso do irmão Nisbet, os dois maridos tinham de trabalhar em emprego secular ao passo que as esposas eram pioneiras. Alcançou-se um novo auge de 35 publicadores, na maioria estrangeiros.
Esse foi também o ano da Assembléia Internacional da Vontade Divina, em Nova Iorque, com uma assistência de mais de 250.000 pessoas procedentes de todas as partes do mundo. Foi uma grande emoção para Mary Whittington estar entre essas e apresentar um breve relatório sobre a obra no Quênia. Aumentando a alegria daquele ano, um avião fretado, cheio de Testemunhas da Rodésia, fez escala em Nairóbi a caminho de Nova Iorque, o que deu ensejo a uma associação espiritualmente estimulante.
No congresso de Nova Iorque, fez-se um apelo para que Testemunhas habilitadas se mudassem para países onde havia maior necessidade de pregadores do Reino; o Quênia estava na lista. Portanto, entre dezembro de 1958 e setembro de 1959, mais de 30 irmãos e irmãs mudaram-se do Canadá, dos Estados Unidos e da Inglaterra para prestar ajuda no Quênia. Alguns desses recém-chegados foram a Mombaça, na costa do Quênia, com suas lindas praias. Outros começaram a pregar na cidade do Vale de Abatimento Tectônico de Nakuru, famosa pelo lago que leva o mesmo nome e habitat de um milhão de flamingos.
Contribuíram Para o Aumento os Que se Prontificaram a Servir Onde a Necessidade Era Maior
Esses que se prontificaram para ajudar onde havia maior necessidade eram um grupo zeloso, com elevada maturidade cristã. Deixaram amigos, carreiras e confortos, mas foram ricamente abençoados. O Quênia se tornou a Macedônia moderna para eles. — Atos 16:9.
Falando por muitos deles, Ron Edwards, da Inglaterra, disse: “Logo desde o início desse tempo, houve um forte vínculo de amor e afeto entre nós, os que viemos servir onde a necessidade era maior. Sem dúvida, isto se devia à nossa unidade de objetivo e similaridade de circunstâncias. A maioria dentre nós era da mesma faixa etária (de 30 a 40 anos) e casados, e tínhamos tido uma vida familiar estável antes de chegarmos aqui. Entretanto, atendendo ao pedido da Sociedade, deixamos nosso lar e embarcamos num futuro desconhecido.”
No decorrer dos anos, muitos tiveram de partir por causa de dificuldades pessoais com saúde, com licença para trabalhar e outras coisas. Alguns, porém, como Alice Spencer, puderam permanecer por muitos anos. Ela enfrentou com bravura o calor de Mombaça por mais de 25 anos. E Margaret Stephenson, com mais de 80 anos, mora no Quênia já há mais de 30 anos e ainda trabalha como pioneira regular.c Esses irmãos e irmãs, que trabalharam com zelo missionário, lançaram grande parte do fundamento sobre o qual muitos quenianos edificaram seu amor pela verdadeira adoração.
Apesar da grande afluência de pessoas que vieram servir onde a necessidade era maior, a obra mesmo assim tinha seus empecilhos — a pregação era feita principalmente entre os europeus, quer dizer, entre os brancos estrangeiros e entre a comunidade asiática. Embora algumas Testemunhas estrangeiras estudassem o idioma suaíli, seu testemunho se limitava principalmente a empregadas domésticas.
Medidas Para Maior Expansão
Em 1959, o irmão Knorr visitou novamente Nairóbi. Por volta dessa época, o pequeno grupo de nove se tornara uma congregação composta de dois grupos, com 54 publicadores. Visto que mais irmãos estavam então disponíveis para assumir a liderança, o irmão Knorr providenciou que os dois grupos fossem divididos em quatro. O irmão Nisbet serviria na qualidade de superintendente de circuito, visitando esses grupos ao mesmo tempo em que continuava no seu serviço secular. Naqueles tempos, surpreendente número de pessoas interessadas foi encontrado entre os estrangeiros.
Com a aproximação do fim da dominação colonial, as Testemunhas de Jeová foram os primeiros a contatar a população nativa, conforme indica o seguinte acontecimento. Quando uma irmã européia estava comprando sapatos na cidade, ela perguntou à balconista onde esta morava. A balconista respondeu: “Em Jericó.” Nossa irmã replicou: “Conheço muito bem Jericó. Eu vou lá freqüentemente.” A balconista exclamou de imediato: “Então a senhora deve ser Testemunha de Jeová!”
A obra do Reino estava progredindo no Quênia. Mas, antes de prosseguirmos, façamos uma pausa para dar uma olhada em alguns países vizinhos, onde também se faziam esforços para pregar as boas novas.
Uganda — A “Pérola da África”
Uganda, país vizinho do Quênia, do lado ocidental, é uma terra viçosa, onde se pode passear ao longo das margens verdejantes do lago Vitória, escalar a cadeia de Ruenzóri, coroada de neve (acredita-se, segundo a lenda, serem as Montanhas da Lua), viajar de navio no Nilo ou passear de carro por uma majestosa floresta pluvial. As abundantes chuvas garantiam boas colheitas de algodão e de café, bem como excelentes legumes e frutas. O calor era tolerável, e o verão eterno agradava aos administradores britânicos, bem como aos comerciantes asiáticos. Gostavam da vida ao ar livre nos seus clubes, campos de golfe, piscinas, pistas de corrida e campos de jogo de críquete. Não é de admirar que as pessoas chamassem Uganda de a “Pérola da África”.
A vida era calma e agradável em abril de 1950 quando um jovem casal de Testemunhas chegou da Inglaterra a Uganda, ansioso de partilhar seu conhecimento bíblico com outros. Em um ano eles ajudaram uma família grega e outra italiana a conhecer a verdade.
Formou-se uma pequena congregação em Campala, cidade, como Roma, edificada sobre sete colinas. A pregação foi levada gradualmente ao campo africano, e certamente foi de ajuda o fato de o inglês ser a língua comum em Uganda. A primeira vez que se usou um idioma local foi num discurso público traduzido para o luganda perante uma assistência de 50 africanos. Havia, em 1953, seis publicadores ativos.
Dois anos mais tarde, o primeiro serviço de batismo em Uganda foi realizado no lago Vitória, perto de Entebe. Entre os cinco batizados estava George Kadu, muito entusiástico, que ainda serve fielmente como ancião em Campala.
Seguiu-se uma crise, quando a má conduta de alguns resultou em desassociações, em alguns deixarem o país e em causarem tropeço. Assim, perto do fim de 1957, o irmão Kadu era o único publicador em Uganda. Mas ele sabia que estava com a verdade, e amava a Jeová.
Em 1958, exibições do filme intitulado A Sociedade do Novo Mundo em Ação, junto com o lançamento do folheto “Estas Boas Novas do Reino”, no idioma luganda, deram novo impulso à obra. Também, mudaram-se do Canadá e da Grã-Bretanha para Uganda alguns que desejavam ajudar onde a necessidade era maior, e, em 1961, três anos mais tarde, havia 19 publicadores que relatavam. Falaremos de novo, mais adiante, a respeito desse país.
Sudão — O Maior País da África
O Nilo Branco, parte do mais longo rio da Terra, flui de Uganda para o Sudão por entre campinas, matagais, pântanos e terras semidesérticas. Pastores de alta estatura residem ao longo de suas margens. Depois de cerca de 2.000 quilômetros, o rio se junta ao Nilo Azul, que desce dos planaltos da Etiópia pelo leste. Neste ponto, ao longo do rio, há três cidades grandes com milhões de habitantes: Cartum, Ondurmã e Cartum Setentrional.
Mais abaixo, o Nilo se precipita por uma série de cataratas e entra numa região ricamente histórica. É onde ficava o império de Cus, estando ainda visíveis suas ruínas nas areias do Saara. Trata-se da Etiópia dos tempos bíblicos, terra de Ebede-Meleque, bem como do oficial da corte a quem o discípulo Filipe batizou. — Jer. 38:7-16; Atos 8:25-38.
O Sudão, outrora o Sudão Anglo-Egípcio, é o maior país da África, com uma área de mais de um quarto do tamanho dos Estados Unidos. O principal idioma é o árabe. O norte é quase inteiramente islâmico, ao passo que no sul há mais animistas e cristãos nominais. Em geral, o povo sudanês é notavelmente hospitaleiro e bondoso.
Foi em 1949 que Demetrius Atzemis, formado em Gileade, procedente do Egito, veio ao Sudão pela primeira vez. Como no Egito, as margens dos rios na região de Cartum eram verdejantes, havendo cultivo de pepino, alho-poró e cebola. Algumas passagens perto do rio proviam agradáveis oásis de sombra debaixo de enormes banianos. Mas, logo depois o deserto árido substituía esses estreitos trechos de viçosa vegetação. A cor dominante era o marrom. O céu era marrom. O solo era marrom. As casas de tijolos de barro eram de cor marrom. E até mesmo muitas das roupas eram marrons.
O calor também era abrasador. As temperaturas à noite chegam a 39°C. Ao sol o termômetro sobe a 60°C. Visto que os canos da água ficavam expostos ao calor do sol, uma ducha “fria” poderia queimá-lo se não deixasse a água correr um pouco.
Foi nesse ambiente que o irmão Atzemis empreendeu seu trabalho. Ele pregou principalmente em Ondurmã, onde angariou 600 assinaturas. Depois, foi a uma pequena cidade industrial chamada Wad Medani, antes de retornar ao Egito. Mais tarde, uma família de três membros mudou-se para Cartum, procedente do Cairo. O irmão, que negociava com lã, dava testemunho a seus fregueses, oferecendo-lhes assinaturas e publicações antes de fazer negócios com eles.
Formou-se logo uma pequena congregação, e o número de publicadores crescia mensalmente, atingindo um auge após outro, no total de 16 até fins de agosto de 1951. O ponto alto do ano seguinte foi um discurso proferido perante 32 pessoas. Para o benefício dos estrangeiros na assistência, foi traduzido para três idiomas.
Em 1953, o irmão Atzemis retornou do Cairo, desta vez por um período de cinco meses, e organizou a cobertura sistemática do território em Cartum. Sentiu-se recompensado quando os três irmãos Orphanides aceitaram a verdade. Apenas um mês depois de ser contatado, George Orphanides ofereceu uma grande parte de sua casa como local para reuniões. Esse irmão se tornou mais tarde o superintendente de congregação e, junto com seu irmão Dimitri, era dinâmico proclamador da mensagem do Reino. George podia ser muito firme e persistente e ao mesmo tempo extremamente hospitaleiro ao cuidar das ovelhas. Serviu por muitos anos, até 1970, quando teve de deixar o país. Dimitri conseguiu ajudar muitas pessoas a aprender a verdade. Não obstante o intenso calor e as periódicas tempestades de areia, estes irmãos perseveraram, mantendo excelente atitude. Certa vez, George disse: “Embora sem reconhecimento da parte do mundo, mas com reconhecimento celeste e a ajuda do espírito de Jeová, tivemos prazer em cada dia de nossa vida, procurando executar nosso ministério segundo as palavras de Paulo, em 2 Timóteo 4:2-5.”
O irmão Atzemis ainda fazia visitas periódicas, e, em 1955, a Sociedade conseguiu enviar outro missionário a Cartum, Emmanuel Paterakis, que pôde permanecer por dez meses. Nessa época, diversos publicadores haviam deixado o país. Fez-se requerimento de registro legal em junho de 1956, mas, por causa da influência dos sacerdotes cópticos e dos mestres muçulmanos, foi indeferido. Por um curto período, as Testemunhas foram vigiadas, mas não houve perseguição severa, e a obra de pregação nunca parou.
Irmãs Fiéis
No primeiro século, mulheres devotadas tornaram-se colunas espirituais da congregação. O mesmo se dá no século 20 no Sudão. (Atos 16:14, 15; 17:34; 18:2; 2 Tim. 1:5) Em 1952, uma ativa irmã grega, casada no Líbano com um sudanês, veio à terra natal de seu marido para dar impulso à obra de pregação. Essa irmã, Ingilizi Caliopi, logo se tornou pioneira regular e mais tarde pioneira especial. Ela era animada, dinâmica e persistente — qualidades necessárias quando se pregava entre membros da Igreja Ortodoxa Cóptica, que eram muito emotivos e melindrosos, temendo os sacerdotes e os parentes.
Entre as pessoas que ela conseguiu ajudar a conhecer a verdade achava-se Mary Girgis, que também se tornou pioneira especial e cuja história da vida foi publicada na Sentinela de 15 de agosto de 1977. Mary morava na histórica cidade de Ondurmã, antiga capital do Sudão. Ela acabava de orar quando a irmã Caliopi a visitou pela primeira vez em 1958. A irmã Caliopi encontrou uma mulher preocupada com as temíveis feras descritas em Revelação (Apocalipse). O que significavam essas feras? Os terrores do “inferno de fogo” também a angustiavam. Ela se perguntava se isso podia ser a vontade de Deus. Mas, a sua maior pergunta era: Onde está a verdade?
A irmã Caliopi respondeu a todas essas perguntas. Mary alegrou-se ao ouvir que Jesus é agora Rei. Mas seu marido, Ibrahim, disse-lhe: “Não escute essa mulher. Deve ser má. Quando ela caiu do ônibus um dia desses, as pessoas disseram: ‘Ela mereceu, pois mudou de religião.’”
Apesar disso, Ibrahim adquiriu dois livros: “Seja Deus Verdadeiro” e “Isto Significa Vida Eterna”. Logo depois, quando assistia ao ofício na sua igreja cóptica, Ibrahim ficou irritado ao ouvir o sacerdote censurar homens por permitirem que suas esposas estudassem e pregassem uma religião diferente. Era fácil perceber a quem o sacerdote se referia! Ibrahim abandonou a igreja. Ele e sua família passaram então a ser alvos de perseguição. Certo dia, uma pedra veio voando por cima do muro e o atingiu, arrancando-lhe os óculos, mas nem ele nem seu garoto que estava no colo ficaram gravemente feridos!
Em 1959, a polícia acusou Mary Girgis de visitar as casas com a intenção de roubar. O caso foi levado ao tribunal. Dois promotores tomaram posição contra ela, mas, naturalmente, não havia provas. O caso foi arquivado.
Em outra ação judicial, certos sacerdotes fizeram acusações de sionismo. No tribunal, nossa irmã magnificou o nome de Jeová perante quatro juízes. O juiz que presidia decidiu a favor dela, dizendo: “Vá, minha senhora, a toda a parte no Sudão e pregue como bem desejar. A lei do país é a seu favor, e a protegerá.”
A irmã Girgis tem sido notável exemplo para os mais jovens, assim como o foi a irmã Caliopi até sua morte. No decorrer dos anos, essas duas zelosas irmãs ajudaram muitas pessoas. Ibrahim Girgis também tomou posição firme a favor da verdade e foi uma Testemunha fiel até a morte.
Não tiveram êxito as tentativas de legalização da obra, de modo que ela continuou não-legalizada, com ocasionais perseguições. Contudo, houve constantes aumentos, sendo que 27 pessoas relataram em 1960 e 37 em 1962. Em 1965, a obra veio a estar sob a supervisão da recém-estabelecida filial do Quênia, e programava-se uma assembléia de circuito uma vez por ano. No ano que se seguiu, 81 pessoas assistiram à Comemoração da Morte de Cristo. Falaremos de novo sobre esse país.
Etiópia — A “Região de Rostos Queimados”
Entre o Sudão e o mar Vermelho, e tendo a metade do tamanho do Sudão, fica a Etiópia, país vizinho ao norte do Quênia. Em grego, o nome significa “Região de Rostos Queimados”, e, nos tempos antigos, designava a região da África ao sul do Egito. Assim, a Etiópia bíblica abrange principalmente o norte do Sudão e uma ponta do que hoje é a Etiópia setentrional. Conforme o irmão Hatzakortzian já observara na década de 30, esse país era ímpar em vários aspectos, tendo sua própria cultura e uma dominante Igreja Ortodoxa Etíope. Esse país foi a designação de três missionários solteiros que chegaram à capital, Adis-Abeba, em 14 de setembro de 1950.
Havia muitas coisas novas com as quais se acostumar. Primeiro, a altitude de Adis-Abeba, de 2.400 metros, faz dela uma das mais elevadas capitais do mundo. A seguir, o idioma amárico, com seus p, t e s explosivos, seu alfabeto etíope de 33 caracteres e com mais de 250 variações. Ademais, havia mais de 70 línguas tribais e umas 200 outras línguas e idiomas menores. Além disso, os sacerdotes ainda usavam uma língua semi-extinta, chamada guês, similar ao uso do latim por alguns eruditos europeus.
Havia ali o povo de rosto atraente, bronzeado, que usava penteados incomuns, vestimentas características e roupas festivas. Alguns tinham tatuagens de cruzes na testa. Tinham nomes interessantes. Havia nomes de homem como Gebre Meskal, que significa “Escravo da Cruz”; Habtemariam, que significa “Servo de Maria”; ou Tekle Haimanot, que significa “Fábrica de Religião”. Um nome de mulher podia ser Leteberhan, que significa “Escrava da Luz”, ou Amaresh, “Tu És Bela”.
Professores-Pregadores
No primeiro lar missionário num apartamento no bairro de Case Popolari, em Adis-Abeba, os missionários ficaram surpresos de ter como visitante regular um colobo. Esse macaco travesso estava constantemente em toda a parte e fazia uma sujeira após outra. Não lhe bastava entrar no molho de tomate, mas tinha de deixar pegadas na casa inteira e sujar as paredes! Naturalmente, havia visitantes humanos também, e dirigiam-se estudos bíblicos na varanda da frente do lar missionário.
Para proteger os interesses da Igreja Etíope, a lei proibia o proselitismo entre cristãos. Só era permitido entre muçulmanos e “pagãos”. Assim, só se permitiria a entrada de missionários se estabelecessem escolas para ensinar matérias tais como inglês, datilografia e escrituração mercantil.
Quando estavam devidamente estabelecidas as classes noturnas para adultos em Adis-Abeba, os missionários tiveram de se mudar para uma casa maior na Rua Churchill, a principal via da capital. Os irmãos decidiram não misturar ensinamentos religiosos com assuntos acadêmicos, mas os estudantes eram convidados a assistir às reuniões de nossa congregação voluntariamente. Nos horários das reuniões, uma das salas de aula tornava-se um Salão do Reino.
Em 1952, mais oito missionários, da 18.ª turma da Escola de Gileade, chegaram a Adis-Abeba. Entre eles estavam Harold e Anne Zimmerman, que foram designados para ajudar nas aulas noturnas na capital. Dois casais da 12.ª turma, Brumley e Luck, abriram uma escola na histórica Harar, perto da fronteira com a Somália, ao leste, cidade onde antes não se permitia a entrada de estrangeiros e que é regularmente visitada por hienas. Com efeito, os chamados homens das hienas provêem um espetáculo noturno, alimentando esses poderosos animais para divertir os espectadores. — Veja Despertai! (em inglês) de 22 de novembro de 1985.
Outros missionários de Gileade, Dean Haupt e Raymond Egilson, estabeleceram uma escola similar em Diredaua, centro comercial perto de Harar, localizado estrategicamente perto da única ferrovia da Etiópia que sai do porto de Djibuti para Adis-Abeba. Era lá que o irmão Hatzakortzian falecera.
A vida ali não era nada luxuosa. O irmão Haupt explica: “A primeira noite que passamos ali foi inesquecível. Ainda não tínhamos mobília, de modo que usamos um baú como mesa e sentamo-nos em cima de malas para tomar nossa refeição. Colocamos colchões no chão, visto que nossas camas não haviam chegado ainda. Isto não era tão ruim, mas, quando apagamos as luzes, percevejos começaram a descer das paredes para experimentar que gosto tínhamos! Parece que essa parte da casa estivera desocupada já por algum tempo, e os insetos desejavam sangue fresco! Acho que não dormimos nada naquela noite.”
Uma Pequena Filial
Apesar das pragas de insetos, um missionário explica que o serviço era agradável: “Certo dia, eu estava caminhando pela estrada quando encontrei um jovem etíope e parei para falar com ele. Ao ficar sabendo que eu era missionário, ele pediu: ‘Por favor, senhor, fale-me sobre Jesus Cristo.’ Convidei-o a vir à nossa casa no dia seguinte, e, uns dez minutos depois, já estávamos estudando o livro ‘Seja Deus Verdadeiro’. Ele retornou no dia seguinte para mais um estudo, trazendo consigo outro jovem. Estes dois se tornaram os primeiros publicadores etíopes.”
Uma constante afluência de pessoas interessadas visitava o lar missionário, solicitando estudos bíblicos, de modo que era preciso que sempre ficasse um missionário em casa. Algumas pessoas caminhavam horas a fio para chegar e queriam estudar duas ou três horas por vez. Logo o número de publicadores chegou a 83.
Em 1953, estabeleceu-se uma pequena filial em Adis-Abeba. Fazia-se uma tradução a mão da matéria das reuniões em escrita etíope, e cópias eram feitas num duplicador manual. Isto certamente ajudou os mais novos a ficar mais consolidados na verdade. Os irmãos locais aprenderam a fazer o serviço de casa em casa, a dirigir estudos bíblicos e a realizar reuniões instrutivas. Por causa de seu zelo, as boas novas foram difundidas a 13 lugares no interior do país, onde quase 20 publicadores relatavam em 1954.
Um Seminarista Põe a Mão no Arado
Um dos que aceitaram a mensagem do Reino foi um seminarista que não sabia uma palavra sequer em inglês. Sua primeira palestra com um de nossos missionários foi através de um intérprete. Quando surgia um ponto controversial, o seminarista o verificava em sua Bíblia no antigo idioma guês. Ficou chocado ao notar que sua prova favorita da Trindade em 1 João 5:7 não se encontrava em sua Bíblia. Outras doutrinas erradas foram logo expostas com essa Bíblia.
Ele vinha estudar três ou quatro vezes por semana, trazendo outros consigo. Quando abandonou o seminário para se mudar para a casa de uma Testemunha, o diretor do seminário veio com um policial e arrastou o seminarista, levando-o consigo. Mais tarde, quando estava trancado no seminário por quatro dias, ele enviou um bilhete, dizendo aos irmãos que não ficassem com pena dele, visto que se regozijava de ser prisioneiro por causa de Jeová. “Não pensem que retornarei a eles”, disse ele. “Ninguém que tiver posto a mão num arado olha para as coisas atrás.” Depois de ser solto, mudou-se para a capital, onde assistia às reuniões, e veio a estar entre os primeiros etíopes que foram batizados como Testemunhas de Jeová.
Publicações em Amárico — Finalmente!
Em 1955, depois de um discurso especial, para o deleite de todos na assistência, foi lançada a primeira publicação no idioma amárico, o folheto O Caminho de Deus É Amor. Logo a seguir, publicou-se um tratado, e, no ano seguinte, tornou-se disponível em amárico o folheto de estudo “Estas Boas Novas do Reino”.
O ano seguinte de 1956 foi outro marco na história teocrática da Etiópia. Os irmãos organizaram a exibição do filme A Sociedade do Novo Mundo em Ação. Convites em inglês e amárico anunciavam o filme, que seria exibido no maior teatro da Etiópia, bem no centro da cidade de Adis-Abeba. Foram colocados grandes cartazes em todas as partes movimentadas da cidade. Qual o resultado? Grandes multidões afluíram para o teatro. Foram tantos os que apinharam o salão que foi necessário programar uma segunda sessão, resultando em 1.600 pessoas assistirem ao filme naquela noitinha. Deu-se um folheto gratuitamente a todos na assistência. Outras exibições do filme se seguiram em Asmara, Gondar e Dese, três centros importantes no norte da Etiópia. No total, 3.775 pessoas viram esse instrutivo filme sobre a atividade das Testemunhas de Jeová.
Mais pioneiros especiais foram designados, e um superintendente de circuito local começou a incentivar as congregações. Os irmãos pregavam corajosamente, com o respaldo de uma constituição revisada que garantia os direitos fundamentais do homem, de liberdade de culto, liberdade de expressão e liberdade de imprensa. O número dos publicadores atingiu um auge de 103.
Perseguição! Expulsos os Missionários!
Toda essa atividade e prosperidade espiritual deixara os clérigos da cristandade irados. Na capital provincial de Debre Marcos, cerca de 280 quilômetros ao nordeste de Adis-Abeba, as pessoas ainda eram muito leais à Igreja Etíope.
Quando os pioneiros especiais chegaram ali, irrompeu violência imediatamente. Homens influentes formaram um motim no centro da cidade, gritando que essa gente nova pisoteava a imagem de Maria e comia gatos e cachorros! A polícia teve de acudir os irmãos para estes não serem espancados até a morte. A turba, pronta para forçar a entrada na delegacia de polícia, teve de ser repelida com armas de fogo apontadas contra ela. Na confusão, os dois pioneiros perderam todos os seus pertences.
O governo usou este incidente para declarar que as Testemunhas de Jeová eram uma ameaça à paz e à segurança dessa nação. O governo fechou o lar missionário e a filial, e, em 30 de maio de 1957, ordenou que os missionários deixassem o país. Embora algumas autoridades governamentais expressassem em particular estar a favor dos irmãos e indicassem que o clero tivera parte nesse assunto, as apelações ao próprio imperador foram em vão.
Embora se escrevessem muitas cartas de protesto, vindas do mundo inteiro, os missionários foram forçados a deixar o país. Seguiram-se detenções e interrogatórios. Chegara então uma época de teste e de peneiramento. Alguns ficaram temerosos e abandonaram a verdade. Um pequeno número se tornou traidor. O serviço de pioneiro especial foi descontinuado e diversos ex-pioneiros tiveram de ser desassociados. Outros, porém, permaneceram fiéis. Um irmão ficou 42 dias agrilhoado e daí foi solto, sendo fortemente advertido de cessar de pregar.
Assim, a obra passou a ser feita às ocultas. Bem distante de lá, na Assembléia Internacional da Vontade Divina, em 1958, o primeiro livro em amárico, “Seja Deus Verdadeiro”, foi lançado ao público, mas apenas alguns exemplares puderam ser introduzidos mais tarde na Etiópia. Os testes de lealdade e coragem em face da oposição fizeram com que alguns se desviassem, de modo que em 1962 o número dos que ainda estavam ativos caíra para 76.
A Somália — Dentro do Corno da África
Após a expulsão do missionário Dean Haupt, de Adis-Abeba, a Sociedade o instruiu a ir para Mogadiscio, capital da Somália. Mogadiscio tem sido um centro comercial por mil anos. Era essa cidade parte de Ofir, donde procedia o ouro de excelente qualidade para o Rei Salomão? Pode ter sido, embora o peso da opinião geral indique a Arábia como o veio do minério.
Mas, quando o irmão Haupt chegou em 1957, o somali ainda não era uma língua escrita; empregava-se em seu lugar o italiano e o árabe. O irmão Haupt decidiu trabalhar primeiro na parte européia da cidade, e ofereceu assinaturas mostrando exemplares das revistas sem as deixar, visto que havia bem poucas disponíveis. Desse modo, obteve 90 assinaturas em cerca de três meses. Daí, seu visto de permanência expirou e ele não conseguiu renová-lo. De modo que o irmão Haupt teve de partir, e tem continuado seu serviço na Itália.
Uma Designação Difícil
Depois de o irmão Haupt partir, a Sociedade providenciou enviar mais quatro missionários à Somália. Eles chegaram em março de 1959, mas, visto que a pregação se limitava basicamente aos estrangeiros, apenas Vito e Fern Fraese, da 12.ª turma de Gileade, permaneceram.
Logo os clérigos católicos começaram a visitar os que mostravam interesse na obra das Testemunhas de Jeová. Uma dessas pessoas visitadas assim por um sacerdote disse: “Por que todo esse interesse em mim agora, sendo que já faz vários anos que deixei de freqüentar a igreja? Será que é porque estou estudando a Bíblia?”
Em setembro de 1959, o casal Fraese dirigiu 11 estudos bíblicos. Muitas das famílias italianas visitadas não tinham a Bíblia e nunca se lhes ensinara quem é Jeová, embora tivessem ouvido sobre as Testemunhas de Jeová nos jornais. Portanto, havia muito interesse pela mensagem da Bíblia; não era incomum os irmãos gastarem uma hora ou mais em cada casa que visitavam.
Em 1961, dois estudantes da Bíblia começaram a pregar. No ano seguinte, mais uma pessoa se associou com as Testemunhas de Jeová, perfazendo um total de três publicadores, além dos missionários.
Depois de quatro anos na Somália, o casal Fraese foi designado para outro lugar, visto que eram muito limitadas as oportunidades de se visitar a população islâmica local. Mas eles haviam causado boa impressão. Conforme certo observador disse: “Dentre todos os grupos de europeus, incluindo missionários leigos e clérigos, vocês, Testemunhas de Jeová, são os únicos que mantiveram uma boa moral!” Dos três publicadores que ficaram, dois foram mais tarde para outros países, e um deles deixou sua atividade. Entretanto, o casal Fraese ainda está no serviço de tempo integral na Itália como viajantes.
Tanzânia — A Quinta-Essência da África
Descendo a costa da Somália, encontra-se Tanganica, hoje a Tanzânia, um lindo país maior do que o Quênia, seu vizinho ao norte. Terra da planície do Serengeti — com freqüência chamada a quinta-essência da África — onde se exibe, nas savanas e regiões florestais, um espetáculo da natureza, de mais de dois milhões de animais grandes, e onde fica a cratera do Ngorongoro, uma concavidade de 260 quilômetros quadrados que pulula de vida selvática. A maior parte dos habitantes vive da agricultura, produzindo sisal, cravo-da-índia, café e algodão.
Na década de 30, as boas novas do Reino tinham sido pregadas em Tanganica, de modo que em 1948 já existia um pequeno número de publicadores que serviam no sudoeste do país. Quem eram eles? Como haviam aprendido a verdade?
Eram em grande parte membros da tribo dos nyakyusas, dos planaltos perto do extremo norte do lago Malaui, onde convergem dois ramos do grande Vale de Abatimento Tectônico. Partiram desse lugar homens para trabalhar nas minas de cobre da Rodésia. Sendo pessoas de índole amistosa e dócil, para algumas delas esse serviço lhes abriu o caminho para entrarem em contato com as verdades da Palavra de Deus.
Hosea Njabula, nascido em 1901, perto de Tukuyu, tinha grande zelo pela sua crença protestante morávia. Ele se tornara diácono, e ensinava na escola dominical em muitas aldeias. Nehemiah Kalile era um de seus alunos. Certo dia, em 1930, enquanto trabalhava em Vawa (Vwawa) como cozinheiro para os colonos europeus, Nehemiah palestrou detidamente sobre a Bíblia com outro cozinheiro.
Nehemiah descobriu que esse homem sabia coisas surpreendentes da Bíblia. Tratava-se da verdade! Logo depois disso, ele atravessou a fronteira, indo a Mwenzo para ser batizado. Ali ficou profundamente impressionado ao ver pela primeira vez os sete volumes dos Estudos das Escrituras.
Nehemiah Kalile era muito entusiástico. Ansiava contar a seu antigo instrutor da escola dominical o que descobrira. Portanto, no ano seguinte, ele reencontrou seu velho amigo, Hosea Njabula, e falou-lhe sobre a verdade.
Mais de 60 anos depois, Hosea se lembra daquele dia e conta: “Argumentei muito, mas, quando ele me mostrou as passagens bíblicas sobre o sábado, compreendi que se tratava da verdade. Sem demora, comecei a pregar a outros, incluindo Job Kibonde. Nós três começamos a realizar reuniões em minha casa. Fui também falar com meus outros alunos da escola dominical. Convidei-os então para as nossas reuniões. Diversos aceitaram, entre eles Joram Kajumba e Obeth Mwaisabila.”
A Pé por Todo o Planalto
Depois do batismo do irmão Njabula, em 1932, esses irmãos, sem saberem o que era o ministério de pioneiro, pregaram como pioneiros. Caminharam 60 quilômetros em direção do lago Malaui e deram testemunho na região de Kyela, onde Hosea Njabula e Obeth Mwaisabila enfrentaram forte oposição. Embora não soubessem nadar, foram agarrados e jogados dentro de um rio cheio de crocodilos. De alguma forma, talvez com a ajuda de Jeová, escaparam com vida. Logo depois disso, construíram seu primeiro Salão do Reino perto da aldeia de Buyesi, num lugar que chamaram de Belém.
Nesse meio tempo, mais pessoas mostraram interesse em Vawa, onde Nehemiah Kalile ouvira a verdade pela primeira vez, e homens como Solomon Mwaibako, Yesaya Mulawa e Yohani Mwamboneke tomaram posição a favor da verdade. Os que se achavam em Buyesi providenciaram enviar um dentre eles para a aldeia de Ndolezi, perto de Vawa, uma vez por mês, para fortalecer os novos ali. Isso significava percorrer a pé 100 quilômetros para ir e 100 quilômetros para voltar. Às vezes, andavam a pé mais de 200 quilômetros para chegar a Isoka, na Rodésia do Norte, a fim de deixarem seus relatórios na congregação ali e pedirem que fossem enviados ao escritório da Sociedade.
Hoje, seis décadas depois, aos 90 anos, Hosea Njabula ainda é um “diácono”, agora no verdadeiro sentido da palavra, um servo ministerial na Congregação Ndolezi. O irmão Njabula tem a satisfação de ver sua fiel esposa, Leya Nsile, continuar firme ao seu lado, bem como de ter diversos netos ativos no serviço de pioneiro.
Outros também passaram muitos anos no serviço de pregação zelosa. Entre esses achavam-se Jimu Mwaikwaba, que suportou prisão por causa das boas novas; Joel Mwandembo, que mais tarde serviu na qualidade de superintendente de circuito; Semu Mwasakuna, que pregava de bicicleta, entoando cânticos; Ananiah Mwakisisya e Timothy Kafuko.
Outro irmão que ajudou grandemente a dar impulso à pregação do Reino foi David Kipengere, que nasceu em 1922 e aprendeu a verdade em 1935 em Mbeya. Ele pregava em toda a parte e foi mais tarde enviado para iniciar a obra em Dar-es-Salã. Foi pioneiro regular nos últimos 18 anos de sua vida até sua morte em 1983. Foi muitas vezes detido pela polícia, mas não sucumbiu ao desânimo, e dizia: “Há muito serviço que Jeová quer que eu faça na prisão.” Seu irmão, Barnabas Mwakahabala, que aprendeu a verdade com ele, ainda serve como ancião. Esses irmãos fizeram o que puderam nas circunstâncias isoladas em que se encontravam, sem publicações no seu próprio idioma e com limitada habilidade de leitura.
Os contatos com a filial na Cidade do Cabo eram esporádicos, e os relatórios incertos. O Anuário de 1943 indica que 158 pessoas nessa região participavam na obra de pregação, e, em 1946, havia 227 que relatavam em sete congregações. Nos anos anteriores, a atividade das Testemunhas em Tanganica era, pelo que parece, incluída nos relatórios da Congregação Isoka, da Rodésia do Norte, e alguns relatórios provavelmente se extraviaram. Ainda decorreriam muitos anos antes que se pudesse supervisionar melhor a obra de ajuntamento no sul de Tanganica.
A Rodésia do Norte Supervisiona
Havia certamente necessidade de ajuda, visto que as Testemunhas enfrentavam muita oposição da parte da religião falsa e, ao mesmo tempo, lutavam com problemas de poligamia, hábito de fumar e outros costumes não-cristãos.
Em 1948, organizou-se uma nova filial em Lusaca, na Rodésia do Norte, que supervisionaria não só a Rodésia do Norte, mas também a maior parte da África Oriental. Isso revelou ser oportuno, porque, depois de uma longa pausa, estavam prestes a ocorrer novos inícios no Quênia e em Uganda. Embora a filial estivesse a mais de 2.400 quilômetros de Nairóbi, por uma estrada acidentada, era muito mais perto do que a Cidade do Cabo, que distava mais do que o dobro disso.
Assim, em 1948, a filial da Rodésia do Norte enviou Thomson Kangale para ajudar os irmãos. Quando ele chegou a Mbeya, em março daquele ano, havia muita coisa a ser ensinada e reajustada.
O irmão Kangale era instrutor paciente, e nossos irmãos eram rápidos em fazer os necessários ajustes. Por exemplo, aprenderam a se identificar como Testemunhas de Jeová e não mais como o povo da Torre de Vigia. Haviam aprendido e aceitado o nome Testemunhas de Jeová, mas não o usavam publicamente. Em harmonia com o conselho em 1 Pedro 3:15, nossos irmãos aprenderam também a usar de mais tato ao divulgarem a mensagem do Reino. Passaram então a apresentar as boas novas, em vez de apenas atacarem os ensinamentos da religião falsa. E conceitos errados sobre o modo certo de relatar o tempo gasto no ministério de campo foram corrigidos. Além disso, os irmãos passaram a dar mais atenção à limpeza de suas casas. Melhoraram também sua aparência pessoal; muitos precisavam cortar sua barba de aspecto desgrenhado.
Nas reuniões, todos aprenderam a seguir um programa mais ordeiro e eficaz e a se desfazer de relíquias babilônicas, como o uso de sinos religiosos. Na Escola do Ministério Teocrático, entenderam o valor de deixar de anunciar o nome dos que se saíam bem nas recapitulações escritas. Algumas Testemunhas precisavam abandonar certos costumes relacionados com prestar homenagem aos mortos. Para outros era tempo de largarem o hábito de fumar. Mas, provavelmente o ajuste mais difícil foi a legalização de casamentos, tornando-os honrosos perante todos. — Heb. 13:4.
Tentativas Legais de Obter Reconhecimento Oficial
A filial da Rodésia do Norte fez diversas tentativas para que o governo britânico colonial em Tanganica permitisse a entrada de missionários no país e concedesse reconhecimento oficial à nossa obra de pregação. Em 1950, foi indeferido um requerimento com a explicação de que as “condições em Tanganica não eram bem como as de outros territórios africanos”. Em 1951, fez-se outro requerimento, mas de novo sem êxito. No ínterim, um comissário distrital tentara interditar localmente a obra de pregação. Em setembro de 1951, os irmãos foram falar pessoalmente com as autoridades governamentais em Dar-es-Salã, levando um memorando escrito que explicava a posição das Testemunhas de Jeová com relação a organizações religiosas e cerimônias patrióticas. Isto deu motivos de esperança, mas, no ano seguinte, recebeu-se outra resposta negativa. Outras visitas foram feitas pessoalmente em 1956 e mais tarde, mas tudo em vão.
Não obstante esta atitude desfavorável da parte do governo, os publicadores das boas novas não tiveram empecilhos reais à adoração. Pioneiros especiais e superintendentes de circuito da Rodésia do Norte continuavam a prestar ajuda sem problemas.
Continuam os Esforços de Treinamento
Em 1952, Buster Mayo Holcomb, formado em Gileade e superintendente de distrito na Rodésia do Norte, conseguiu ir a Tanganica e ajudar numa assembléia de circuito perto de Tukuyu. Ele disse: “À tardinha, já estávamos perto do local da assembléia e esperávamos chegar ao anoitecer; daí, o céu literalmente desabou sobre nós numa tromba-d’água. Era impossível prosseguir, visto que não enxergávamos a estrada por causa da chuva torrencial. Paramos a camioneta e preparamo-nos para passar a noite da melhor maneira possível, pois, em vez de dar sinais de diminuir, a tempestade parecia aumentar em intensidade. Entretanto, na manhã seguinte, a chuva parou, e, depois de caminharmos dentro da água por certa distância, finalmente chegamos ao local da assembléia e encontramos alguns irmãos. Para a nossa grande surpresa, eles se admiraram de que nós ousássemos sugerir que a assembléia não poderia ser realizada. Sem nenhuma dúvida os irmãos viriam!
“E de fato vieram, embora para alguns isso significasse ter de caminhar naquele mau tempo por dois a três dias. A assistência no domingo à tarde chegou a 419 pessoas, e naquela manhã 61 simbolizaram sua dedicação pela imersão em água.”
Os irmãos acatavam bem os conselhos, e os interessados fizeram notáveis mudanças na vida. Por exemplo, a Bíblia não permite a poligamia. Ela declara que cada homem deve ter “a sua própria esposa e . . . cada mulher o seu próprio marido”, e que um superintendente cristão deve ser “marido de uma só esposa”. (1 Cor. 7:2; 1 Tim. 3:2) Portanto, um chefe tribal que tinha muitas esposas despediu todas menos sua primeira esposa e depois foi batizado. Com o tempo, ele se tornou ancião de congregação. Outro homem que tinha duas esposas deu sua esposa mais nova a seu irmão mais novo e disse que não queria que três almas em sua casa morressem por causa do egoísmo dele. Assim, ele também se habilitou para o batismo.
Outras Testemunhas manifestaram seu amor altruísta renunciando aos seus direitos tradicionais de pedir um preço de noiva ao darem suas filhas em casamento. Tais preços de noiva podem ser proibitivamente elevados para jovens Testemunhas, especialmente para pioneiros. Mas muitos pais se sentiram felizes de ver suas filhas se casarem “no Senhor”. (1 Cor. 7:39) Além disso, tornava o início da vida marital bem mais fácil para o casal, removendo-se a carga do preço de noiva. No início, isto causava espanto, mas, com o tempo, cada vez mais pessoas apreciaram e respeitaram esta expressão de interesse altruísta.
Também, em Tanganica os clérigos tentaram causar dificuldades, mas não tiveram êxito. Quando o irmão Kangale foi detido pela polícia em Mbeya, ele pôde explicar que estava apenas visitando seus irmãos espirituais. A polícia mostrou-se então cooperadora e pediu-lhe que deixasse seu itinerário das visitas programadas às congregações para que pudesse informar outras delegacias de polícia sobre a sua chegada, e assim estas não precisariam preocupar-se com ele. Deste modo, o irmão Kangale pôde viajar livremente em Tanganica por muitos anos. Pioneiros especiais e outros superintendentes viajantes da Rodésia do Norte e de Niassalândia se juntaram a ele em edificar as ovelhas: Frank Kanyanga, James Mwango, Washington Mwenya, Bernard Musinga e William Lamp Chisenga, para se mencionarem apenas alguns. É interessante observar que o irmão Chisenga conheceu Norbert Kawala na cidade de Mbeya em 1957. Ele tinha sede da verdade, recebia duas vezes por semana estudo bíblico, habilitou-se para o batismo e mais tarde serviu como tradutor na filial de Nairóbi, no Quênia.
Exibições de Filme e Expansão Para o Norte
No ínterim, a partir de 1956, foram iniciadas exibições do filme da Sociedade, A Sociedade do Novo Mundo em Ação, em Tanganica, e mais de 5.000 assistiram a tais exibições. Outro impulso dado em 1959 foi quando algumas Testemunhas do ultramar começaram a chegar para servir onde havia maior necessidade de proclamadores do Reino. O número de publicadores em Tanganica começou a subir novamente, para 507 no ano de serviço de 1960.
Entretanto, o progresso nem sempre vinha de modo fácil. Muitas cidades tinham uma grande porcentagem de muçulmanos, o que desafiava as habilidades de pregação do publicador. Também, o clima quente e úmido era difícil para os irmãos estrangeiros. Mas eles tinham o espírito de Isaías, ao dizer: “Eis-me aqui! Envia-me”, e foram abençoados por isso. — Isa. 6:8.
Nas Encostas do Quilimanjaro
Em 1961, Tanganica tornou-se independente, e em 1964 foi unida à ilha de Zanzibar para formar a República Unida da Tanzânia. Entretanto, lá em 1961, começou a prosperar com as boas novas uma nova área na Tanzânia, em volta das encostas do poderoso Quilimanjaro. A mais alta montanha da África é um maciço vulcão extinto, coberto de neve perpétua. As encostas elevam-se suavemente e recebem bastante chuva do leste e do sul. O solo rico e as abundantes chuvas tornam as encostas ideais para agricultura, por conseguinte a região é densamente povoada. Aqui um pioneiro especial da Rodésia do Norte iniciou um estudo bíblico com um grupo de cinco pessoas interessadas.
No ano seguinte, em agosto de 1962, realizou-se uma assembléia de circuito no Hotel Kibo, perto de Marangu, que dava para a majestosa montanha. As Testemunhas do Quênia deram apoio ao evento e viajaram num grupo de carros os 400 quilômetros a partir de Nairóbi. O batismo foi realizado num frio ribeirão de montanha, e pela primeira vez nessa parte do mundo um europeu, Helge Linck, foi batizado por um irmão africano.
Helge Linck conheceu a verdade na infância, na Dinamarca, mas não havia prosseguido nisso. Ele veio a Tanganica para trabalhar numa plantação de açúcar. Em 1959, seu irmão carnal do Canadá visitou a África Oriental e reacendeu seu interesse pela verdade. Quando, em 1961, um pioneiro especial foi preso por ter pregado, Helge providenciou que ele fosse solto. Depois de seu batismo neste cenário pitoresco, na assembléia de circuito no Kibo, Helge iniciou o serviço de pioneiro e mais tarde foi expulso do país por causa da pregação que fazia.
Deixemos brevemente o continente e passemos para a ilha dos cravos-da-índia, Zanzibar, a maior ilha coralina ao largo da costa da África.
Zanzibar — a Ilha do Cravo-da-Índia
Situada a apenas 40 quilômetros do continente, Zanzibar servia como ponto inicial para expedições para o interior da África, tanto para árabes como para europeus. Sua população é quase inteiramente composta de islâmicos e mestiços afro-árabes. Fala-se ali o suaíli, língua que o tráfico de escravos levou até as fronteiras de Angola, na África Ocidental. No século 19, Zanzibar era um grande centro de tráfico de escravos.
Em 1932, dois pioneiros do sul da África fizeram uma breve visita a essa ilha do cravo-da-índia. Vinte e nove anos mais tarde, em 1961, Roston e Joan MacPhee, recém-batizados publicadores das boas novas, mudaram-se para a ilha, procedentes do Quênia. Empreenderam o serviço imediatamente, colocando muitas publicações bíblicas. Em pouco tempo já estavam dirigindo dois estudos bíblicos. A congregação da vizinha Dar-es-Salã programou uma visita mensal de fim de semana a Zanzibar para encorajamento mútuo.
Logo depois de o casal MacPhee ter sido transferido de volta para o Quênia, outra família cristã, os Burkes, chegou a Zanzibar, procedente da América do Norte. Eles cuidaram bem dos interessados e iniciaram outros estudos. Subitamente, no fim de 1963, houve uma revolta na ilha, e a família Burke teve de fugir, deixando quase todos os seus pertences.
Com a partida da família Burke, logo desvaneceram na ilha os interesses do Reino. Depois, em 1986, deu-se novo início quando pessoas interessadas se mudaram para Zanzibar. Logo se desenvolveu um pequeno grupo de publicadores. Certo senhor, que mostrava interesse e tinha excepcional zelo, usava todo o seu tempo de folga para dirigir estudos bíblicos com até 30 pessoas. Que tarefa, pois tinha também serviço secular a fazer! Nos horários das reuniões, compareciam até 45 pessoas. Que surpresa foi ver cinco dessas pessoas prontas para o batismo, em dezembro de 1987, no congresso de distrito em Dar-es-Salã! Já estava então lançado o alicerce para uma congregação nessa ilha histórica.
Deixemos a ilha do cravo-da-índia e retornemos ao continente africano.
Alegrias e Problemas
Em 30 anos de pregação em Tanganica, nossos irmãos tiveram poucos problemas com as autoridades. Na maioria dos casos, a polícia se mostrava muito respeitosa e cooperadora, às vezes até mesmo oferecia equipamento de som para nossas assembléias. Em maio de 1963, quando Milton G. Henschel, da sede mundial da Sociedade, em Brooklyn, visitou Dar-es-Salã, programou-se uma assembléia no Salão Karimjee, o melhor auditório do país. Duzentas e setenta e quatro pessoas assistiram, incluindo o prefeito da capital, e 16 foram batizadas. Uma filial acabava de ser estabelecida no país vizinho, o Quênia, para que se pudesse dar melhor atenção aos interesses do Reino em Tanganica, a atual Tanzânia.
Programou-se publicar A Sentinela em suaíli. A primeira edição foi a de 1.º de dezembro de 1963. Nesse mesmo ano, um curso da Escola do Ministério do Reino deu a necessária orientação e direção para os superintendentes das 25 congregações da Tanzânia. Em setembro e outubro de 1964, foram realizados congressos de distrito, com uma assistência máxima, conjunta, de 1.033.
Havia, porém, problemas. Nunca se concederam vistos de entrada para os missionários das Testemunhas de Jeová, e todas as tentativas de obter reconhecimento legal haviam sido rejeitadas.
Uma Mudança Para Pior
Embora a situação se mantivesse calma na maior parte de 1963 e 1964, ouviu-se a respeito de uma carta, enviada a todos os agentes da polícia, que dizia que as Testemunhas de Jeová haviam sido proscritas e deviam ser presas. Outro golpe foi aplicado em 25 de janeiro de 1965. Uma notícia nos jornais anunciava que a Sociedade Torre de Vigia era ilegal. Contudo, havia dúvidas quanto a se esse anúncio era oficial. Foi nessa atmosfera que se programou em Tanga uma assembléia de circuito, de 2 a 4 de abril de 1965.
Contratou-se um salão, foram feitos preparativos para hospedagem e grande número de Testemunhas veio de trem das fazendas de cultivo de sisal. A caminho, pregaram a outros passageiros, um deles sendo policial. Ao chegarem, ele fez com que todas as Testemunhas fossem detidas pela polícia e levadas para a delegacia de polícia, mas logo foram postas em liberdade.
Em 3 de abril, o segundo dia da assembléia, um anúncio no rádio dizia que o governo havia banido a obra das Testemunhas de Jeová e todos os órgãos legais associados. Entretanto, a assembléia foi concluída sem incidentes. Não houve nenhum anúncio da interdição no diário oficial. Chegaram notícias dos países vizinhos, Malaui (a antiga Niassalândia) e Zâmbia (antes Rodésia do Norte), de que a interdição fora anunciada e depois revogada. Isto foi confirmado pela agência de notícias Reuters. Mas o inevitável por fim aconteceu. Em 11 de junho de 1965, o diário oficial trazia uma nota de que a Sociedade Torre de Vigia e todos os órgãos legais associados haviam sido declarados ilegais.
A polícia ficou então mais alerta, e as tentativas de realizar uma assembléia de circuito no sul do país fracassaram. Algumas detenções esparsas aconteceram depois disso. Às vezes, publicações eram confiscadas, mas, ocasionalmente, eram devolvidas. Os irmãos acharam mais prudente reunirem-se em grupos pequenos. Onde missionários religiosos da cristandade atiçavam a polícia, a situação se tornou mais tensa.
Persistentes Mal-Entendidos
Pouco antes de se impor a interdição, William Nisbet, do Quênia, passou oito duras semanas tentando conseguir uma audiência com as autoridades em Dar-es-Salã, no esforço de obter legalização para as Testemunhas de Jeová. Foi-lhe dada a oportunidade de apresentar a defesa perante o secretário do Ministro dos Assuntos Internos. Pelo que parece, por causa de uma campanha de desinformação por parte das missões da cristandade, muitas autoridades governamentais associaram as Testemunhas de Jeová com as proscritas religiões radicais de Zâmbia e de Malaui.
Como nuvens que não trazem chuva, pairava sobre as autoridades governamentais um temor, sem fundamento, das Testemunhas de Jeová. As autoridades confundiam as Testemunhas de Jeová com os grupos nativos chamados de “Torre de Vigia”, ou Kitawala, que não tinham nada a ver com as Testemunhas.d Essas seitas praticavam adultério e feitiçaria, e com freqüência se rebelavam contra os governos estabelecidos. Também faziam mau uso do nome divino e de algumas de nossas publicações. Eles é que deviam ser temidos, não as verdadeiras Testemunhas de Jeová, amantes da paz. A visita do irmão Nisbet e a documentação por escrito, preparada pela Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (dos EUA), eliminou esses mal-entendidos de algumas autoridades governamentais.
Antes de deixar Dar-es-Salã, o irmão Nisbet deu entrada de um requerimento de legalização da Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia. Que surpresa foi receber um telegrama de irmãos de Dar-es-Salã, seis meses depois da interdição oficial, dizendo que a Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia havia sido registrada sob o Estatuto de Companhias, em 6 de janeiro de 1966. Contudo, as Testemunhas de Jeová e a Sociedade Torre de Vigia continuavam proscritas. Em 24 de novembro de 1966, uma nota governamental declarava que a Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia havia sido dissolvida como companhia, porque suas congregações deixaram de obter registro sob o Estatuto de Sociedades.
Os irmãos de Zâmbia ou de Malaui que haviam chegado à Tanzânia para ajudar tiveram então de deixar o país. A perda deles foi profundamente sentida, mas a verdadeira adoração na Tanzânia não estava de forma alguma morta. Em 1966, o número das pessoas que assistiram à Comemoração da morte de Cristo foi de 1.720, e 836 estavam ativas na pregação do Reino.
Seicheles — as “Ilhas Paraíso”
“Sem igual em mil milhas” é o lema usado para fazer publicidade das Seicheles, mil milhas (1.600 km) ao largo da costa da África Oriental e habitat de tartarugas tão grandes que se pode montar nelas. O arquipélago de Seicheles é composto de cerca de 100 ilhas, e estende-se até as proximidades de Madagáscar. Algumas são graníticas, como a ilha principal, Mahé, e outras são compostas de corais. Possuem tudo que torna as ilhas tropicais atraentes: montanhas, rochas pitorescas, praias de areia de um branco prateado, águas azul-turquesas, lindos recifes, vegetação luxuriante, aves exóticas que voam no ar aromatizado de especiarias silvestres, e ausência de doenças tropicais.
Os habitantes — 90 por cento dos quais moram em Mahé — falam um francês patoá chamado crioulo. São descendentes principalmente de africanos, de colonos ingleses e franceses, de indianos e de chineses.
Em 1961, chegou da África Oriental uma pessoa interessada nos ensinamentos da Bíblia conforme explicados pelas Testemunhas de Jeová. No ano seguinte, chegaram Testemunhas, incluindo quatro membros da família McLuckie, da Rodésia do Sul, e começaram a dar testemunho informal. Entretanto, eram proibidos os discursos bíblicos em público, por causa da forte presença dos católicos romanos. Contudo, em abril de 1962, na primeira reunião organizada, havia 12 na assistência, e já nessa época 8 participavam no ministério de campo.
Fracassa a Oposição
Mas logo surgiu a conhecida perseguição da parte das igrejas da cristandade. O Departamento de Imigração pediu para a família McLuckie deixar o país até 25 de julho de 1962. A polícia disse a outro irmão estrangeiro que não pregasse e que seu visto de turista não seria renovado. Sacerdotes católicos faziam sermões e escreviam longos artigos nos jornais locais, advertindo o povo contra as Testemunhas.
Isto teve um efeito contrário ao esperado. Muitas pessoas nunca haviam ouvido falar das Testemunhas de Jeová. Entretanto, com sua curiosidade agora aguçada, começaram a indagar. A marcha da verdade bíblica não podia parar nas Seicheles! Em 15 de julho de 1962, uma semana antes de a família ir embora, o primeiro casal nativo das Seicheles, Norman e Lise Gardner, foi batizado. A família que estava partindo considerou isto uma excelente recompensa pelos seus gastos e esforços em iniciar a obra naquelas ilhas distantes.
Cinco meses mais tarde, duas pessoas aposentadas, ambas Testemunhas da África do Sul, chegaram a Mahé para se estabelecer e ajudar na obra de pregação. Depois de pouco tempo, publicaram um anúncio no jornal local, convidando os interessados em estudar a Bíblia a contatá-los. Logo no dia seguinte, receberam uma carta que cancelava o seu visto de permanência. Mas, nos quatro meses que permaneceram nas Seicheles, distribuíram muitas publicações bíblicas e deram bom testemunho. Agora, porém, nenhuma Testemunha residia nas ilhas, visto que o casal Gardner também havia partido.
Depois de um intervalo de apenas alguns meses, o serviço foi reiniciado quando o casal Gardner retornou de uma breve transferência de serviço em Cartum, no Sudão. Durante a ausência deles, tiveram ótima associação com os fiéis irmãos no Sudão, bem como no Quênia e na Rodésia do Sul. Estabeleceram-se na ilha Cerf, que fica a aproximadamente meia hora de barco de Mahé. Visto que havia apenas cerca de uma dúzia de famílias nessa ilha, não era vantajoso para a atividade de pregação o fato de estarem isolados. Entretanto, como únicos publicadores nas Seicheles, faziam muito esforço e mantinham uma média de 30 horas por mês no ministério de campo.
Em 1965, foram organizadas as primeiras visitas de superintendentes de circuito. Outras coisas boas aconteceram naquele ano. Exibiu-se um filme bíblico perante uma assistência de 75 pessoas. Três pessoas interessadas se juntaram ao casal Gardner na atividade de pregação e foram batizadas naquele ano. As reuniões foram devidamente organizadas em base regular.
Apesar de o casal Gardner gostar muito da ilha Cerf, seu amor ao próximo era maior, de modo que em 1966 eles se mudaram para a ilha principal de Mahé, a fim de que houvesse um centro para a promoção da verdadeira adoração. Construiu-se um Salão do Reino conjugado à sua casa, abrindo-se assim o caminho para maior expansão.
Stephen Hardy e sua esposa Bárbara, missionários ingleses que serviam em Uganda, fizeram repetidas visitas de circuito às Seicheles. Durante uma visita, em 6 de dezembro de 1968, havia 6 publicadores ativos, e 23 estavam presentes para a dedicação do novo Salão do Reino.
Em 1969, fez-se uma tentativa de registrar a obra e solicitar visto de entrada para missionários. Ambos os requerimentos foram indeferidos. Não se apresentou nenhum motivo para isso.
O crescimento foi lento, visto que algumas pessoas jovens emigravam à procura de emprego, e o medo do homem restringiu muitos outros, o que é bastante comum numa população um tanto pequena. Também, o analfabetismo, a atitude geral de indiferença e a difundida imoralidade eram verdadeiros obstáculos para muitos. Mas outras pessoas — como certo funcionário do governo, com uma família numerosa, que fazia seu estudo bíblico diariamente durante os intervalos do almoço — progrediram de modo rápido. Assim, em 1971, 40 assistiram à Comemoração da morte de Cristo, e 11 estavam ativos no ministério de campo. A mensagem do vindouro Paraíso na terra continuou a ressoar nas belas ilhas Seicheles.
Burundi — Os Primeiros Anos
Antes de servir em Uganda e visitar as Seicheles, o casal Hardy havia sido designado para o lindo Burundi, um pequeno país pitoresco, com milhares de colinas, situado entre a Tanzânia e o Zaire. É densamente povoado por laboriosos agricultores, que cultivam principalmente a banana-são-tomé, nas encostas de colinas, em plantações dispostas em forma de terraços.
Durante a dominação colonial belga, a Sociedade Torre de Vigia fez pedido de visto de entrada para enviar missionários a Usumbura, hoje Bujumbura, capital do Burundi, mas isto foi recusado. A independência em 1962, porém, criou circunstâncias políticas diferentes, e em outubro de 1963 dois pioneiros especiais da Rodésia do Norte conseguiram um visto de três meses de permanência, que foi renovado sem dificuldades. Apenas três meses mais tarde, em janeiro de 1964, quatro formados em Gileade chegaram com vistos de permanência indefinida.
Pressão Religiosa
Desde o início, as pessoas se mostraram favoráveis às boas novas do Reino. Quando os missionários chegaram ao Burundi, os pioneiros especiais já estavam dirigindo muitos estudos bíblicos, e nove publicadores pregavam as boas novas. Mas no mês seguinte, informou-se aos missionários que seria necessário registrar a sua organização para que lhes fossem concedidas licenças de trabalho.
Os irmãos estavam certos de que o registro poderia ser obtido. Entretanto, nas semanas que se seguiram, o chefe do serviço de imigração e outras autoridades demonstraram atitude má. Por trás disso estava a pressão religiosa sobre essas autoridades. Portanto, em princípios de maio, os missionários receberam o prazo de dez dias para deixarem o país. Imagine o desapontamento deles por terem de deixar 70 pessoas com as quais estudavam a Bíblia!
Por volta do fim de maio, os pioneiros especiais também tiveram de partir. Isto deixou um só irmão tanzaniano com uma grande tarefa, a de cuidar de umas 30 pessoas que estudavam a Bíblia. Apesar da perda dos pioneiros e dos missionários, os publicadores locais continuaram a pregar. Em 1967, houve um auge de 17 publicadores que relataram, e 32 assistiram à Comemoração. Infelizmente, no ano seguinte, surgiram dificuldades, visto que alguns irmãos não aceitavam os superintendentes designados. Isto fez com que o número de publicadores para aquele ano de serviço caísse para oito. A cura para isso era o conselho bíblico que foi dado. Com o tempo, os irmãos sanaram seus problemas. Portanto, no ano de 1969, havia 25 ativos no ministério de campo e 58 assistiram à Comemoração.
Novatos Suportam Tortura
A diligência dessas Testemunhas suscitou a ira dos clérigos, que pressionaram o governo. Em agosto de 1969, sete Testemunhas foram detidas e torturadas pela polícia, que as fez ficar de pé durante dois dias dentro de água que lhes dava até à cintura. Mas, como os apóstolos do primeiro século, não se intimidaram. Dois meses depois, mais nove pessoas se batizaram. Duas vezes depois disso, as autoridades pediram aos irmãos que registrassem sua religião, mas ambas as vezes seus requerimentos foram indeferidos. Houve novos auges a cada ano que se seguiu, 46, 56, 69, 70 e 98 publicadores, junto com a formação da congregação em Bujumbura, em 1969.
Em 1972, houve sérias lutas entre as tribos dos tussis e dos hutus. Noticiou-se que mais de 100.000 hutus foram mortos durante os conflitos, incluindo pelo menos quatro Testemunhas de Jeová. Outras Testemunhas foram presas, algumas delas por oito meses. Apesar do tumulto, os irmãos mostraram-se diligentes no serviço de campo e relataram, em média, mais de 17 horas por mês para cada publicador.
Depois de dez anos de crescimento, ainda continuava o incômodo problema da devida supervisão teocrática. Embora uma grande porcentagem dos irmãos fosse firme, em outros assuntos mostravam-se espiritualmente imaturos, faltando-lhes um bom fundamento e discernimento. Das regiões vizinhas, uma influência de corrente oculta da Kitawala, o falso “movimento da Torre de Vigia”, influiu em alguns. Estes problemas não eram de surpreender, visto que os irmãos nunca haviam tido a visita de um representante do Corpo Governante, nunca haviam visto filmes da Sociedade, nem haviam tido curso especial para superintendentes de congregação, nem assembléias, nem publicação alguma no seu idioma. Assim, em 1976, a supervisão do país foi transferida para a filial do Zaire. Deste modo, os irmãos que falavam o francês e o suaíli podiam prestar a ajuda necessária às Testemunhas no Burundi.
É interessante notar que, por ocasião das matanças intertribais, o expulso líder do Burundi recebeu um testemunho cabal antes de sua morte no exílio. Um missionário em visita ao país encontrou esse homem em Mogadiscio, na Somália. Tiveram longas palestras, e esse ex-governante fez muitas perguntas, ficando profundamente impressionado. Foi só mais tarde que o missionário ficou sabendo a quem ele havia dado testemunho.
Anos Áureos Para os Missionários na Uganda
A expulsão dos missionários do Burundi beneficiou Uganda, onde, em 1964, havia um sólido núcleo de publicadores ativos. Finalmente, depois de mais de 30 anos de esforço e com a chegada do primeiro casal de missionários, irmãos e irmãs maduros vieram para servir onde havia maior necessidade. Mais missionários haviam de chegar.
Depois de se estabelecer o primeiro lar missionário em Campala, um segundo foi aberto na cidade industrial de Jinja, onde o rio Nilo flui para o norte a partir do lago Vitória. O progresso foi rápido e logo se formou uma congregação.
Nesse meio tempo, a mensagem do Reino chegara a pequenas cidades dos distritos em toda a Uganda, e, em 1967, o número dos publicadores era de 53. No ano que se seguiu, estabeleceu-se mais um lar missionário em Mbale, uma cidade que se desenvolvia nas encostas ocidentais do monte Elgon, perto da fronteira do Quênia. Em 1969, havia 75 publicadores, e esse número subiu para 97 no ano seguinte, e para 128 em 1971.
Desde 12 de agosto de 1965, a obra havia sido oficialmente legalizada. Em 1972, as coisas pareciam muito promissoras. Um novo auge de 162 publicadores fora atingido, e cinco novos missionários acabavam de ser admitidos no país. Estavam sendo feitos preparativos para a realização do maior congresso das Testemunhas de Jeová em Uganda, no Estádio Lugogo, em Campala. As Testemunhas vieram dos países vizinhos do Quênia e da Tanzânia e até mesmo da longínqua Etiópia. Sessenta e cinco irmãos etíopes viajaram em ônibus fretados, alguns dos quais viajaram quase 3.200 quilômetros durante duas semanas.
Tumulto em Uganda
Os visitantes que chegavam a Uganda ficaram surpresos de ver o grande número de professores estrangeiros e famílias asiáticas indo em direção oposta, fugindo depressa do país. O cenário político mudara depois de um golpe de estado, e as pessoas temiam quanto ao seu futuro. Parecia que todos, exceto as Testemunhas, queriam deixar o país. A situação estava tensa. Contudo, em meio a toda essa agitação, uma faixa de 18 metros, estendida sobre a rua principal de Campala, anunciava destemidamente o discurso público do congresso. Os irmãos ficaram gratos de que a Assembléia de Distrito “Regência Divina” foi realizada com sucesso, com um auge de 937 pessoas no discurso público. Os antigos em toda a África Oriental ainda guardam boas recordações dessa assembléia em Campala.
Embora houvesse muito interesse pela verdade bíblica e grandes quantidades de publicações fossem distribuídas, formavam-se nuvens negras no horizonte. Recusou-se prorrogar a licença de trabalho para dois casais de missionários, de modo que tiveram de partir no prazo de três meses. Depois, em 8 de junho de 1973, sem nenhum aviso, o governo proibiu 12 grupos religiosos, incluindo as Testemunhas de Jeová. Os 12 missionários que ainda restavam tiveram de partir até 17 de julho de 1973. Isto foi um evento triste para todos os colaboradores estrangeiros, e aconteceu numa época em que até mesmo no Quênia havia dificuldades com liberdade de religião.
A maioria dos missionários teve de retornar a seus países de origem, mas alguns casais que tinham servido onde havia maior necessidade, em Uganda, conseguiram fixar residência no Quênia para prestarem ajuda adicional. Entre esses estavam Larry e Doris Patterson, bem como Brian e Marion Wallace. O casal Hardy foi servir na Côte d’Ivoire e depois no Betel de Londres, em 1983.e
Não existia mais lei e ordem em Uganda. Por exemplo, um pioneiro foi preso e levado ao quartel militar para interrogatório. Seu crime? Receber dinheiro de “espiões” europeus. Ele fora observado ao visitar o lar missionário. Apesar das claras explicações que deu do caráter voluntário de sua obra de pregação, ele foi espancado e, daí, deram-lhe uma pá para cavar sua própria cova. Ao terminar a cova, ordenou-se-lhe que cavasse mais duas para os “espiões” europeus, isto é, os missionários! Ao completar estas, três soldados com fuzis o derrubaram e daí atiraram. Erraram o alvo! Uma bala bateu no dorso da bota de um dos soldados e ricocheteou, o que deu início a uma discussão entre os soldados, desviando a atenção deles. O irmão permaneceu deitado ali por algum tempo e foi posto em liberdade no dia seguinte.
Daí em diante as congregações tinham de se reunir às ocultas e se ajustar a novas circunstâncias. A vida em geral se tornara de pouco valor, e trabalhar para uma religião proibida representava risco adicional.
O Sudão Meridional Abre as Portas
Em fins da década de 60, o Sudão também tinha suas tensões, principalmente entre os habitantes do norte e os do sul. Longe da filial, em Nairóbi, e bem isolada dos irmãos de qualquer outra parte, a congregação de Cartum continuava corajosamente com a obra. Em agosto de 1970, houve um auge de 54 publicadores pouco antes de o mais experiente ancião da congregação, George Orphanides, deixar o país.
Bem nessa época, diversas Testemunhas foram acusadas de serem sionistas, sendo interrogadas pelas autoridades durante dois dias inteiros. Também, duas pioneiras, ao visitarem uma senhora interessada, foram surpreendidas por um sacerdote cóptico, que chamou a polícia e disse que elas eram espiãs de Israel. Na delegacia de polícia as irmãs puderam dar um bom testemunho e daí foram postas em liberdade. Embora experiências como estas fizessem algumas Testemunhas ficar temerosas, para outras foram fortalecedoras da fé.
Até aqui toda a nossa história sobre o Sudão se concentrou em Cartum. Mas havia um grande campo ainda não tocado: o sul, cheio de pessoas de formação cristã nominal. Como penetraria a verdade nessa vasta área? Em 1970 deu-se o avanço, quando um jovem do sul, editor de uma revista católica, foi contatado pelas Testemunhas. Ele fez rápido progresso no seu estudo da Bíblia e logo começou a dirigir estudos com seus amigos e parentes. Um de seus amigos divulgou corajosamente a mensagem do Reino na escola que freqüentava, embora fossem publicados panfletos contra a mensagem.
Em 1973, havia diversos grupos pequenos de pessoas interessadas no sul do país, e 16 estudantes da Bíblia naquela área foram batizados. Além de perceberem o som claro da verdade bíblica, esses sulinos foram atraídos ao verem uma religião que pratica o amor sem hipocrisia, onde a verdadeira fraternidade transpõe as divisões tribais e raciais.
Em princípios da década de 70, o Sudão meridional tinha um atrativo que lhe era próprio, talvez por estar isolado. Uma viagem de Cartum a Juba por trem e navio levava mais de uma semana. As pessoas em geral não ligavam para os eventos mundiais. Eram extraordinariamente gentis e hospitaleiras. Alguns hotéis não tinham nem chaves nem trancas nos quartos de hóspedes. As pessoas faziam esforços extras para orientar, alimentar ou alojar viajantes em trânsito, sem esperar remuneração. De fato, na maioria dos casos era terminantemente recusada. Cada vez mais pessoas assim, de bom coração, ouviam e aceitavam a verdade sobre o propósito de Jeová.
Com a abertura do campo no sul e em razão de uma aceitação melhor das publicações bíblicas, houve constantes aumentos, e em 1974 alcançou-se um auge de 100 publicadores no Sudão.
Intensa Perseguição na Eritréia
Logo do outro lado da fronteira oriental do Sudão fica a Eritréia. Em princípios da década de 60 — após a expulsão dos missionários — usou-se extensivamente o rádio, jornais e outros meios de publicidade para fazer uma campanha maldosa contra as Testemunhas de Jeová. Sob manchetes tais como “Falsos Profetas” e “Cuidado com a Pretensão Religiosa Que Conduz à Renegação da Verdadeira Fé”, as Testemunhas eram retratadas como pessoas que odiavam o imperador e a igreja e que rejeitavam a Trindade e a Virgem Maria. Disseram que eram agentes de inimigos estrangeiros, pessoas sem moral, que não lutavam para defender a pátria. Ouviam-se pedidos para que se tomasse ação drástica, a fim de tornar o país livre do povo de Jeová.
Os sacerdotes da Igreja Ortodoxa Etíope eram os principais fomentadores de ódio. Numa festa de batizado, onde compareceram mais de 20.000 pessoas, o principal sacerdote anunciou pelo sistema sonoro uma resolução que excomungava as Testemunhas de Jeová, ordenando às pessoas que não as cumprimentassem nem lhes dessem emprego, tampouco enterrassem seus mortos.
Muitas pessoas tiveram a impressão de que se tratava de “temporada de caça livre” às Testemunhas de Jeová — que agora podiam ser mortas por qualquer pessoa, sem conseqüências legais! Os senhorios deviam expulsar inquilinos que fossem Testemunhas de Jeová. Foi dito aos pais que, se qualquer de seus filhos fosse Testemunha, devia ser expulso de casa, amaldiçoado e deserdado. Numa família numerosa, 18 jovens foram forçados a abandonar o lar por estudarem com as Testemunhas de Jeová.
Em certa cidade, uma turba queria espancar um bem-conhecido irmão, mas não conseguiu encontrá-lo. A polícia começou a prender os irmãos, tentando forçá-los a assinar declarações que negassem sua fé e admitissem que estavam trabalhando contra a segurança do governo. Devido à falta de entendimento, alguns irmãos assinaram, mas ao compreenderem seu erro, solicitaram, por escrito, imediata anulação de suas assinaturas, quaisquer que fossem as conseqüências.
Outros enfrentaram o laço de sutil persuasão: “Poderá conservar sua crença no íntimo; simplesmente diga-nos que você não é Testemunha”, solicitaram as autoridades. Para os jovens presos que eram Testemunhas, as autoridades usavam uma tentação diabolicamente mais sutil. Em dado dia, escolhiam um jovem preso entre as Testemunhas e providenciavam que grande número de seus parentes de cabelos grisalhos o visitassem. Ao chegarem, os parentes primeiro o fitavam em silêncio, daí desatavam a chorar, ficavam de joelhos e lhe imploravam para que renunciasse à sua fé em Jeová. Os irmãos que enfrentaram tais pressões relembram que era a provação mais difícil. Essa intensa perseguição e pressões continuaram por anos.
Trégua e Consolidação na Etiópia
Naqueles mesmos anos, as Testemunhas de Adis-Abeba e os da Etiópia meridional sofreram grande perseguição, embora não tão intensa como na Eritréia. Em 1962, a Etiópia e a Eritréia se uniram como um só país, o que resultou em dificuldades políticas até à década de 90.
Em 1964, revelou ser prático transferir a supervisão de todas as congregações da Etiópia para a recém-formada filial do Quênia. Representantes da filial, vindos de Nairóbi, fizeram serviço de circuito na Etiópia e, ao visitarem as congregações, ajudavam a melhorar certos sérios desacordos entre os designados anciãos de congregação. Em muitas congregações, o Estudo da Sentinela era dirigido em estilo de debate. Um superintendente de circuito local estava promovendo suas próprias idéias e não as da Bíblia, de modo que teve de ser substituído. Tais problemas tornaram mais lento o aumento nos anos de 1964 e 1966, quando o número de publicadores permaneceu em torno de 200.
Ainda assim, a verdade se espalhava. Uma Testemunha que estava de férias em Massaua, quente porto do mar Vermelho, contatou no correio uma pessoa interessada e iniciou um estudo bíblico. Outros etíopes interessados se juntaram ao estudo e logo se estabeleceu uma congregação. Quase nessa mesma época, outra congregação nova surgiu mais ao sul, em Aseb, o outro porto marítimo da Etiópia.
Embora as publicações estivessem banidas desde 1957, as Testemunhas encontravam meios de fornecer o alimento espiritual nos idiomas locais. Em 1966, foi realizado o curso da Escola do Ministério do Reino por duas semanas na capital, dando-se aos superintendentes designados instrução sobre organização teocrática e assuntos bíblicos. Assim, os irmãos chegaram a ter uma atitude mais teocrática e progressiva, e no ano de serviço de 1967 houve um aumento de 21 por cento, com um total de 253 publicadores.
Apesar de um alívio na pressão religiosa, as Testemunhas tiveram de continuar a se reunir em grupos pequenos por causa das tensões políticas no país. Embora o diário oficial do governo imperialista garantisse liberdade de culto para todos e alistasse as Testemunhas de Jeová junto com outras religiões às quais se concediam tais direitos, todos os requerimentos de registro foram indeferidos.
Sacerdotes Aprendem Sobre Jeová
Assim como aconteceu no primeiro século em Jerusalém, diversos sacerdotes de coração honesto deram atenção às verdades bíblicas. (Atos 6:7) Um sacerdote honesto admitiu a uma Testemunha: “Na realidade, vocês estão fazendo um trabalho que eu é que deveria fazer. Sua visita hoje é realmente uma bofetada no meu cargo de sacerdote.”
Outro sacerdote começou a fazer perguntas sobre os ensinamentos das Testemunhas de Jeová e encontrou respostas satisfatórias para suas perguntas bíblicas — em palestras que às vezes duravam até 12 horas de cada vez! O resultado? Ele legalizou seu casamento, tornou-se zeloso pela verdade e deu testemunho a uma freira. Ela programou um debate entre seu filho (um ancião na igreja) e uma Testemunha, prometendo que, se a Testemunha “ganhasse”, ela começaria a estudar a Bíblia.
Bem, o filho “perdeu”. Mais tarde, ele abordou o superintendente de circuito visitante e o crivou de perguntas durante 20 horas, com apenas um intervalo de 4 horas para dormirem um pouco! O resultado? A família inteira passou a estudar, e 15 membros progrediram bem na verdade; até mesmo a freira se batizou, e seu filho se tornou pioneiro especial.
Tempos Melhores de Curta Duração
Em princípios de 1971 os irmãos na Etiópia tinham muitos motivos para se regozijar. O irmão Henschel, do Corpo Governante, visitou Adis-Abeba e Asmara, e falou perante uma assistência de 912 pessoas. O número de publicadores no país atingira uns 500. E uma grande remessa de publicações chegara ao país.
Mas haveria dificuldades. No decorrer do ano, radiodifusões censuravam iradamente as Testemunhas de Jeová. Mais de 20 apóstatas cooperaram com os clérigos, ajudando-os a escrever artigos caluniosos.
Em certa localidade, a polícia entrou num salão de reuniões, confiscou 70 Bíblias e deteve brevemente algumas Testemunhas. Depois, o Salão do Reino em Asmara foi fechado, forçando a congregação a reunir-se novamente em pequenos grupos. Contudo, a obra não diminuiu o passo. Em 1971, os novos que se batizaram somaram 142 pessoas, e 2.302 assistiram à Comemoração da morte de Cristo.
Novos grupos estavam sendo formados em lugares isolados, e dois superintendentes de circuito fizeram suas visitas para cuidar de 25 congregações e grupos, bem como de pessoas interessadas isoladas. Logo o número de publicadores passou o marco de 1.000, com um auge de 1.844, em 1974.
Perseguidos, mas não Deixados Cambaleando
A oposição não parou. Em 1972, a polícia chamou diversos irmãos para interrogatório, e avisou que tomaria ação se suas atividades não cessassem. Depois, em 27 de agosto de 1972, chegaram grandes caminhões onde os irmãos se reuniam aos domingos; a polícia prendeu 208 Testemunhas e pessoas interessadas. Numa congregação, o orador estava palestrando a respeito da profecia de Ezequiel, sobre o ataque de Gogue (Satanás), e perguntou: “O que diriam se a polícia chegasse aqui para nos prender?” É curioso que foi exatamente isso o que aconteceu alguns minutos depois!
A polícia conduziu 59 irmãos para um aposento de uns três metros quadrados, infestado de percevejos. Colocaram 46 irmãs espremidas em outro aposento do mesmo tamanho. Forçaram os outros a dormir ao relento no frio. Negou-se-lhes fiança. Tampouco se lhes permitiu ter um advogado de defesa. Embora os irmãos dessem bom testemunho às autoridades carcerárias, 96 foram sentenciados a seis meses de prisão. Alguns dias mais tarde, e depois de se lhes rapar a cabeça, foram soltos sob fiança.
Os demais 112 foram acusados de estabelecer uma associação religiosa ilegal, e foram sentenciados a seis meses de prisão. Depois de um mês, esses irmãos foram soltos sob fiança. Mais tarde, foram de novo chamados perante o tribunal, tornaram a ser presos, e daí soltos sob fiança depois de 12 dias. Quase um ano depois do primeiro encarceramento, o Tribunal Superior deu provimento ao recurso e sustentou a decisão do tribunal de menor instância, mas suspendeu a sentença com firmes advertências. As Testemunhas haviam sido perseguidas, mas não deixadas cambaleando. (2 Cor. 4:9) Nesse meio tempo, durante o período de encarceramento, os irmãos pregavam destemidamente e ajudaram até a dedicação a dois detentos que estavam cumprindo prisão perpétua.
Uma Visita Útil e Mais Alimento Espiritual
William Nisbet, da filial de Nairóbi, visitou Adis-Abeba e encontrou outro problema. Um crescente número de jovens irmãos emotivos professavam ser dos ungidos, com esperança celestial. Participavam no serviço de campo apenas uns com os outros e ressentiam-se de receber conselhos de alguém que não professasse ser dos ungidos. Suas reuniões eram caracterizadas por ruidosas manifestações do “espírito santo”. Por exemplo, na celebração da Comemoração da morte de Cristo, alguns gritavam, pegavam impetuosamente os emblemas das bandejas e ficavam de pé para participar desses, focalizando a atenção em si próprios. Levou tempo para se cuidar desses problemas. Nos anos que se seguiram, muitos dos mais eloqüentes e obstinados participantes não permaneceram Testemunhas fiéis.
Em 1973, tornaram-se disponíveis algumas publicações muito necessitadas, incluindo os livros A Verdade Que Conduz à Vida Eterna e Verdadeira Paz e Segurança — De Que Fonte?, em amárico, e Organização Para Pregar o Reino e Fazer Discípulos, em tigrina. Esse excelente alimento espiritual, junto com uma série de pequenas assembléias de circuito, às quais 1.352 pessoas compareceram, teve um efeito fortalecedor sobre a fé dos irmãos.
Além disso, um grupo de Testemunhas etíopes foi continente adentro, à Assembléia Internacional “Vitória Divina”, em Nairóbi, onde os irmãos Henschel e Suiter, do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová, participaram. Mas mudanças políticas haviam de ocorrer em breve, e uma revolução logo mudaria o cenário teocrático da Etiópia.
Reconhecimento Legal e Filial no Quênia
Retornemos agora ao Quênia para acompanharmos os acontecimentos ali. O país acabava de se tornar independente da dominação britânica quando, na última assembléia de circuito, no estilo de piquenique, em fevereiro de 1962, Harry Arnott, o representante do Corpo Governante em visita ali, fez um histórico anúncio aos 184 presentes. Aquela seria a última assembléia ilegal no Quênia. Acabava de ser concedido reconhecimento legal às Testemunhas de Jeová! As cinco pequenas congregações de Nairóbi podiam doravante unir-se num agradável salão perto do centro da cidade. Quão alegres ficaram os irmãos de saber que passavam então a ser uma congregação maior, com 80 publicadores! Houve uma assistência de 192 pessoas na Comemoração, sua primeira reunião em liberdade.
Os eventos aconteceram em rápida sucessão. Peter e Vera Palliser, da filial de Zâmbia, foram designados para ajudar no Quênia. O casal Palliser e o recém-formado casal McLain mudaram-se para o primeiro lar missionário no sul de Nairóbi, e abriu-se uma filial em 1.º de fevereiro de 1963. Naquele tempo, havia cerca de 150 publicadores no Quênia e em Uganda, o que significava pouco trabalho no escritório, talvez um ou dois dias por semana. Um pequeno aposento de dois e meio por três metros, no apartamento, era suficiente como escritório.
Mas, logo outros países, como a Tanzânia e a Etiópia, vieram a estar sob a direção da filial do Quênia, mais que dobrando o serviço. Tomaram-se providências para que houvesse entre os irmãos pessoas cadastradas para realizar casamentos. As assembléias de circuito foram organizadas em salões públicos ou em escolas, e o irmão Henschel visitou e deu orientação necessária quanto a como operar a nova filial.
Abre-se um Campo Segregado
Exigiu esforço para vencer a segregação remanescente dos tempos coloniais. Havia histórias de que era inseguro entrar nas partes da cidade onde moravam africanos nativos, até mesmo de dia. Mas os novos missionários e os irmãos que serviam onde a necessidade era maior estavam ansiosos de expandir suas atividades. Escolheu-se como primeiro território um local onde moravam ferroviários.
Era a estação das chuvas, e grandes quantidades de barro grudavam nos sapatos dos zelosos pregadores. Essas eram as primeiras tentativas de usar suas cuidadosamente preparadas apresentações bíblicas em suaíli. A reação? Muitas mulheres ouviram com ar perplexo, gesticulando para explicar que não entendiam inglês. Que alívio era descobrir, quando os maridos que entendiam inglês voltavam para casa do trabalho, que as esposas tampouco entendiam muito o idioma suaíli.
Para os irmãos estrangeiros era uma tarefa e tanto aprender suaíli, visto que poucas palavras se parecem com qualquer língua européia. Mas há uma gramática lógica, e logo as coisas se tornam claras. A pronúncia é fácil, e o vocabulário é maior do que o da maioria das línguas africanas.
Naturalmente, durante o período de aprendizagem, não deixava de haver enganos. Uma irmã queria falar sobre “serikali ya Mungu” (Governo de Deus), mas, em vez disso, disse “suruali ya Mungu” (calças de Deus). Certo irmão tinha dificuldades, pois misturava o cumprimento comum “Habari gani?” (Quais as novidades?) com “Hatari gani?” (Qual o perigo?). Uma missionária achava que não conseguiria matar uma galinha e queria pedir para um pioneiro especial: “Poderia matar uma galinha para mim?” Em vez de “kuua” (matar), saiu “kuoa”, resultando em dizer: “Poderia casar esta galinha para mim?” Um missionário, que dirigia uma parte com perguntas e respostas, chamava todos os irmãos de “Dudu” (inseto), em vez de “Ndugu” (irmão).
Para as muitas crianças, naturalmente, esses estrangeiros eram uma novidade. Algumas tocavam nas mãos dos irmãos para ver se o branco da pele saía. Dezenas de crianças costumavam seguir os publicadores de casa em casa. As histórias de que havia ressentimentos contra os estrangeiros revelaram ser infundadas. Ao contrário, muitas pessoas tinham genuína fome da verdade bíblica. Na maioria dos casos, os visitantes eram convidados a entrar e a sentar, e às vezes até mesmo se lhes oferecia chá ou comida. Era uma experiência totalmente nova!
Nossos publicadores estrangeiros também tiveram de aprender a ser seletivos ao oferecerem estudos bíblicos — tantos estavam ansiosos de aceitar que era impossível estudar com todos. Antes do fim do ano, formou-se uma segunda congregação em Nairóbi, no produtivo território Eastlands. As Testemunhas se sentiam bem à vontade, uma vez que seu território incluía regiões como “Jerusalém” e “Jericó”, e em pouco tempo os irmãos tinham tantos estudos quantos podiam dirigir.
É interessante notar que cerca de uma dezena dos que aprenderam a verdade naquele tempo e se associaram com as duas congregações originais em Nairóbi ainda estão servindo fielmente, uns 30 anos mais tarde.
O primeiro livro em suaíli, Do Paraíso Perdido ao Paraíso Recuperado, foi lançado em junho de 1963. Era um instrumento adequado para os que buscavam a verdade, de todos os níveis de instrução. Depois disso, o Ministério do Reino em suaíli era mimeografado e A Sentinela era produzida em Zâmbia no idioma suaíli.
Nesse meio tempo, Alan e Daphne MacDonald, da Escola de Gileade, mudaram-se para a sua designação na ilha de Mombaça, na costa do Quênia, ao passo que o casal McLain havia sido designado para Campala, Uganda, quais primeiros missionários ali. Isto abriu espaço para William e Muriel Nisbet se mudarem para o escritório da filial. Quão felizes se sentiram de estarem livres novamente para participar juntos do serviço de tempo integral. Por sete anos, para poderem permanecer no país, o irmão Nisbet havia trabalhado em serviço secular. O casal Nisbet empreendeu então o serviço de circuito no Quênia, junto com algum serviço de distrito na vizinha Tanzânia.
Expansão nas Cidades do Quênia
Em Mombaça, o casal MacDonald encontrou uma pequena congregação composta de Testemunhas estrangeiras que haviam chegado para servir onde a necessidade era maior, bem como um pequeno grupo de Testemunhas africanas que vieram da Tanzânia a Mombaça para trabalhar. Agora que estava livre a atividade de pregação, esses irmãos organizaram rapidamente sua primeira reunião. Eles eram 30. Todavia, a maioria dos irmãos africanos não eram legalmente casados. Portanto, certo domingo, um dos irmãos cadastrados da Sociedade para realizar casamentos efetuou o casamento de 14 casais. No domingo que se seguiu, todos eles foram rebatizados.
O território em Mombaça apresentava um grande desafio para os irmãos, visto que havia ali muitas religiões. Os zoroastrianos adoravam o fogo e afirmavam que sua religião começou nos dias de Ninrode. As diferentes seitas do hinduísmo incluíam não somente os siques que usavam turbante, mas também os jainas, que não ousavam pisar numa formiga nem matar uma mosca. Havia também um grande número de muçulmanos e de cristãos nominais. Mombaça estava cheia de templos, mesquitas e enormes igrejas. Era preciso muita flexibilidade e habilidade para apresentar as boas novas.
Com o tempo, chegaram mais missionários que foram designados para centros regionais, como Nakuru, Kisumu, Kitale, Eldoret, Kericho, Kisii, Thika e Nyeri. Por volta do fim da década de 60, diversos quenianos haviam ingressado no serviço de pioneiro especial e estavam bem habilitados para pregar em centros menos populosos.
O Pequeno Tornou-se Mil
As coisas começaram então a crescer realmente. Na época em que a obra foi legalizada, havia 130 publicadores no Quênia. Dois anos mais tarde, o número havia quase dobrado, e em 1970 o pequeno se tornara literalmente mil. — Isa. 60:22.
As pessoas que aprendiam a verdade tinham de fazer grandes mudanças, tais como vencer a imoralidade, a bebedice, a feitiçaria e o analfabetismo. Muitos também haviam sido criados com amor excessivo à terra, ao gado, à instrução ou ao dinheiro. Era preciso também vencer o orgulho pessoal e a tendência de salvar as aparências. Assim, embora as pessoas tivessem interesse, levava anos antes de se revestirem suficientemente da nova personalidade para fazer uma dedicação ao Todo-Poderoso Deus.
Geralmente, os jovens progrediam mais rápido do que os de mais idade, visto que sabiam ler e não estavam tão arraigados nas tradições. Um caso em pauta era o de um adolescente de nome Samuel Ndambuki, que estava confuso e decepcionado por causa da hipocrisia das religiões da cristandade. Aos 13 anos, ele começou a levar uma vida devassa que envolvia fumar, roubar, mentir, praticar imoralidade e o vício de drogas. Em 1967, oito anos mais tarde, dois ex-colegas de escola o contataram com as boas novas da Bíblia. Ele ficou impressionado de ver como esses jovens usavam a Bíblia. Quão diferentes eram as Testemunhas de Jeová, insistindo na conduta pura! Samuel fez tremendas mudanças para melhor, mudanças observadas pelos vizinhos. Embora tenha feito melhoras em questões morais, enfrentou grande oposição à sua recém-encontrada crença, mas continuou a progredir e foi batizado mais tarde naquele ano. No ano que se seguiu, começou o serviço de pioneiro regular, depois se tornou pioneiro especial, entrou no serviço de Betel e de circuito. Hoje, ele é chefe de família e ajudou diversas pessoas a chegar a conhecer a verdade, lançando um alicerce para uma crescente congregação em Ukambani.
Outro exemplo foi Raymond Kabue, em Nairóbi, que aprendeu a verdade junto com seu irmão carnal e um grupo de outros rapazes. Cheio de zelo, foi para seu lugar de origem na cordilheira Aberdare e pregou às pessoas ali. Em resultado disso, surgiu uma congregação que produziu muitos pioneiros regulares e especiais. Um de seus filhos se tornou pioneiro, e outro serviu em Betel.
Seu irmão Leonard ajudou Ruth Nyambura, uma senhora que havia lido a Bíblia inteira sem conseguir obter respostas às suas perguntas. Ela tinha uma lista de perguntas prontas quando ele a visitou. Com a ajuda de um irmão do além-mar, o irmão Kabue conseguiu responder a essas perguntas, incluindo o significado do número 666 que se encontra em Revelação 13:18. Esta senhora sincera foi uma das primeiras pessoas de língua suaíli a aceitar a verdade. Isso se deu em 1965. Com marido descrente, ela é típica de muitas outras irmãs fiéis no Quênia, onde, dessemelhante de outros países africanos, as mulheres são com freqüência mais numerosas do que os homens nas congregações. Ela criou sete filhos na verdade, serviu como pioneira regular por algum tempo, e ainda serve fielmente como publicadora.
Uma de suas filhas, Margaret MacKenzie, suportou a morte trágica do marido, num acidente, em 1974. Ele a deixou com três filhos pequenos. Seguindo os costumes tribais, os parentes descrentes de seu marido haviam planejado raptá-la durante o funeral e “casá-la” com seu cunhado. Entretanto, ela fora avisada de antemão e sumiu, renunciando assim à casa que ela ajudara a construir e ao campo que ela ajudara a cultivar. Os parentes conseguiram tirar-lhe o filhinho, deixando-a apenas com as filhas. Não foi fácil prover às necessidades de suas filhas e ao mesmo tempo dar-lhes suficiente assistência espiritual, mas, com a ajuda de Jeová, a irmã MacKenzie teve bom êxito. Ela levava muito a sério o estudo em família, bem como o ministério de campo. Em 1987, teve a alegria de ver ambas as filhas, uma de 14 anos e a outra de 15, serem batizadas numa assembléia de circuito. Também, seu filho retornou ao lar depois de 11 anos de ausência e progrediu ao ponto de servir a Jeová.
Amplia-se o Raio de Ação
A filial fez um verdadeiro esforço para ampliar o raio de ação da obra do Reino. Tratados e livros foram traduzidos para o quicamba, quicuio e luo. Mais livros foram lançados em suaíli, a saber, ‘Coisas em Que É Impossível que Deus Minta’, A Verdade Que Conduz à Vida Eterna e “Lâmpada Para o Meu Pé É a Tua Palavra”. A edição da Sentinela em suaíli foi aumentada para 24 páginas. De modo que aumentou muito a distribuição de publicações.
As publicações tinham boa aceitação entre a população asiática, que normalmente acolhia bem as Testemunhas européias e aceitava prontamente publicações, mas em geral permanecia apegada à sua religião. Entretanto, havia exceções. Uma adolescente se apegou à verdade, apesar da forte oposição da família e pressões da comunidade dos siques. O pai expulsou-a de casa e até ameaçou matá-la. Ela foi morar com uma família de Testemunhas e, depois de extensivo estudo bíblico, dedicou sua vida a Jeová, entrou no serviço de pioneiro e mais tarde cursou a escola de Gileade. Agora casada, Goody Poulsen ainda é uma zelosa pioneira, e tem muito êxito, especialmente entre os asiáticos.
Soluciona-se um Problema de Casamento
Em todo o Quênia, muitas pessoas não eram legalmente casadas. Algumas eram casadas segundo costumes tribais, com liberais provisões para divórcio; outras viviam juntas consensualmente. Isto não estava de acordo com os elevados requisitos de Jeová. — Heb. 13:4.
Por conseguinte, mais irmãos se cadastraram com autoridade para realizar casamentos sob o Ato Africano de Casamento Cristão. Esses irmãos viajavam muito ao passo que pessoas interessadas tomavam sua posição a favor da verdadeira adoração e chegavam ao ponto de desejarem legalizar seu casamento. Na maioria dos casos, isto coincidia com habilitarem-se como publicadores das boas novas. Lançava também a base para uma vida familiar melhor, porque eliminava o temor de que o casamento seria dissolvido se não houvesse filhos ou se não se terminasse de pagar o preço de noiva. Nos anos que se seguiram, bem mais de 2.000 casais tiraram proveito desta provisão.
Novas Dependências da Filial
No congresso de distrito de 1970, foi anunciado que a Sociedade comprara novas dependências para a filial na Rua Woodlands, em Nairóbi. O escritório de uma só sala, no sul de Nairóbi, mudara-se para um apartamento na mesma vizinhança, mas havia agora quase 3.000 publicadores que relatavam nos oito países do território da filial. Isto exigia mais serviço de expedição, de tradução e mais correspondência.
O novo prédio no terreno de 0,6 hectare, num ambiente tranqüilo e ainda assim perto do centro, era um lugar ideal para maior expansão. As numerosas árvores e os gramados afundados, beirados de flores de muitas cores, e as sebes, tornavam o terreno da filial um pequeno paraíso.
A dedicação das instalações foi programada para sábado, 26 de junho de 1971. Mais tarde, foram feitas reformas no prédio a fim de torná-lo mais adequado para uso como escritório e residência. Foram acrescentados mais dormitórios. O excelente espaço na parte mais baixa da propriedade foi usado para construir um grande Salão do Reino — o primeiro em Nairóbi. Servia para duas congregações, e ainda havia um enorme gramado disponível para posterior construção adicional. Este Salão do Reino foi completado por volta da mesma época em que ficaram prontos os salões em Mombaça, Kisumu e Nakuru.
O Aumento Cria Inveja nos Clérigos
Ao passo que cada vez mais pessoas interessadas se retiravam das igrejas, os clérigos ficavam cada vez mais irados. Foram feitas tentativas de desacreditar as Testemunhas de Jeová. Um mal-informado membro do Parlamento disse na Assembléia Legislativa que as Testemunhas não enviavam seus filhos à escola e não permitiam que seus membros recebessem tratamento hospitalar. Esse parlamentar foi logo exposto a ridículo ao ser corrigido pelo presidente da Assembléia Legislativa, que recebera informações exatas por meio de um funcionário do governo que tinha parente Testemunha.
Portanto, continuou a prevalecer uma atitude democrática, favorável à liberdade. Em princípios de 1972, o irmão Knorr fez outra visita a Nairóbi, e, mais tarde naquele ano, realizou-se um grande congresso em Mombaça, com uma assistência de 2.161 no discurso público. Havia boas perspectivas e as coisas pareciam calmas e pacíficas.
Um Choque — A Proscrição em 1973
Foi um grande choque ouvir um anúncio pelo rádio, em 18 de abril de 1973, de que as Testemunhas de Jeová eram consideradas perigosas para um bom governo e foram proscritas no Quênia. É verdade que havia, de vez em quando, agitações e um pouco de publicidade adversa, mas não tinham ocorrido em parte alguma acusações formais ou ação policial. De repente, a verdadeira educação bíblica se tornara ilegal!
Envidaram-se esforços para falar com altas autoridades a fim de esclarecer a questão. Impetrou-se recurso formal em 8 de maio, mas isto foi rejeitado seis dias depois. No ínterim, o presidente geral da repartição de registros cancelou o registro da Associação das Testemunhas de Jeová. Recusou-se mais tarde uma audiência com o presidente. Em 30 de maio, foi impetrado recurso contra o cancelamento. A sede das Testemunhas de Jeová em Brooklyn, Nova Iorque, endossou isso com uma carta pessoal do presidente da Sociedade Torre de Vigia ali.
Em 5 de julho, as Testemunhas de Jeová eram o principal assunto da Assembléia Nacional do Quênia. Ainda eram confundidas com uma pequena seita política, retratadas como desrespeitando os governos seculares e recusando tratamento hospitalar. Foram até mesmo chamadas de Testemunhas do Diabo. Naturalmente, tudo isso mostrava de modo claro como as pessoas podem estar mal informadas, assim como os que fizeram acusações contra o Filho de Deus, Jesus Cristo. — Mar. 3:22; Luc. 23:2.
A seguir, o governo tomou ação rápida para expulsar os 36 missionários. Esses tiveram de deixar o país em 11 de julho de 1973. Foi deveras um momento triste na história teocrática do Quênia. Foi preciso desfazer-se com pressa do equipamento dos dez lares missionários em todo o país, pertences pessoais tiveram de ser encaixotados e guardados para serem despachados a diversas outras designações.
Contudo, a filial continuou aberta. Foram tomadas providências para ação judicial, questionando-se a proscrição como sendo violação da Constituição do Quênia que garantia liberdade de culto.
Revogada a Proscrição!
Autoridades razoáveis reconheceram logo que a questão toda estava em desarmonia com o desejo de que o Quênia fosse considerado um país moderado, razoável, democrático, aberto a turistas e respeitador dos direitos humanos. Assim, em agosto de 1973, o governo deu o corajoso passo de revogar a proscrição. Apareceu um anúncio do governo no sentido de que a proscrição nunca existiu realmente. Os irmãos ficaram jubilantes!
Para as Testemunhas remanescentes no escritório da filial, não era fácil o trabalho. Diversas Testemunhas de fora de Betel vieram ajudar, incluindo Helge Linck, Stanley Makumba e Bernard Musinga. Apenas alguns desses irmãos estavam familiarizados com serviços de escritório e com o que se exigia. Precisaram aprender a cuidar da correspondência e da contabilidade, bem como a manter registros.
As assembléias foram corretamente consideradas uma prioridade nessas circunstâncias. A série de assembléias de circuito realizada em outubro deu novo impulso e direção aos irmãos no campo. Também, foram reorganizados os planos para o congresso internacional de distrito, programado para os dias 26 a 30 de dezembro, em Nairóbi. Depois da proscrição, o tema do congresso, “Vitória Divina”, era apropriadíssimo e bem oportuno. Embora representasse muito trabalho árduo em pouco tempo, que alegria foi ver viajantes estrangeiros chegar para dar mais encorajamento aos irmãos locais! A assistência máxima foi de 4.588, e 209 foram batizados.
Houve boa publicidade nos jornais, bem como uma entrevista televisionada, de 28 minutos de duração, com Grant Suiter, membro visitante da sede da Torre de Vigia em Brooklyn (EUA). Tudo isso mostrou que as Testemunhas de Jeová ainda existiam e estavam bastante ativas. Houve em seguida mais assembléias de circuito, e os anciãos foram estimulados pelo treinamento que receberam na Escola do Ministério do Reino.
Para as Testemunhas, essa súbita proscrição foi uma experiência chocante e um teste de sua fé. Contudo, teve o efeito salutar de peneirar, retirando os que não tinham relação íntima com seu amoroso Criador e não haviam edificado sua fé no alicerce real, nosso Exemplo, Jesus Cristo. (1 Cor. 3:11) Tornou-se óbvio que os irmãos do Quênia tinham de aprender a assumir mais trabalho e responsabilidades, não dependendo totalmente dos missionários e de irmãos de outros países que haviam chegado para servir onde a necessidade era maior. Havia também a necessidade de mais estudo pessoal e de orações fervorosas.
Logo outros missionários puderam vir ao Quênia para ajudar, incluindo John e Kay Jason, que já haviam passado 26 anos no serviço missionário, de circuito e de Betel em Zâmbia. Jeová demonstrou que ainda havia muito trabalho a ser feito no Quênia, e as Testemunhas se dispuseram com determinação a continuar o serviço.
Expansão com Novo Ímpeto
Fez-se também progresso em termos de espiritualidade. Até aquele tempo, os publicadores haviam dado testemunho principalmente com revistas. Passou-se então a dar ênfase especial ao uso da Bíblia, conforme esboçado no Ministério do Reino. Quão animador era ver até mesmo criancinhas, no ministério de campo, abrir a Bíblia e dar testemunho, para a grande surpresa do morador e de publicadores mais velhos.
Pela primeira vez, o Ministério do Reino tratava também de tradições não-cristãs. Indicava que, embora possa haver tradições boas e benéficas, há outras baseadas em ensinamentos errados, tais como a imortalidade da alma, que poderiam envolver os cristãos na religião falsa. Assim, progressivamente, os irmãos e as irmãs se livraram de práticas impuras, tais como as relacionadas com velórios, rituais fúnebres, medo do mau-olhado, uso de amuletos, cerimônias de iniciação tribal e circuncisões cerimoniais.
Outro importante passo foi o estabelecimento de uma única língua para cada congregação nas cidades, o suaíli ou o inglês. Antes disso, as reuniões congregacionais eram realizadas em ambos os idiomas, de modo que a constante tradução de uma língua para outra significava que apenas metade da matéria podia ser abrangida. Os irmãos podiam dali em diante usufruir o programa inteiro em um ou outro dos dois idiomas.
“Macedônia” Vem a Ser um Termo Conhecido
No ínterim, a visita de um representante do Corpo Governante, Wilfred Gooch, da filial de Londres, ajudou a reorganizar as coisas no Quênia e a lançar o alicerce da primeira campanha sistemática em território isolado na África Oriental. Por exemplo, no Quênia, três quartos da população vivia em território isolado.
Os publicadores demonstraram grande entusiasmo, e, desde 1975, as palavras de Atos 16:9, a respeito da Macedônia, tornaram-se de conhecimento comum. Até mesmo os que não são Testemunhas dizem: “Hoje as Testemunhas realizam sua reunião na Macedônia.” Três meses por ano são reservados para o serviço na Macedônia da atualidade.
Além disso, o escritório incentivou todos os publicadores a usar sua folga anual do emprego secular para pregar na sua região rural. Certa irmã escreveu em resposta: “Depois de voltar para casa, transmiti as boas novas de Jeová às pessoas e logo consegui muitos estudos bíblicos, entre eles oito são meus parentes, seis dos quais começaram a freqüentar as reuniões que eram realizadas a uma distância de dezesseis quilômetros.”
Todo esse testemunho resultou em muita correspondência de pessoas interessadas. Centenas de cartas por mês, com pedidos de publicações ou estudos bíblicos, tornaram necessário aumentar o pessoal que atendia a correspondência na filial.
Outro importante aspecto novo do ano foi a Escola do Ministério do Reino para os anciãos, em sete países da África Oriental. Não só houve muita instrução espiritual, mas também outros esclarecimentos. Para bom número de irmãos, era a primeira vez na vida que haviam ajudado em tarefas de limpeza — lavar louça e preparar comida — coisas que de costume são deixadas inteiramente para as mulheres. Mas os anciãos mostraram-se humildes e dispostos a se adaptar. Para alguns superintendentes era também novidade um pai brincar com seus filhos. Conforme disse certo ancião: “Depois de todos esses anos, meus filhos ficarão surpresos quando, depois de eu voltar, eles me virem participar de jogos com eles.”
Assim, o ano de 1975 terminou com um novo auge de 1.709 publicadores no Quênia. Mais de 300 foram batizados. Entretanto, como progredia a obra do Reino no país vizinho, ao sul, a Tanzânia?
Circunstâncias Mudadas na Tanzânia
Dessemelhante do Quênia, a proscrição imposta às Testemunhas, em vigor desde 3 de abril de 1965, continuava. Essa situação, junto com mudanças nas circunstâncias familiares e econômicas, levou a outros desenvolvimentos. Um após outro, os irmãos que tinham vindo para servir onde havia maior necessidade tiveram de partir. Também, a maioria dos pioneiros especiais zambianos tiveram de voltar para a sua terra, muitas vezes por razões econômicas relacionadas com o rápido aumento de suas famílias. Por exemplo, um pioneiro especial designado em 1961, com dois filhos, tinha em 1967 uma família de sete filhos.
Uma exceção ao êxodo de pioneiros foi Lamond Kandama. Ele aceitou a verdade em 1932, em Zâmbia, e em 1940 e 1941 foi detido e encarcerado ali por causa de sua crença. Em 1959, ele empreendeu o serviço de pioneiro aos 47 anos de idade e foi enviado para a Tanzânia. Ali também ele foi detido pela polícia. Finalmente, foi designado para o Quênia, onde tem servido em diversas designações, e agora, ao beirar os 80 anos de idade, ainda é pioneiro especial e continua solteiro. Que excelente exemplo de fiel perseverança!
“Ovelhas” no Tribunal
Nas duas décadas seguintes houve dezenas de detenções e casos jurídicos em toda a Tanzânia. As Testemunhas não se surpreendiam disso. Jesus disse: “Se o mundo vos odeia, sabeis que me odiou antes de odiar a vós. . . . O escravo não é maior do que o seu amo. Se me perseguiram a mim, perseguirão também a vós.” (João 15:18, 20) De modo que perseveraram alegremente sem se importar muito com a perseguição.
A natureza pacífica e cooperadora dos irmãos favorecia muitas vezes os intentos dos odiosos acusadores. Muitas vezes, opositores fingiam ser amistosos ou estar interessados, e as Testemunhas os convidavam inocentemente a suas casas, mostrando-lhes com orgulho sua biblioteca teocrática. Às vezes, até mesmo deixavam essas pessoas tomar emprestados alguns de seus compêndios bíblicos que eram mais tarde apresentados no tribunal como evidência contra as Testemunhas. Os irmãos admitiam prontamente que eram membros da associação das Testemunhas de Jeová, que, em termos jurídicos, significava que estavam apoiando uma sociedade ilegal. Visto que alguns irmãos se incriminavam na delegacia de polícia, não se lhes permitia fazer depoimento no tribunal. Novamente, por causa de sua inclinação cooperadora, permitiam buscas em suas casas, o que levava à detenção deles, embora sem obtenção de mandado judicial. Outros achavam que tinham de responder a todas as perguntas feitas quando interrogados, incriminando-se assim rapidamente.
As Testemunhas eram acusadas de serem membros de uma sociedade ilegal por simplesmente freqüentarem reuniões de estudo bíblico, ou por pregarem as boas novas ou ainda por possuírem publicações bíblicas. Os tribunais impunham multas e condenavam a termos de prisão que variavam de três a nove meses.
Por exemplo, embora as Testemunhas na Tanzânia não fossem numerosas, sendo apenas um para cada 10.000 habitantes no país, no ano de serviço de 1973, seu zelo não passou despercebido. Em 7 de setembro de 1974, enquanto se realizava uma reunião no lar de Isaack Siuluta, em Dar-es-Salã, os policiais cercaram a casa da família Siuluta. Dos que estavam presentes, 46 foram detidos, incluindo duas pioneiras. A polícia mandou as outras mulheres para casa. Quaisquer compêndios encontrados nas pastas ou nas mãos dos que estavam presentes foram usados como provas documentais no julgamento que se seguiu.
O tribunal ouviu o caso em 29 de novembro. A evidência apresentada mostrava que as Testemunhas são pacíficas e acatadoras da lei. Contudo, o juiz decidiu que, “sendo seu aspecto religioso mera fachada”, todos eram culpados. Foram sentenciados a multas ou a seis meses de prisão pela posse de compêndios bíblicos ou por estarem presentes à reunião de uma sociedade ilegal.
Na prisão, as Testemunhas encorajavam-se mutuamente com estudo bíblico e discursos bíblicos, tais como “Fazer de Jeová a Sua Alegria Diariamente”. Depois de seis meses, todos foram soltos. A obra do Reino na Tanzânia não parou; houve um auge de 1.609 publicadores que relataram no ano de serviço de 1975.
De início, levou algum tempo para a filial do Quênia aperceber-se das dificuldades jurídicas desses irmãos inexperientes. Ao se entender isso, deu-se conselho útil a todas as congregações sobre os direitos legais em caso de detenção ou ação judicial. Isto foi publicado em linguagem simples, em suaíli, e revelou ser de grande ajuda.
Em anos posteriores, houve diversos casos na justiça em que os irmãos foram absolvidos. Alguns juízes decidiram que as testemunhas de acusação não tinham provas de qualquer “pregação relacionada com uma sociedade proscrita” e que a “mera posse de livros não constituía prova de ser membro de uma sociedade ilegal”. Tudo isso revelou ser um testemunho convincente contra o grande Adversário de Jeová. — Pro. 27:11.
Jeová Provê a Força Necessária
A onda de perseguição contra as testemunhas no vizinho Malaui, teve maus efeitos, especialmente na região de Tukuyu, próxima à Tanzânia. Embora incitasse os opositores, abriu os olhos de outros. Certo guarda carcerário se expressou do seguinte modo: “No Malaui desperdiçaram esforços em perseguir e matar essa gente. Da mesma forma aqui. Eles nunca transigirão. Eles simplesmente aumentam.”
Contudo, a perseguição não era de forma alguma igual em todo o país. Houve congregações que conseguiram construir novos Salões do Reino e reunir-se abertamente, e até mesmo cantavam com entusiasmo. Na maioria dos casos, as publicações chegavam em segurança às Testemunhas, pelo correio. A filial do Quênia continuava a enviar superintendentes viajantes para edificá-los, bem como representantes da filial para reuniões com anciãos e com algumas congregações. Mais publicações em suaíli mostraram-se fortalecedoras da fé para os irmãos tanzanianos. Diversas Testemunhas empreenderam o serviço de pioneiro e até se qualificaram para substituir os pioneiros especiais zambianos.
Um ponto alto para muitos irmãos tanzanianos era a viagem anual aos congressos de distrito no Quênia. Em geral, não era difícil chegar ao Quênia de ônibus. De fato, em outubro de 1968, e até em anos posteriores, grandes grupos de uns 80 irmãos fretavam um ônibus para fazer uma viagem de uns 1.500 quilômetros do sul da Tanzânia até o Quênia. Representava muito sacrifício, visto que tinham de fazer economia durante meses para as despesas desse grande evento do ano. Algumas autoridades tanzanianas da fronteira eram razoáveis e até diziam aos irmãos: “Vão e orem por nós, por favor.” Em 1970, precisou-se de quatro ônibus para as 350 Testemunhas que viajaram do sul da Tanzânia para o congresso em Nairóbi.
Testemunho Durante o Trabalho
Os irmãos tanzanianos eram destemidos e engenhosos na sua atividade de pregação. As Testemunhas, que trabalhavam com grande número de operários que não eram Testemunhas, programavam entre si que um irmão fizesse o papel de uma pessoa interessada e começasse a fazer perguntas bíblicas, em voz bem alta, a outras Testemunhas que tinham muito prazer de responder. Isto era feito, de modo que logo outros operários entravam na conversa, e os irmãos podiam assim dar testemunho bíblico por horas — sem, naturalmente, interromperem o trabalho.
Quando o livro A Verdade Que Conduz à Vida Eterna foi lançado em suaíli, tornou-se tão popular que logo até mesmo os inimigos das boas novas chegaram a conhecê-lo muito bem pela capa azul. Por esse motivo, a Sociedade decidiu produzir uma edição do livro Verdade em suaíli com capa de cor menos saliente.
A Verdade Liberta
Em algumas partes do país, surgiram dificuldades da parte do clero da cristandade. Nas encostas do monte Meru, logo ao oeste do Quilimanjaro, um grupo de seis pessoas estudavam zelosamente as verdades bíblicas. No fim de um estudo, um sacerdote luterano organizou um motim para causar distúrbio, fazendo barulho do lado de fora do lugar onde elas estudavam. Alguns dias mais tarde, essas pessoas interessadas voltavam para casa, regressando de uma reunião de congregação a 20 quilômetros de distância e encontraram dificuldades à sua espera. O pai de um deles estivera na casa do estudante brandindo um machado e ameaçando matá-lo. Outro verificou que a casa estava danificada, o cabrito tinha sumido e seu filho não estava lá. Um terceiro estudante foi espancado, e roubaram-lhe o gado. Será que essas pessoas interessadas se desanimaram na sua busca da verdade bíblica? Longe disso! Cada uma delas pediu, por escrito, sua exclusão da igreja.
Logo todos progrediram a ponto de se tornarem publicadores não-batizados, porém havia um obstáculo; para transpor este, tinham de apresentar a certidão de casamento. Mas as certidões ainda estavam com os sacerdotes que recusavam abrir mão delas. Foi preciso levar a questão à justiça. Os sacerdotes argumentaram que essas pessoas pertenciam a uma sociedade ilegal, mas o juiz ficou irritado com os sacerdotes, multou-os e fez com que as certidões fossem entregues a seus donos.
Ajuda Para as Seicheles
Lembra-se dos 11 publicadores isolados que residiam numa região tão distante da África continental, lá nas Seicheles? Eles desejavam urgentemente receber ajuda de fora. Em princípios de 1974, Ralph e Audrey Ballard chegaram da Inglaterra com seus filhos para servir onde a necessidade era maior, e conseguiram obter permanência. Seu entusiasmo e zelo no campo ajudaram a iniciar muitos novos estudos bíblicos. Embora o visto de entrada para missionários tivesse sido recusado em 1969, bem como em 1972, a Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia obteve reconhecimento legal em 29 de agosto de 1974, e isto também deu impulso adicional à obra.
Havia 32 publicadores que relatavam então, e no ano seguinte o número aumentou para 51. Não era fácil para o povo local tomar posição a favor de Jeová, visto que os sacerdotes católicos ameaçavam as pessoas com perda de emprego e do lar. Com o passar dos anos, a influência do clero desvaneceu, e os amantes da verdade deram passos corajosos.
Também em 1974, depois de terem sido pregadas as boas novas em toda a ilha principal de Mahé, as Testemunhas fizeram uma viagem marítima de três horas até a segunda maior ilha, Praslin, famosa pelo vale de Maio, com os coqueiros-das-seicheles. Esses coqueiros produzem o chamado coco duplo, ou coco-do-mar, provavelmente a semente mais pesada do mundo (14-18 kg), que é cobiçada por muitos colecionadores por causa de seu formato incomum. Naturalmente, com uma população de menos de 5.000 habitantes, todos se conheciam. Era preciso ser forte para ficar firme a favor da verdade contra tal tipo de pressão de vizinhos. Contudo, alguns conseguiram, embora levasse tempo para treiná-los a pregar as boas novas com tato em vez de simplesmente atacar a adoração de ídolos ou pregar a destruição dos iníquos no Armagedom.
Finalmente, em 1976, um casal de missionários fixou residência em Vitória, na ilha Mahé. Auxiliaram a firmar a congregação espiritualmente e ajudaram muitos filhos de famílias de Testemunhas a seguir a verdade. Não foi tarefa fácil, visto que alguns estavam acostumados a levar uma vida muito indolente, de poucos escrúpulos morais. Poucas Testemunhas locais se esforçavam em fazer estudo pessoal e em participar no serviço de campo. Portanto, alguns eram facilmente levados por qualquer nova tendência mundana, fazendo muitos desviar-se. Também, alguns dos que se associavam com a congregação, em vez de servirem visando à eternidade, tinham a mente fixa em determinada data para o fim deste mundo iníquo. Tudo isso impedia o progresso espiritual.
Firmeza sem Ajuda de Fora
Em 5 de junho de 1977, um golpe de estado introduziu um novo governo e uma nova experiência para essas ilhas outrora tranqüilas. O novo Parlamento considerou as Testemunhas de Jeová e sua posição de neutralidade para com todos os governos da Terra. Um parlamentar sugeriu proscrever as Testemunhas, mas outros sustentaram sabiamente as garantias constitucionais de liberdade de religião.
Entretanto, em 1978, o lar missionário foi fechado e os missionários foram designados para o Quênia. A família Ballard também se havia mudado. Daí, os irmãos locais tiveram de agir sem ajuda de outros. Todavia, estavam então melhor preparados para cuidar da obra do Reino, tendo tirado proveito da associação com irmãos experientes na verdade e tendo os anciãos cursado várias vezes a Escola do Ministério do Reino. Não obstante o amplo analfabetismo e o apego ao espiritismo, ainda se achavam pessoas semelhantes a ovelhas. Em 1982, de novo havia 50 publicadores nas Seicheles, e alguns ingressaram no serviço de pioneiro regular, estando Lise Gardner entre esses. Por fim, foi aprovado em janeiro de 1987 o registro da Associação das Testemunhas de Jeová nas Seicheles, mas não se concedeu visto de entrada a missionários.
A Colheita nas Ilhas
O primeiro congresso de distrito foi realizado em 16-18 de janeiro de 1987. Até então todas as reuniões e assembléias de circuito eram realizadas no Salão do Reino; o congresso seria a primeira reunião em outro lugar.
Onde era o local? Era num belamente situado pavilhão de um importante hotel turístico. O prédio era semi-aberto, com telhado de colmo, abrigado entre rochedos, e dava para uma das mais belas baías de Mahé. Os congressistas não só usufruíram o programa espiritual, mas deleitaram-se em ouvir o agradável som das ondas do oceano e em sentir as refrescantes brisas do mar que passavam pelo auditório.
A assistência no primeiro dia foi o empolgante total de 173. No domingo, o local ficou superlotado com uma assistência de 256. Com apenas 80 publicadores, que potencial de aumento nessas ilhas!
Entre os que foram batizados no congresso achava-se uma senhora que outrora era opositora. O que a fez mudar de conceito? Seu comparecimento à Comemoração da morte de Cristo. Foi então que ela viu o que as Testemunhas de Jeová são na realidade. Ela precisava, porém, fazer algumas mudanças na vida. Para sua subsistência, ela tinha uma lojinha na estrada onde, entre outras coisas, os fregueses podiam comprar fumo. Avisaram-na de que, se parasse de vender produtos de tabaco, seus negócios arruinariam. Sem temer, ela confiou em Jeová e parou de estocar tabaco. Seu comércio não foi prejudicado. De fato, para ter mais tempo para a importante obra de pregação do Reino, ela afixou os horários de abertura e fechamento na loja, organizando assim seu tempo para devotar as melhores horas do dia à obra de pregação.
Os esforços de evangelização da parte dos irmãos estão colhendo uma safra abundante. Em 1990, foi dedicado um Salão do Reino na ilha de Praslin. Diversos estudos bíblicos estão sendo dirigidos na terceira maior ilha, La Digue. Também, em setembro de 1990, a supervisão das Seicheles foi transferida para a filial de Maurício, onde se fala um idioma crioulo similar.
Ruanda — A Escondida Suíça da África
Retornemos agora ao continente. Ao norte do Burundi, igualmente bela e cheia de colinas, abrigada entre a Tanzânia, Uganda e o Zaire, acha-se a Ruanda, o mais densamente povoado país da África. Tem mais de 160 quilômetros de leste a oeste e de norte a sul, mas, nos últimos 20 anos, a população cresceu de três milhões para mais de sete milhões de pessoas. Ruanda produz uns dos melhores chás do mundo, e ali se encontram muitos dos gorilas-de-montanha do mundo. É um país de montanhas, de lagos e de mais de 10.000 colinas, e encontram-se ali as mais longínquas nascentes do Nilo.
Tal como no país vizinho do Burundi, em Ruanda também encontramos uma grande maioria dos da tribo hutu e uma minoria de pessoas altas da tribo tussi. Nessa ‘Escondida Suíça da África’, a maioria das pessoas vive nas zonas rurais, em granjas isoladas, cercadas de bananeirais. (Veja Despertai! de 8 de agosto de 1976.) Todos os habitantes falam o kinyarwanda; os mais instruídos conhecem também o francês.
Como é que a verdade vitalizadora da Palavra de Deus alcançaria este remoto país montanhoso? Em 1969, o Corpo Governante designou quatro formados em Gileade para Ruanda, mas seus requerimentos de visto de entrada foram indeferidos, talvez por causa da ainda forte influência da Igreja Católica.
No ano seguinte, porém, dois pioneiros especiais da Tanzânia, Oden e Enea Mwaisoba, fixaram residência em Quigali, a capital, e começaram a pregar. Visto que não conheciam o idioma kinyarwanda, começaram a visitar as pessoas de língua suaíli, principalmente originárias do Zaire e da Tanzânia. Em fevereiro de 1971 quatro publicadores relatavam atividade no ministério de campo. Uma mudança no governo abriu a porta para mais tolerância religiosa, mas o problema da língua impedia o crescimento, pois ainda não havia publicações em kinyarwanda.
Outros pioneiros do Zaire e da Tanzânia chegaram para ajudar. Em 1974, havia 19 publicadores ativos. Em 1975, eles colocaram mais de mil livros. Naquele ano, houve também outros eventos notáveis: um irmão da filial de Nairóbi fez uma visita, seis pessoas foram batizadas e um curso da Escola do Ministério do Reino beneficiou sete irmãos de Ruanda. Deveras, estava sendo lançado um bom alicerce para expansão. Começaram a surgir pequenos grupos de estudo bíblico fora de Quigali.
Um Emigrante Retorna
No ínterim, um ruandense, Gaspard Rwakabubu, aprendeu a verdade enquanto trabalhava nas minas de cobre em Kolwezi, no sul do Zaire. Ele ajudou na supervisão da congregação local, ganhando assim útil experiência espiritual. Contudo, seus pensamentos e suas orações muitas vezes se voltavam para a sua terra natal, Ruanda, onde provavelmente ninguém estava ouvindo as boas novas.
O que faria a respeito disso? Gaspard falou com um instrutor da Escola do Ministério do Reino que também era missionário. O instrutor lhe perguntou: “Que tal entrar no serviço de tempo integral como pioneiro e retornar a Ruanda?”
Ele se regozijou com essa possibilidade, e nem uma promoção no emprego nem a dissuasão de parentes o detiveram. A ajuda de Jeová também se tornou evidente. Não só os documentos necessários ficaram prontos em tempo recorde, mas seu empregador, a companhia de mineração, até mesmo lhe deu uma passagem de avião de retorno a Ruanda. Ele chegou a Quigali em junho de 1975. Essa mudança representou sacrifícios materiais para o irmão Rwakabubu; ele não mais tinha uma grande casa, providenciada pela firma, onde morar, mas apenas acomodações simples construídas de tijolos crus.
Seu entusiasmo e seu entendimento da personalidade do ruandense ajudou a impulsionar o progresso teocrático. Outros ruandenses aceitaram a verdade, tendo o mesmo dinamismo do irmão Rwakabubu. Em Quigali, aumentou a assistência às reuniões e o número de publicadores subiu de 29 em 1975 para 46 em 1976, depois, para 76 em 1977. Quarenta pessoas assistiram à primeira assembléia de circuito, que foi realizada na sala de estar da casa dele.
Em 1976, apareceu a primeira publicação em kinyarwanda, o folheto “Estas Boas Novas do Reino”. Depois, em 1977, fez-se outra tentativa de trazer missionários a Quigali. Dois casais obtiveram visto de entrada no país em caráter temporário. Depois de muita procura, encontraram uma casa adequada para servir de lar missionário. Mas, lastimavelmente, embora a casa fosse espaçosa, a água ainda não estava ligada, e os missionários tinham de tomar banho com água de chuva que caía das calhas. Toda vez que caía uma tromba d’água, corriam para colocar todas as vasilhas disponíveis para coletar a água da chuva. Certa vez, com grande esforço, encheram a banheira, só para descobrirem mais tarde que o tampão tinha vazamento e toda a preciosa água tinha escorrido pelos canos!
Falar o Idioma
Os missionários sabiam que, para tocar o coração dos nativos com as boas novas, tinham de falar o idioma deles, de modo que começaram imediatamente a estudar kinyarwanda. Fizeram bom progresso, até mesmo impressionando as autoridades locais, muitas das quais favoráveis à mensagem do Reino. Logo, porém, a influência dos falsos religiosos se fez sentir; não se concederam aos missionários novos vistos. Assim, depois de apenas três meses no país, os missionários partiram para o Zaire.
Pioneiros especiais estrangeiros também tiveram de deixar Ruanda por diversos motivos. Os irmãos locais de Ruanda preencheram a necessidade, empreenderam o serviço de pioneiro e expandiram a atividade de pregação a todos os distritos do país. Os resultados? As Testemunhas pregaram a mensagem do Reino em mais de cem feiras livres em zonas rurais. Quão maravilhoso era ver esse progresso depois de um início tão tardio!
As Testemunhas em Ruanda, ardendo de entusiasmo pela verdade, desejavam sentir a alegria de se associar com seus irmãos de outras partes. Portanto, em 1978, 30 de Ruanda viajaram para Nairóbi, uma distância de mais de 1.200 quilômetros, para assistir ao Congresso “Fé Vitoriosa”. Foi uma viagem difícil por vários motivos. O transporte inseguro era um dos problemas. Outro era a viagem através do instável país de Uganda, que significava dezenas de inspeções nas barricadas ao longo da estrada, à mira de uma arma, até mesmo detenções e ameaças de execução. Acrescentem-se a isso freqüentes quebras do veículo e problemas de travessia de fronteiras. Ao todo, a viagem até Nairóbi levou quatro dias. Como, porém, se regozijaram esses irmãos ao verem milhares de outras Testemunhas de várias nações, unidas pacificamente no congresso de Nairóbi.
Anos Turbulentos em Uganda
Não se ouviram sons de regozijo na vizinha Uganda em meados da década de 70. Reinavam condições tensas. Não só todos os missionários e irmãos estrangeiros haviam sido forçados a deixar o país, mas diariamente a população inteira temia pela sua vida. Os problemas econômicos e de novo, em 1975, a proscrição das Testemunhas de Jeová aumentaram as dificuldades para os irmãos. Um recurso interposto para a suspensão da proscrição não lograra êxito, embora o governo tivesse anteriormente prometido liberdade de religião.
Naqueles anos, estar em discordância com a lei não levava a pessoa a comparecer diante de um tribunal, mas, antes, à tortura e à morte. Não era lugar para covardes. Exigia muita coragem continuar como testemunha do verdadeiro Deus. E com o declínio econômico, a preocupação com as coisas materiais ocupava cada vez mais a mente das pessoas, e tampouco haviam desaparecido as tendências para a imoralidade. Portanto, as Testemunhas tinham de lutar com muitos problemas: o medo do homem, o materialismo, a imoralidade, o espiritismo — esses eram apenas alguns dos problemas enfrentados. Isto resultou em diminuição no número de publicadores, de 166, em 1976, para 137, em 1979. Naturalmente, o grande número de pessoas que fugiam do país explicava, em parte, essa diminuição. Mais de 1 de cada 4 publicadores partiu. Contudo, muitas pessoas que tinham elevado respeito por Deus e que eram amistosas para com as Testemunhas permaneceram no país.
Foram anos de provação para todos em Uganda e muito mais para as Testemunhas, por causa da proscrição. Felizmente, essa proscrição não foi posta em vigor de modo estrito em toda a parte. Em alguns lugares, ainda prosseguiu o serviço dos pioneiros especiais e, de fato, expandiu-se. Os pioneiros especiais foram designados para as cidades no norte do país, e logo se formaram novas congregações. Em Soroti, uma cidade do nordeste, o comissário de distrito até mesmo permitiu o uso de uma das melhores escolas da cidade para as reuniões de congregação, apesar da proscrição!
Entretanto, em Campala, dois irmãos foram apanhados pregando e foram lançados na pior prisão do país. Amigos temiam não vê-los mais, contudo, felizmente, foram soltos depois de uma semana. Em Lira, três Testemunhas foram encarceradas durante três meses por terem pregado.
Para a população local, o desaparecimento de parentes e vizinhos, os tiroteios de noite, lojas vazias, a inflação de cem por cento ou mais e a falta de transporte se tornaram coisas comuns. Centenas de pessoas esperavam nos pontos de ônibus, prontas para avançar impetuosamente num veículo com espaço para apenas oito passageiros. O tabelamento do preço das passagens era amplamente desconsiderado. O pagamento das “passagens” era normalmente feito quando o veículo parava num lugar retirado, e todos os passageiros tinham de pagar o que o motorista exigisse.
As publicações enviadas de Nairóbi e as visitas de irmãos da filial eram como maná do céu — alimento espiritual no tempo apropriado e uma animadora fonte de encorajamento para as Testemunhas em Uganda. Alguns conseguiram, apesar de todos os obstáculos, assistir aos congressos de distrito no Quênia. Também, ainda se realizavam pequenas assembléias locais; numa dessas reuniões, certa senhora foi batizada apenas um dia depois de ter dado à luz.
Sustentados por Jeová
As Testemunhas que continuaram como pregadores de tempo integral em tais circunstâncias turbulentas eram notáveis exemplos de fé. Entre tais estava Anna Nabulya, uma irmã idosa de Masaka. Um ponto alto em sua vida foi quando ela cursou a Escola do Serviço de Pioneiro no Quênia. Ela vinha às aulas trajada de ampla vestimenta, estilo ugandense, com estampas de grandes flores, e ela simplesmente se alegrava muito pela profundeza da matéria espiritual e pelas informações práticas apresentadas.
Os parentes da irmã Nabulya pressionaram-na a não retornar a Uganda, mas a ficar morando com eles, no Quênia, evitando assim dificuldades econômicas, perigos e inconveniências. Ela não cedeu; desejava pregar em Uganda, onde as pessoas necessitavam a mensagem consoladora das boas novas. Ela disse: “Apesar das fraquezas em razão de idade avançada, a pouca energia que tenho usarei para ajudar meu povo a ter uma boa relação com Jeová.” Portanto, ela retornou a Uganda e serviu seu povo e seu Deus fielmente até a morte.
Outro exemplo de fé era um pioneiro que corajosamente pregou a todas as autoridades militares e policiais em sua designação isolada. Sempre que ficava sem dinheiro para comprar lenha para cozinhar, ele queimava cadeiras e outros móveis até que chegasse o dinheiro e a tão necessitada remessa de publicações. As pessoas no seu território tinham tamanha fome do alimento espiritual que ele conseguia distribuir facilmente, num só dia, 40 ou 50 livros.
As Testemunhas continuaram a ser molestadas, detidas pela polícia e interrogadas, mas perseveravam. Jeová concedia a seu povo “a língua dos instruídos”, e eles pregavam corajosamente às autoridades. — Isa. 50:4.
Irmãs enviuvadas eram fonte de encorajamento para muitas Testemunhas em Campala. Não só haviam passado pela angústia de perder o marido, mas haviam sofrido a perda de seus bens materiais. Contudo, colocavam os interesses de Jeová em primeiro lugar, trabalhando arduamente no ministério e incutindo valores piedosos em seus filhos. Ajudaram os vizinhos a também aprender a verdade, e tiveram mais tarde a alegria de ver alguns dos filhos de seus estudantes da Bíblia se tornarem ministros no serviço de pioneiro. (Veja A Sentinela, em inglês, de 15 de fevereiro de 1985, páginas 27-31.) Jeová abençoou o zeloso trabalho de tais fiéis, e o número de publicadores do Reino aumentou.
Djibuti — Quente e Seco
Do lado oposto da ponta sudoeste da península da Arábia, entre a Etiópia e a Somália, acha-se o pequeno país de Djibuti, outrora a Somália Francesa. Existe ali importante base militar para a marinha francesa. A capital do país, também chamada Djibuti, está alistada em alguns almanaques como a cidade mais quente do mundo. Apesar das condições desérticas, esta pequena terra possui seus atrativos, especialmente ao largo da costa, onde há magníficos recifes de coral em que pulula a vida marinha.
É aqui que o grande Vale de Abatimento Tectônico, estendendo-se do Líbano através do mar Vermelho, entra no continente africano. Em volta dos lagos Assal e Abbé acham-se maravilhosos espetáculos naturais — formações salinas e de gipsita, obeliscos de pedra calcária, fontes térmicas e águas multicolores.
Mais da metade da população do país é da tribo dos afars, cujo território penetra no deserto de Danaquil, na Etiópia. A outra tribo, os issas, um povo somali, vive na capital, que fica perto da Somália. O calor como o de um forno deixa as pessoas letárgicas, e às vezes tomam ônibus por um trecho de apenas 90 metros. Muitos são viciados em quat, uma droga levemente estimulante que se encontra nas folhas de certa árvore que cresce nos planaltos do Iêmen, da Etiópia e do Quênia. De fato, as tardes são geralmente passadas em tomar quat; boa parte das outras atividades param nesse período. A grande maioria do povo é muçulmana e fala francês, árabe, somali e afar.
A primeira pessoa que pregou as boas novas em Djibuti foi Claudine Vauban, uma irmã francesa casada com um militar. Naquele país islâmico era perigoso uma mulher branca sair sozinha em público. Isto não impedia as atividades da irmã Vauban. Ela se manteve ativa no ministério de campo e dirigiu dois estudos bíblicos durante os três anos que esteve em Djibuti. Cerca de dois anos mais tarde, no fim de 1977, chegou um jovem djibutano que havia aprendido a verdade na França. Entretanto, ele desenvolveu problemas espirituais e mais tarde foi preciso desassociá-lo.
Em 1978, uma irmã etíope, refugiada, mudou-se para Djibuti. Ela aprendeu mais tarde o idioma francês, e tem permanecido fiel apesar de longos períodos em que esteve completamente isolada de outras Testemunhas. Irmãos que visitavam da França e da Etiópia lhe traziam encorajamento espiritual. Isto era intermitente, porém, até 1981, quando Jean Gabriel Masson, jovem servo ministerial da França, chegou com a esposa, Sylvie, para servirem onde a necessidade era maior. Foi um passo corajoso para o casal Masson, em vista do isolamento, por serem novos na verdade, também por causa do clima adverso e do elevado custo de vida.
Em pouco tempo a pregação organizada que faziam começou a produzir frutos. Diversos refugiados etíopes aceitaram a verdade antes de partirem de Djibuti para outros países. Em 1982, havia 6 publicadores ativos; 12 pessoas assistiram à Comemoração. Dois meses mais tarde, durante a visita de um superintendente de circuito da França, três pessoas foram batizadas.
Naquela época, as reuniões eram realizadas no pátio da modesta residência do casal Masson, às vezes em circunstâncias bem incomuns. Certa vez um irmão visitante de Nairóbi estava dando um discurso bíblico quando gatos começaram a bufar, guinchar e brigar nas plantas trepadeiras, presas acima do caramanchão do pátio. O barulho se tornou ensurdecedor e, naturalmente, desviava muito a atenção até que os dois gatos briguentos despencaram do caramanchão e caíram bem na frente do orador! Ainda por cima disso, logo em seguida acabou a eletricidade, de modo que todos ficaram sentados ali em total escuridão. Entretanto, a reunião foi concluída com bom êxito. A assistência aumentou para 18. Era estranho ver que até mesmo numa assistência tão pequena, as reuniões eram realizadas em quatro línguas: inglês, francês, amárico e somali.
Um Monge Aceita a Verdade
Não foi fácil para o irmão Masson conseguir emprego, mas por fim ele obteve uma vaga para lecionar. Na escola ele conheceu Louis Pernot, monge católico e diretor da escola, que já morava ali fazia quase 20 anos. Quando Louis mostrou profundo interesse pela verdade bíblica, o irmão Masson o convidou para a Comemoração da morte de Cristo. “Impossível”, disse Louis. “Aqui em Djibuti todos me conhecem e sabem quem eu sou. Como posso assistir a uma reunião das Testemunhas de Jeová?”
O irmão Masson, porém, teve uma idéia. Ele propôs que Louis fosse à sua casa durante a sesta da tarde, quando todos em Djibuti estariam dormindo sob o sol abrasador. Ele poderia então sentar-se no dormitório, atrás de uma cortina, e esperar até a reunião começar. Ninguém saberia que ele estava presente, e poderia ir para casa furtivamente depois de terminar a reunião, seguro sob o manto da escuridão.
Portanto, foi isso que ele fez — Louis assistiu à sua primeira reunião sentado atrás de uma cortina no dormitório do casal Masson! Embora não entendesse muito sobre as informações bíblicas, ficou impressionado pela profundeza da palestra bíblica.
O irmão Masson o incentivou então a escolher um de seus livros para levar para casa para ler. Visto que Louis era educador, ele escolheu o livro Sua Juventude — O Melhor Modo de Usufruí-la. Ele se perguntara muitas vezes por que sua religião não apresentava informações precisas para ajudar os jovens com seus problemas no mundo atual. Ele achava que a verdadeira religião de Deus deveria dar orientação sadia às pessoas sem comprometer Sua palavra. Louis começou a ler o livro Juventude naquela noite. Não conseguia largá-lo. No dia seguinte, ele disse ao irmão Masson que havia encontrado a verdade. Naquela mesma semana, ele renunciou não só como monge, mas também como católico.
Isto, naturalmente, causou bastante comoção, e pouco depois o irmão e a irmã Masson foram convidados a deixar a pequena república. Um golpe triste para as Testemunhas locais, visto que 44 pessoas haviam assistido à Comemoração. O irmão Masson entrou com recurso junto ao governo e foi-lhe concedida uma prorrogação de um mês; depois disso ele partiu para o território francês de Majota, no oceano Índico.
Até a partida do casal Masson, foram dirigidos estudos bíblicos diários com Louis, que a essa altura compreendia que teria de agir sozinho. Depois de o casal Masson partir, um ministro pioneiro conseguiu ir a Djibuti para ajudar Louis espiritualmente.
Entretanto, por vários motivos, as Testemunhas vinham e partiam. Assim, o recém-batizado Louis teve de se manter firme apesar de ficar por anos relativamente isolado em sentido espiritual. Vez após vez, recebia intimação das autoridades, era interrogado, e depois era advertido quanto às suas atividades de pregação. Ele nunca vacilou; e até serviu como pioneiro auxiliar. Por fim, porém, perdeu o emprego por causa de sua crença. Louis deixou as coisas nas mãos de Jeová e persistiu até encontrar outro meio de subsistência.
Hoje, o pequeno grupo de publicadores em Djibuti continua a apresentar as verdades bíblicas ao povo. Recentemente, Testemunhas de países estrangeiros se mudaram para Djibuti, fornecendo um novo estímulo.
Renovados Esforços na Somália
Durante anos depois de os missionários Vito e Fern Fraese terem partido para outra designação em 1963, não se deu um claro testemunho do Reino na Somália. Por fim, um irmão europeu, nascido na Somália, tirou férias nesse país litorâneo em fins de 1980. Durante a sua estada, encontrou pessoas interessadas nas boas novas. Tais pessoas, semelhantes a ovelhas, foram ajudadas adicionalmente por diversas Testemunhas que visitavam o país de tempos a tempos.
Mais tarde, um irmão italiano veio trabalhar no porto e capital, em Mogadiscio, com um contrato de trabalho de construção. Sua falta de experiência era compensada pelo seu entusiasmo. Ele se arriscava, falando sobre as boas novas a toda pessoa que encontrava, incluindo os muçulmanos. Entre os muçulmanos, um senhor de meia-idade escutou atentamente. Reconheceu a luz da verdade. Visto que viajara muito, tinha mente aberta, de modo que aceitou um estudo bíblico. Daí, terminou o contrato de trabalho do irmão italiano, e ele teve de deixar o país. Entretanto, outra família italiana se mudou para a Somália, e prosseguiu dando ajuda a esse senhor interessado.
Depois, uma senhora, que havia mostrado interesse pela verdade enquanto morava na Europa, retornou à Somália com o marido. Ela procurou as Testemunhas. Assim, formou-se um pequeno grupo. Eles realizavam reuniões, e até mesmo recebiam visitas de superintendentes de circuito. Finalmente, em 1987, essa senhora foi batizada. Ela estava extremamente alegre. Levara muitos anos para chegar a esse ponto. Com suas freqüentes mudanças de um país a outro, e tendo de aprender novas línguas, não é de admirar que seu progresso espiritual fosse lento, mas agora nada a podia impedir. Logo começou a dirigir estudos bíblicos com outras pessoas e ficou radiante quando um casal se juntou a ela em louvar a Deus. A esposa tornou-se a primeira Testemunha de origem somaliana.
Infelizmente, a situação econômica e de segurança do país decaiu tanto que muitos estrangeiros e até mesmo muitos da população local deixaram o país. Em fins de 1990, todos os publicadores haviam deixado o país também. Isto talvez tenha sido oportuno, visto que a guerra civil de 1991 transtornou o país, com assassinatos a esmo que aterrorizaram Mogadiscio.
A Somália não foi o único país sacudido por revoluções. Quase duas décadas antes, tempestades de guerra civil passaram pela Etiópia.
Revolução na Etiópia
Em 1974, o histórico império da Etiópia veio abaixo. Os militares, ávidos de promover uma nova ideologia, tomaram o poder das mãos do idoso imperador e iniciaram reformas drásticas. Pela primeira vez na vida, jovens revolucionários sentiram o poder decorrente de portar armas que podem matar instantaneamente. Foram impostos toques de recolher e havia lemas como “A Etiópia Primeiro!”. E não se toleravam reacionários políticos.
Isso coincidiu com um tempo de promissores acontecimentos para o povo de Jeová na Etiópia. Alcançou-se um auge de 1.844 publicadores em 1974, e o livro Verdade havia sido traduzido para o amárico. A assistência à Comemoração aumentou para 3.136. A obra de testemunho, com a ajuda de recém-designados pioneiros especiais, espalhou-se pela primeira vez para todas as províncias da Etiópia. Contudo, era um tempo de incoerências. Algumas congregações podiam reunir-se abertamente, ao passo que alguns pioneiros especiais foram lançados na prisão.
As guerrilhas continuaram na província setentrional da Eritréia. A congregação na cidade de Cheren (Keren) ficou sem comunicação com o mundo exterior. Não havia água nem alimento nem eletricidade. Com toques de recolher ao escurecer, estendendo-se até o alvorecer, como se poderia realizar a Comemoração da morte de Cristo, que não pode começar senão após o pôr-do-sol? A solene celebração tornou-se um evento notável, pois todas as Testemunhas tiveram de chegar cedo, antes do pôr-do-sol, e daí estar preparadas para passar a noite no local de reunião até que fosse suspenso o toque de recolher, ao raiar o dia. Que bela noite de companheirismo foi aquela!
Houve outros acontecimentos positivos para as Testemunhas. Em 1975, realizou-se a primeira Escola do Ministério do Reino em nove anos, para o benefício dos anciãos da Etiópia. O programa da assembléia de circuito foi apresentado a uma assistência de bem mais de 2.000. Obteve-se guia para a importação de nossas publicações. Uma remessa de sete toneladas, incluindo 40.000 livros do estrangeiro, chegou a Adis-Abeba. No ano seguinte, em 1976, a cidade de Asmara usufruiu uma tranqüilidade incomum da atividade de guerrilhas, e assim foi possível realizar a Escola do Ministério do Reino. As Testemunhas locais relataram que logo depois de terminar a escola, começaram de novo os tiroteios e as explosões de foguetes.
Terror Vermelho!
Mudanças para pior retumbavam contra as Testemunhas. Em princípios de 1976, as autoridades emitiram uma circular contra as Testemunhas de Jeová. Mais ou menos em meados do ano, a Campanha do Terror Vermelho começou e abateu-se sobre os inimigos da revolução. As Testemunhas de Jeová também foram alvo de ataque. Foram falsamente acusadas de serem inimigos. Seguiram-se detenções.
Como a Igreja Ortodoxa Etíope deve ter exultado com isso! Aproveitaram a situação para lançar seus próprios ataques contra as Testemunhas. Ao sul da capital, na pequena cidade de Mojo, os sacerdotes formaram um motim de mais de 600 pessoas para atacar e matar as Testemunhas, mas a polícia impediu-as de causar grave dano. Uma similar ação de motim ocorreu em Bahir Dar, perto da nascente do rio Nilo Azul.
Em seguida, em todo o país, as casas foram vasculhadas, tão cabalmente como nunca. Até mesmo jardins foram arados e pranchas de assoalho foram levantadas em busca de publicações bíblicas, de máquinas de escrever e de material relacionado.
Em Asmara, a polícia abordou um pioneiro especial que viera do interior infestado de guerrilheiros. Eles o revistaram e encontraram seu relatório de serviço de campo. No formulário havia diversas abreviaturas escritas à mão que criaram suspeitas. Os guardas obrigaram o pioneiro a conduzi-los para o lugar onde estava o superintendente da cidade, Gebregziabher Woldetnsae. Na esperança de prender um líder guerrilheiro, diversos caminhões cheios de soldados armados se dirigiram rapidamente para o lugar de trabalho de Gebregziabher.f Cercaram o escritório, e investiram com fuzis assestados. Gritaram o nome do irmão Gebregziabher, prenderam-no e o levaram. Seus colegas de trabalho estavam certos de que nunca mais o veriam.
No quartel do exército, os soldados interrogaram o irmão Gebregziabher. Ele respondeu com franqueza a todas as perguntas, dando testemunho sobre nossa obra de pregação, e explicando as misteriosas abreviações “rev, rv, E.B.”, e assim por diante. Eram anotações inocentes, alistando o que o pioneiro especial havia feito no seu ministério de campo naquele mês, tal como o número de revistas distribuídas, revisitas feitas e estudos bíblicos dirigidos. Crivaram-no de perguntas: “O quê! Quer dizer que isso não se refere a armas, a munições? Quem pode crer nisso? Para que esse código?”
A sinceridade e cooperação do irmão Gebregziabher os deixou impressionados, contudo ainda tinham dúvidas. Por fim, o oficial superior perguntou: “Como podemos ter certeza de que você é realmente Testemunha de Jeová?” O irmão procurou entre seus pertences, mas não encontrou nada adequado que o identificasse. Mas, um momento! — ele retirou do meio de suas outras coisas um cartão em que constavam as seguintes palavras: “Não Aplique Sangue.” Quando o oficial superior viu isso, disse: “Sim, isso basta. Pode ir embora em liberdade.” Quando nosso irmão retornou ao escritório, seus colegas de trabalho pensaram que ele tivesse ressuscitado!
Um Acontecimento Inesperado
Em Asmara, alguns irmãos se reuniram numa casa. Um grupo de jovens espiou esse lugar e informou imediatamente a polícia sobre a reunião. Eles explicaram que havia duas casas de campo e que na frente de uma delas havia uma menina que estava brincando. Era nessa casa que as Testemunhas estavam reunidas.
A polícia se pôs a procurar as Testemunhas. Nesse ínterim, a menininha mudou de lugar. Ela passou a brincar na frente da outra casa. A polícia invadiu aquela casa, mas só encontrou um pequeno grupo familiar. Desconcertada, a polícia retornou para a delegacia, irritada com os jovens, achando que a haviam enganado.
O clima político e social não era favorável para as Testemunhas. As pessoas eram incentivadas a repetir lemas políticos, a participar de eleições, a contribuir com dinheiro, alimento e equipamento para o esforço de guerra. Contudo, em meio a tudo isso, com a ajuda de irmãos corajosos, preciosas publicações bíblicas do estrangeiro infiltravam-se na Etiópia.
Pastores Abnegados
Na Eritréia, as guerrilhas haviam isolado diversas congregações. Contudo, havia pastores amorosos para encorajar os irmãos ali. Um superintendente de circuito programou fazer uma viagem de 92 quilômetros até Cheren via um comboio de mercadorias com escolta armada. Imagine ir de carro junto com 100 caminhões, protegidos por 5 tanques de guerra e 30 veículos blindados!
A caminho, irrompeu violenta batalha com guerrilheiros que cercaram o comboio. Os atacantes tencionavam tomar todas as mercadorias, como haviam feito muitas vezes no passado. Depois de 30 minutos de violento combate, o comboio furou as linhas inimigas e escapou. Assim o superintendente de circuito pôde visitar a congregação isolada e edificar os irmãos.
Entretanto, para a viagem de retorno do superintendente de circuito, não havia comboio nem outro meio de transporte. O único meio era caminhar todo o trecho de volta. Isso era muito perigoso. A viagem levou três dias e incluía longas caminhadas ininterruptas durante a noite.
Nesse tempo de temível turbulência, alguns publicadores, incluindo alguns que eram proeminentes, se dissociaram. Outros se tornaram inativos, e ainda outros fugiram do país. O resultado foi uma diminuição do número de publicadores.
Em 1979, havia 80 irmãos em prisões por causa de sua posição de neutralidade. Em abril daquele ano, o superintendente da cidade de Asmara, Gebregziabher Woldetnsae, a caminho para ir visitar os irmãos no interior que estava sitiado, morreu tragicamente num acidente. Apesar de todas as notícias entristecedoras, os que lealmente perseveraram nunca deixaram de ver o amoroso apoio de Jeová.
Refinamentos e Testes Adicionais da Fé
Quando a primeira fase da revolução estava terminada, e o país passou a se estabilizar, a população sentia como que um vazio espiritual. Haviam visto diante de seus próprios olhos suas igrejas transigir, e o apoio do povo dado a elas desvaneceu. Algumas das Testemunhas também ficaram espiritualmente instáveis. Foi doloroso, mas necessário, ver 23 anciãos e servos ministeriais perder seus privilégios de serviço em 1981. Eles se haviam tornado irregulares no ministério de campo. Isto resultou em reviravolta para as congregações, e, felizmente, desde então a maioria desses irmãos recuperou seus antigos privilégios na congregação.
Seguiram-se outras provações, incluindo períodos de grande escassez de alimentos. De fato, os anos de provações produziram nos irmãos etíopes uma sólida e provada fé. — 1 Ped. 1:6, 7.
O Sudão — Crescimento em Meio a Dificuldades
Levou dois anos, de agosto de 1974 a 1976, para se alcançar um novo auge de 101 publicadores no Sudão. Momentos tensos caracterizaram aquele período. Havia freqüentes tentativas de golpe de Estado e proliferavam suspeitas políticas. Às vezes, os publicadores e os anciãos eram interrogados pela polícia. As dificuldades econômicas, com a elevação dos preços e a escassez de mercadorias, criavam preocupações materiais que escravizavam a muitos. Assim, o aumento de publicadores foi lento. Em abril de 1981, o auge foi de apenas 102 publicadores.
No sul, duas coisas impediam as visitas regulares de superintendentes de circuito às congregações: as guerrilhas ou a falta de combustível, que podiam interromper o transporte a qualquer momento, e problemas com a maneira de se viajar. Podia significar espremer-se na carroceria de um caminhão apinhado de gente e ser sacudido durante um dia inteiro, ou viajar lentamente a dez quilômetros por hora num trem cheio, com dois passageiros em cada assento e com passageiros sem passagem que viajavam em cima dos vagões. Tampouco era fácil conseguir viajar de avião. Podia significar ficar na lista de espera por uma semana inteira, aguardando a chegada de um avião, e daí ter menos de uma hora de aviso antes da decolagem. Mas, como as congregações apreciavam as visitas dos superintendentes de circuito! Sua alegria e hospitalidade eram indescritíveis.
Em 1982, incentivou-se o espírito de pioneiro. Isto resultou numa superabundândia de bênçãos. Em cinco anos, o número de pioneiros aumentou de 7 para 86. Durante um mês, 39 por cento de todos os publicadores estavam no serviço de tempo integral, e foi um dos meses mais quentes do ano, com temperaturas ao meio-dia de, em média, mais de 40°C. Em 1987, mais de 300 publicadores estavam ativos, e quase 1.000 assistiram à Comemoração da morte de Cristo. A média de horas dos publicadores era de 20 horas no ministério de campo por mês.
Dezenas de rapazes fizeram rápido progresso e se qualificaram para designações como servos ministeriais e, com o tempo, como anciãos, fortalecendo assim mais as congregações. Em 1987, estabeleceu-se finalmente uma congregação do outro lado do Nilo, na histórica Ondurmã. A congregação tinha um território de um milhão de habitantes. Também, na cidade de Porto Sudão, surgiu um grupo de Testemunhas.
Grande parte do crescimento, porém, tem sido entre os sulinos, de tez escura e de constituição atlética, que são muitas vezes marcados com diversas incisões e decorações na face ou no corpo. Os sudaneses do norte ou os de origem egípcia também têm aceitado a verdade, e vários refugiados têm visto a luz da esperança que Deus dá à humanidade. Todos esses grupos têm mostrado zelo e perseverança no serviço de Jeová. A obra de pregação ainda exige com freqüência longas caminhadas sob o sol abrasador. É preciso usar de inventividade para organizar as reuniões, visto que a obra ainda não é reconhecida legalmente.
Saborearam o Pão Divino da Vida
Em 1983, os fundamentalistas muçulmanos introduziram a Shariʽa, a lei islâmica, no Sudão. Inimigos do povo de Jeová usaram essa situação carregada de sentimentos religiosos a fim de focalizar as Testemunhas que então tiveram de realizar suas reuniões de congregação em grupos menores.
Conforme amplamente noticiado, em anos recentes uma grave seca assolou grande parte da região saeliana da África, incluindo o Sudão. Isto aconteceu numa época em que irrompeu de novo a guerra civil, resultando em muita fome e sofrimento. Contudo, teve um efeito secundário interessante: Muitos jovens migraram das regiões mais remotas do Sudão para a capital. Ali saborearam o Pão da Vida provido por Deus, que talvez não tivessem encontrado na sua isolada região anterior. (João 6:35) Isto acelerou os aumentos.
Fome Física, mas Abundância Espiritual
Em 1988, o tempo anormal trouxe aguaceiros em proporções sem igual na região de Cartum, deixando milhares de pessoas ao desabrigo e causando algumas mortes. Dezenas de Testemunhas e seus filhos foram duramente atingidos. Um pai ficou de pé ao relento, em total escuridão, segurando para cima seu filhinho ao passo que continuava o aguaceiro e a água lhe subia até a cintura. Postes elétricos caíram, as casas de tijolos crus ruíram e os sanitários externos desmoronaram, deixando fossas ocultas e águas contaminadas. As estradas ficaram inundadas, ilhando várias partes da cidade. Carros ficaram atolados na lama, com pouca probabilidade de poderem ser retirados. Levou vários dias para os novos “lagos” de água da chuva acumulada secarem.
Anciãos preocupados enfrentaram com coragem esses perigos. Foram rápidos em contatar o rebanho atingido. Logo foram tomadas medidas para prover socorros. O Corpo Governante cuidou de que se fizessem provisões adicionais. Surpreendentemente, em meio a tudo isso, o ministério de campo continuou num nível elevado.
Uma tempestade de outra espécie também sobreveio ao Sudão. Um golpe de estado trouxe uma mudança de governo e renovada proeminência para a comunidade islâmica. A continuação da guerra civil, as secas e as restrições de importação pioraram gravemente a situação econômica. A fome ainda assola as grandes cidades e faz vítimas ali.
Visto que muitos fugiam da fome e da guerra, Juba, a principal cidade no sul, ficou superpovoada com mais de um quarto de milhão de pessoas. As guerrilhas, porém, incrementaram seu controle em Juba. Portanto, por longos períodos, a cidade ficou completamente isolada do resto do mundo. Os suprimentos de socorro para nossos irmãos lhes têm chegado muitas vezes em cima da hora, quando seu estoque estava quase acabando.
Contudo, continuou o treinamento para o crescente número de pioneiros, bem como a associação espiritual regular. O suprimento de alimento espiritual não esgotou. Com a crescente divulgação da verdade no sul, novos grupos e congregações continuaram a surgir numa cidade após outra.
Em meio a todas essas pressões, coisas surpreendentes aconteceram em 1990. Primeiro, uma província do sul concedeu reconhecimento legal às Testemunhas de Jeová.
Testemunho Dado por Quem não Era Testemunha
Depois, em 2 de novembro, um orador muçulmano de reputação internacional fez uma apresentação extremamente favorável sobre as Testemunhas de Jeová perante um grande grupo de autoridades governamentais reunidas em seminário. Ele lhes explicou nossas crenças, nossa neutralidade em assuntos políticos, nossos empenhos de ensino público e nosso serviço proveitoso para a comunidade em geral. Além disso, o discurso foi transmitido na íntegra pela televisão nacional no domingo seguinte, dando-se assim um testemunho a pessoas de todas as rodas da vida e em escala inimaginável. Quais os resultados desse grande testemunho? Foram ouvidos muitos comentários favoráveis, dissiparam-se os mal-entendidos e criou-se mais interesse pela verdade. De fato, as autoridades governamentais foram incentivadas a imitar o espírito de abnegação visto nas Testemunhas de Jeová.
As Testemunhas no Sudão continuam realmente a buscar primeiro o Reino de Deus e gastam alegremente quase 20 horas por publicador no serviço de campo cada mês. Portanto, apesar de muitas tribulações, incluindo o flagelo da fome, a verdade a respeito do Reino de Deus como única solução duradoura para os problemas do homem está sendo pregada no Sudão como nunca antes.
O Iêmen — A Rota do Olíbano
Em anos recentes, uma irmã devotada, do Sudão, teve a oportunidade incomum de deixar brilhar sua luz no retirado país do Iêmen, o canto sudoeste da península da Arábia. Nos dias do sábio Rei Salomão, a rota do olíbano começava ali e passava provavelmente pelas terras da rainha de Sabá. Agora, junto com nossa irmã sudanesa, algumas Testemunhas de outros países se achavam no Iêmen com contratos de trabalho. Com a ajuda de Jeová, eles se encontraram. Pregavam de modo discreto a outros sobre sua fé e até mesmo encontraram pessoas que desejavam estudar a Bíblia.
O islamismo ainda é forte nesse país montanhoso, onde se seguem tradições antigas. A maioria das mulheres andam completamente cobertas com véu, e os homens exibem com orgulho adagas no cinto. Foi triste ouvir que um irmão de meia-idade, procedente da África, que gozava de boa saúde, morreu subitamente certa noite. A causa continua desconhecida. Contudo, a obra de pregação prossegue.
Em 1986, 15 pessoas compareceram à Comemoração da morte de Cristo. Desde então, algumas dessas se mudaram do país. Assim, são incompletos os relatórios do serviço de campo e das reuniões, mas estas continuam a ser realizadas. Uma irmã de outro país, embora isolada dos outros publicadores, dirige diversos estudos bíblicos. Assim, em cumprimento de Mateus 24:14, mesmo nesse país, algum testemunho está sendo dado.
No outro lado do mar Vermelho, defronte do Iêmen, acha-se um país onde, em fins da década de 70, dar testemunho era uma questão de vida ou morte.
Os Que Mantêm a Integridade na Etiópia
Na Etiópia, a oposição do Estado tornou-se severa. As autoridades condenaram duas Testemunhas à morte, mas esses irmãos não foram executados. As Testemunhas têm sido pressionadas a violar sua consciência, apontando-lhes seus perseguidores até mesmo um revólver nas têmporas.
As pressões econômicas causaram um cumprimento quase literal da profecia de Revelação (Apocalipse) que declara que ninguém poderá “comprar ou vender, exceto aquele que tiver a marca, o nome da fera ou o número do seu nome”. (Rev. 13:17) As Bíblias se tornaram raras. O Estado exercia cada vez mais controle sobre a vida das pessoas. Exigiram-se vistos para se viajar no interior. Homens, mulheres e crianças foram organizados em partidos.
Em março de 1978, Wubie Ayele foi espancado até morrer por ter aderido aos princípios bíblicos. Nos meses que se seguiram, Ayele Zelelew, pioneiro e ancião, e Hailu Yemiru, publicador, foram mortos, e seus corpos foram deixados estirados numa rua de Adis-Abeba durante um dia inteiro, expostos para todos verem.
As pressões aumentaram. O rádio, os jornais e a polícia atacavam as Testemunhas. Às vezes, mais de cem irmãos estavam presos. Alguns eram soltos, incluindo os que haviam passado dois anos e meio na prisão sob tortura. Alguns até mesmo foram pioneiros auxiliares na prisão!
Daí, tramou-se um plano perverso — acabar com as Testemunhas de Jeová. Quando algumas Testemunhas ficaram sabendo disso, o medo do homem tomou conta delas. Além disso, havia dificuldades econômicas; escassez de carne e de cereais, bem como de pneus de automóvel, de gasolina e de outras coisas essenciais.
Mais de cem Testemunhas permaneceram fiéis, mesmo depois de perderem o emprego — um verdadeiro teste de fé para homens que tinham família grande para sustentar. Mas, quão animador foi ver Testemunhas que tinham emprego ajudar a levar a carga econômica dos necessitados, uma expressão de amor em imitação dos primitivos cristãos! (Atos 4:32) Em todas essas situações horríveis, as Testemunhas precisavam de muita orientação e encorajamento espiritual, e isso foi dado sob a direção de Jeová.
Sempre Corajosos
As detenções e provações persistiram como uma úlcera supurada. Um pioneiro especial foi detido 15 vezes pela polícia desde 1972. Jovens com apenas 14 anos foram presos, alguns passando 4 anos na prisão. Não transigiram! Depois, veio a convocação para a guerra. Agora até as mulheres jovens eram incluídas. Muitas Testemunhas usaram seu tempo na prisão para servir como pioneiros auxiliares, ajudando outros presos a aprender a verdade bíblica. Uma irmã teve permissão de deixar brevemente a prisão para dar à luz, depois do que teve de voltar para sua cela.
Um irmão corajoso, viajando de carro para o interior, de repente se deu conta de que havia esquecido de esconder seu pacote de publicações bíblicas. Lá estava o pacote debaixo do painel de instrumentos, bem à vista. Ele orou para encontrar um lugar adequado para esconder, mas não parecia haver lugar para guardar esse grande volume. Teve de deixá-lo onde estava, confiando em Jeová. Imagine a surpresa dele quando em nove fiscalizações na estrada, algumas incluindo uma busca cabal no carro, nenhuma vez um funcionário suspeitou desse pacote!
Em dezembro de 1982, seis Testemunhas foram detidas pela polícia por causa de sua posição de neutralidade cristã. Esses também eram homens de coragem e ajudaram muitos outros detentos a obter a esperança do Reino. Depois de três anos, foram tirados da prisão para nunca mais serem vistos. Todos foram executados.
Em Dese, no centro-norte do país, Demas Amde, professor e pai de cinco filhos, passou mais de cinco anos cheios de torturas na prisão: primeiro, trabalho forçado; depois, seis meses de reclusão solitária, encadeado numa posição encurvada, seguida de doença sem assistência médica; a seguir, nudez por dois meses, num lugar infestado de piolhos; depois foi transferido para uma cela onde outros presos estavam deitados, morrendo de tifo. Finalmente, depois de estragada sua saúde e seu corpo estar enfraquecido devido a câncer, foi solto da prisão para morrer. Ele morreu em 4 de fevereiro de 1991, fiel até o fim e com a firme esperança de uma ressurreição. — Veja Hebreus 11:37-40.
Outras Testemunhas foram poupadas. Um irmão que viajava para o interior foi detido pela polícia que suspeitava que ele fosse membro de um movimento de guerrilhas. Ele não podia manter silêncio e, embora arriscando-se muito, declarou corajosamente ser Testemunha de Jeová. Ninguém acreditou nele, e foi lançado numa cela com outros presos.
Como passou ele a noite? Em vez de lamentar sua situação infeliz, ele aproveitou a oportunidade para falar sobre as boas novas aos outros. De manhã, que surpresa foi quando os outros detentos foram tirados da cela e entrevistados pelas autoridades carcerárias. “Que tipo de homem é aquele que pusemos na cela de vocês ontem à noite?” perguntaram os agentes da polícia.
“Oh! aquele que pregou quase a noite inteira, não nos deixando dormir?” responderam eles. Os agentes da polícia puderam perceber logo que esse homem era realmente Testemunha de Jeová. A declaração pública de sua fé abriu-lhe as portas da prisão; ele foi posto em liberdade!
No sul do país, um homem interessado suportou fielmente a prisão por mais de quatro anos. No primeiro ano, suas pernas foram acorrentadas; passou seis meses em prisão solitária. Quando seus pertences pessoais foram devolvidos a seus parentes, estes tinham certeza de que ele havia sido executado. Ele subsistiu com pouca quantidade de alimento e daí, nesse estado de fraqueza, foi sentenciado à morte. Sua sentença, porém, foi revogada por autoridades superiores.
Em outras ocasiões, colocaram prostitutas em sua cela para o tentarem. Depois de três anos, ele ficou animado quando conseguiu partilhar a sua fé com outro homem interessado, que estava preso com ele. Contudo, quanto a ser solto, parecia impossível. Certo dia, para a sua total surpresa, foi-lhe dito que estava livre! Agora, por fim, teve a oportunidade de simbolizar sua dedicação a Jeová pelo batismo!
Oito Vezes Sentenciado à Morte!
Em Debre Zeit, uma pequena cidade perto do centro da Etiópia, um pioneiro de nome Worku Abebe foi preso por causa de sua neutralidade. A sentença — execução naquela mesma noite. Entretanto, antes de ser levada a efeito, outros 20 irmãos e irmãs foram detidos pela polícia numa cidade vizinha. As autoridades acreditavam que esses 20 transigiriam se vissem o irmão Worku ser morto. (As autoridades pensavam que ele fosse o “líder”.) Portanto, as autoridades dessa cidade vizinha queriam que o irmão Worku lhes fosse entregue para execução.
A transferência de prisão possibilitou que o irmão Worku explicasse sua crença diante de 300 pessoas. Aproveitando o costume local de que a pessoa não deve ser interrompida enquanto fala, o irmão Worku levou quatro horas para contar a sua história, narrando a história das Testemunhas de Jeová desde Abel até o tempo atual. Quando ele concluiu, um agente da polícia disse: “Este homem deve ser separado dos demais. Ele quase me convenceu!”
Certa noite, os carcereiros fizeram com que ele e as outras Testemunhas presas marchassem até a beira do rio para a execução. Apontando as armas para as Testemunhas, perguntaram: “Vocês renunciam à sua fé ou não?” As Testemunhas responderam em uníssono e com voz resoluta que jamais negariam a Jeová. Não foram executadas; em vez disso, teve início violento espancamento que durou diversas horas. “O sofrimento era tão grande que imploramos para que, em vez disso, nos matassem, mas eles não quiseram parar”, disseram os irmãos.
A seguir, o irmão Worku foi separado para execução. Um tiro se fez ouvir. Ele ficou perplexo por um instante. Não caiu nem ficou ferido. Daí, deu-se conta — a bala não o atingira. Os perseguidores não perderam tempo. Golpearam-no cruelmente com a coronha do fuzil. Ele caiu sem sentidos e foi levado de volta para a cela.
Lá na prisão, os guardas receberam ordens no sentido de providenciar que todas as Testemunhas transigissem naquela noite. Logo estalos de tiros ressoaram pelas celas. Foi dito às Testemunhas: “Estão ouvindo esses tiros? Bem, seus irmãos foram mortos. Verão amanhã os cadáveres deles nas ruas. E se vocês não transigirem, também serão mortos!”
As Testemunhas responderam: “Do copo que nossos irmãos beberam estamos dispostos a beber.”
Durante a noite, os guardas começaram a bater com varas no irmão Worku e nas outras Testemunhas. Um guarda especialmente violento amarrou os braços do irmão Worku com tanta força que a pele de seus dedos se rompeu e começou a escorrer sangue. O irmão Worku escondeu dos outros irmãos seus dedos mutilados para não os desanimar. Quando houve um alívio temporário, as Testemunhas oraram antes de adormecerem. Mas, à 1 hora da madrugada, os irados perseguidores se precipitaram dentro da cela e os espancaram vez após vez até as 4 horas da madrugada. Depois disso, as Testemunhas oraram mais uma vez, agradecendo a Jeová a força que lhes dera e pedindo que continuasse a ampará-los.
De manhã cedo outros tiranos entraram na cela. Estes começaram a dar pontapés nas Testemunhas. De tarde, o irmão Worku foi de novo separado, e ao todo 20 pessoas bateram e pisaram nele. Ainda assim ele não renunciou. De novo foi decidido que ele deveria ser morto. Às 22 horas, mais 20 guardas chegaram e bateram nele até cerca das 2 horas da madrugada. Um dos torturadores estava tão furioso que agarrou outra Testemunha pelas costas e bateu nela cruelmente, deixando-a com uma cicatriz permanente. Durante quatro dias as Testemunhas ficaram num quarto escuro sem alimento nem água e foram repetidas vezes espancadas. Todos tinham fraturas de vários ossos, incluindo costelas e crânios. Ficaram fisicamente muito enfraquecidos.
Quando um oficial de alta patente visitou a prisão, ficou penalizado de ver o estado deles e ordenou que se lhes desse algum alimento. Entretanto, um guarda, aquele violento, ficou furioso de ver que se dera comida e bebida às Testemunhas. Ele maquinou uma trama, acusando-as de tentarem fugir. Acreditou-se na trama, de modo que se marcou outra execução. Os irmãos oraram com fervor para serem libertos, especialmente em vista das acusações falsas e vergonhosas. Um oficial superior impediu a execução, mas os irmãos foram fustigados com varas a noite inteira.
Depois de alguns dias, chegou outro oficial, anunciando que o irmão Worku seria executado e os outros seriam postos em liberdade. Surpreendentemente, não só foram esses irmãos postos em liberdade, mas alguns dias mais tarde foi dito ao irmão Worku que ele também estava livre para ir embora.
Ele aproveitou imediatamente a oportunidade para se reunir com outros irmãos numa casa particular e os encorajou. Ele não sabia que fora seguido e que se dera parte dele. Portanto, no dia seguinte, de novo foi preso e sentenciado à morte.
Ainda outra tentativa foi feita para fazê-lo transigir. Ele foi abordado de modo amistoso e gentilmente convidado a gritar certos lemas. O irmão Worku recusou-se a fazer isso, e apenas repetiu os lemas bíblicos a favor do verdadeiro Deus. Essas pessoas “amistosas” passaram então a ser hediondos torturadores.
Alguns dias mais tarde, os carcereiros quiseram falar com ele. A conversa durou quatro horas. Foi-lhe oferecido um importante cargo político. Ele recusou. As palavras dirigidas a ele foram: “Você vai ser baleado sem falta para se tornar alimento para os gusanos.”
Por fim, alguns oficiais de mentalidade justa se interessaram no caso de Worku e votaram a favor de sua soltura. Ele considerou suas provações uma alegria; não renunciara. (Heb. 12:2) Antes de começarem suas provações, ele sempre levara a sério o estudo regular em família e a oração. Não resta dúvida de que isto o ajudou a perseverar. Ele relatou o que um “Nicodemos”, pastor da cristandade, disse a respeito das Testemunhas que enfrentaram intensa perseguição, comparando-as com os de sua religião: “Nós ficamos com medo e transigimos. Renunciamos a Deus, mas vocês se mantiveram firmes do lado dele, não temendo nem mesmo a morte. Bravo!” Portanto, ao todo, o irmão Worku foi sentenciado à morte oito vezes, mas Jeová o conservou vivo!
Aprendida Uma Grande Lição
Naquela época de terríveis provações, as Testemunhas na Etiópia constataram que as palavras do apóstolo Paulo se cumpriram nelas: ‘Dum estado fraco foram feitos poderosos.’ (Heb. 11:34) Certa irmã humilde, empregada doméstica, que estava aprendendo a ler, ficou presa com um grupo de Testemunhas de elevado grau de instrução. Ao passo que algumas Testemunhas presas oravam para serem soltas, as orações dela se concentravam em pedir forças para permanecer fiel. Certo dia, os perseguidores trouxeram uma tigela com óleo fervente e ameaçaram enfiar nele os dedos de cada um dos presos. Algumas Testemunhas sucumbiram por medo, mas a humilde irmã permaneceu firme. E os dedos dela nunca foram machucados. Depois, foi posta em liberdade.
Isto revelou ser uma grande lição para os que haviam dado grande importância à condição social e ao grau de instrução. Viram então que o que mais importava era a fidelidade.
Não Deixados Cambaleando
Quão compensador é observar madureza, equilíbrio, confiança em Jeová e um maior espírito de abnegação desenvolver-se entre essas Testemunhas que suportaram tantas provações! Como em toda a parte, não foram deixadas cambaleando. A verdadeira adoração foi vitoriosa.
Durante esse tempo, pessoas chegaram a tomar o lado de Jeová de maneiras incomuns. Por exemplo, um ancião deu testemunho no local de trabalho a uma senhora da Europa Oriental. Por causa de seu profundo interesse, ele lhe emprestou uma publicação bíblica que era preciosa para ele. Para o desespero dele, ela deixou o país e nunca a devolveu. Anos mais tarde, uma carta enviada por essa mesma senhora o deixou radiante. Ela lhe explicou que essa publicação havia mudado a vida dela e que agora era sua irmã espiritual, batizada.
Outro exemplo foi o de uma empregada doméstica muito tímida que escutava, escondida, de outro aposento, um estudo bíblico que era dirigido com seu patrão que era professor. Ela se sentia tão indigna, contudo desejava aceitar aquelas maravilhosas verdades. ‘Essas aulas bíblicas devem custar muito dinheiro’, pensava ela. Portanto, abandonou o emprego na casa do professor e procurou outro onde pudesse ganhar mais para custear tal estudo bíblico. Quando havia economizado fundos que achava suficientes para custear tais aulas da Bíblia, foi diretamente à casa da Testemunha que estudava com seu ex-empregador, o professor. Quão surpresa ficou ao saber que as aulas eram de graça! Fez bom progresso nos seus estudos e mais tarde casou-se com o professor; agora ambos são servos dedicados de Jeová.
Jovens Testemunhas de Jeová sofreram muita pressão neste país. Por causa de sua neutralidade, negaram-se-lhes muitas necessidades básicas da vida, tais como tratamento hospitalar, exames escolares e emprego. Será que isso os fez sentir-se desamparados? Não! Com plena fé, sabendo que suas tribulações são momentâneas, progrediram no poder que Jeová lhes dá. — Fil. 4:13.
A Verdadeira Solução
Os problemas que assolam a Etiópia são similares aos que afligem o resto do mundo. As Testemunhas acreditam que encontraram o remédio para isso, e estão contentes de que desde 1990 muitas das pressões que sofriam foram aliviadas, de modo a poderem partilhar essa solução com outros.
Por exemplo, em Asmara, capital da Eritréia, as autoridades deram ordens para se pôr fim à discriminação contra as Testemunhas de Jeová. Outro exemplo: mais de 50 irmãos etíopes receberam as devidas licenças para viajar, o que lhes permitiu assistir a um congresso de distrito em Nairóbi, no Quênia. E mais dois exemplos: pioneiros especiais podem de novo ser enviados a vários territórios para pregar as boas novas. E algumas congregações reiniciaram a pregação de casa em casa, com resultados promissores. Entretanto, ainda existem muitos problemas na Etiópia.
Com a queda da estratégica cidade portuária de Massaua, intensificou-se a guerra civil em 1990. A cidade inteira estava em ruínas. Felizmente, nenhuma Testemunha que residia ali foi ferida. A fome assolou Asmara e grandes partes do interior. O Corpo Governante incrementou a ajuda de socorros para esse atingido canto do mundo. Dois pioneiros especiais, para chegarem a Mekele, capital da província de Tigre, e darem o necessário encorajamento às Testemunhas que moravam ali, arriscaram a vida, caminhando secretamente através da zona de guerra. Em maio de 1991, as frentes de guerrilhas derrubaram o governo revolucionário e subseqüentemente assinaram uma carta constitucional prometendo mais liberdade. A Eritréia passou então a ter uma administração independente e ficou em grande parte desligada do resto do mundo. No meio de todo esse tumulto, as Testemunhas têm permanecido estritamente neutras, visto que sabem que a solução permanente para os problemas do homem virá apenas por meio do Reino de Deus. Perto do fim do ano de serviço, foram realizadas em liberdade assembléias especiais de um dia, em várias cidades da Etiópia. Estavam sendo feitos preparativos para a realização de assembléias de circuito e um congresso de distrito, bem como para receber uma grande remessa de publicações e para a obtenção de registro legal. Na Etiópia, como em muitas outras partes, “está mudando a cena deste mundo” rapidamente, e os irmãos aguardam com entusiasmo um ajuntamento final. — 1 Cor. 7:31.
Mas o que mais tem acontecido na parte continental da África Oriental desde meados da década de 70? Vejamos.
Provada a Perseverança na Tanzânia
Uma anistia na Tanzânia durante 1976 permitiu que algumas das Testemunhas presas fossem soltas. Infelizmente, ainda havia autoridades governamentais que consideravam perigosos os nossos irmãos. Por quê? As Testemunhas de Jeová eram confundidas com os seguidores revolucionários de Kitawala em Sumbawanga. Os irmãos eram vigiados de perto, e muitos pioneiros especiais estavam em ‘cadeias como malfeitores’, assim como o apóstolo em Roma. — 2 Tim. 2:9.
Houve dificuldades adicionais. Em fevereiro de 1977, a fronteira entre a Tanzânia e o Quênia foi fechada, e permaneceu fechada por mais de seis anos. Por algum tempo, houve interrupção dos serviços de correio, e muita correspondência se extraviou. A seca causou problemas em algumas regiões, e os surtos de cólera impediam as viagens de superintendentes de circuito. A participação da Tanzânia na guerra de Uganda em 1979 causou outras pressões. A economia que deteriorava trouxe preocupações materiais. Todas essas dificuldades causaram muita pressão nos anciãos, de modo que em algumas congregações eles não puderam fazer serviço de pastoreio tanto quanto se precisava.
Mas havia pontos positivos. Em 1979, a parte sudeste do país foi finalmente aberta para a obra de pregação, de modo que as Testemunhas passaram a se tornar então ativas em toda a extensão do país, desde o Quilimanjaro, no norte, até à fronteira de Moçambique, no sul.
Juízes começaram a fazer decisões favoráveis às Testemunhas. Um guarda carcerário em Tukuyu tornou-se Testemunha, sendo seu interesse suscitado pela excelente conduta das Testemunhas. Em julho de 1981, o auge de 1975, de 1.609 publicadores, foi finalmente ultrapassado, quando 1.621 relataram.
Recompensada a Perseverança
Em 1979, e de novo em 1981, os irmãos procuraram as autoridades na tentativa de obterem reconhecimento legal da obra. Essas iniciativas não tiveram êxito. Prosseguiram os esforços de legalização com uma carta do Corpo Governante, datada de 5 de maio de 1983. Tentativas posteriores, em agosto de 1984, feitas pelos irmãos Faustin Lugora e Elikana Green, receberam uma recusa polida.
As Testemunhas perseveraram e entraram com recurso. Uma audiência no Ministério dos Assuntos Internos resultou em outra recusa em 1985. A questão parecia sem solução, contudo havia indícios de que as congregações estavam sendo examinadas. Talvez houvesse agentes governamentais de mentalidade justa que desejavam obter mais fatos a respeito das Testemunhas.
Em 1986, nossos irmãos continuaram a envidar esforços para a legalização. Foram tratados de modo eqüitativo e cortês. Por fim, sua perseverança foi recompensada. Após uma série de investigações cabais, os conceitos errados de há muito foram corrigidos, e, em 20 de fevereiro de 1987, representantes das Testemunhas receberam a carta do governo que concedia reconhecimento legal à Associação das Testemunhas de Jeová na Tanzânia. Depois de 22 anos de proscrição, foi uma ocasião para regozijo!
Paraíso Para Missionários
O júbilo se espalhou por toda a Tanzânia. Organizaram-se assembléias de circuito. Entre os candidatos ao batismo nessas assembléias, descobriu-se que alguns pregavam tanto quanto os pioneiros regulares e dirigiam nove ou mais estudos bíblicos. Com efeito, certo irmão novo se batizou junto com seu próprio estudante da Bíblia!
Solicitou-se visto de entrada para missionários na Tanzânia em 1987, o que foi concedido. Nesse mesmo ano missionários formados em Gileade chegaram a Dar-es-Salã, que já era uma cidade de mais de 1,5 milhão de habitantes. Que território para apenas duas congregações com um total de menos de 200 publicadores!
O território de pregação era um paraíso para os missionários. Os moradores convidavam a entrar e aceitavam com satisfação as publicações. Abriu-se um lar missionário em Mbeya, o ponto focal de mais de metade dos publicadores do país. Alguns meses mais tarde, chegaram mais missionários a Arusha e a Dodoma.
É preciso muito treinamento sobre organização para lançar um alicerce de modo a ajudar mais pessoas de coração honesto na Tanzânia a adorar o verdadeiro Deus. Há excelente potencial, e existe zelo, conforme revela a seguinte comparação: Em 1982, havia 160 pioneiros — em 1991, havia 866; em 1982, as Testemunhas devotaram 374.831 horas à atividade de pregação em comparação com 1.300.085 em 1991; em 1982, a assistência à Comemoração foi de 5.499 — em 1991, foi de 10.441; em 1982, 41 foram batizados em comparação com 458 em 1991.
De novo, em 1988, vieram à tona questões jurídicas sobre as Testemunhas, e essas fizeram com que diversos pedidos de vistos de entrada de missionários ficassem pendentes até agora. Entretanto, pela primeira vez, o governo aceitou as petições das Testemunhas para os anciãos poderem realizar casamentos.
Uma série de enchentes e secas fez com que se tornasse necessário enviar suprimentos de socorro ao extremo sul e perto do lago Vitória, e tais esforços continuaram em 1991. Mas, não obstante as dificuldades e as incertezas, o povo de Jeová continua a ajuntar com espírito de urgência os semelhantes a ovelhas.
Limpeza no Quênia
Nos anos após 1975, houve limpeza nas congregações. Os que estavam na verdade com a mente fixa apenas na data de 1975 como o fim deste sistema de coisas abandonaram a verdade quando isso não aconteceu naquele ano. Segundo uma pesquisa, durante aquele período, para cada 77 novos, 49 outros se tornaram inativos. Os que haviam perdido reuniões e negligenciado o estudo pessoal se tornaram presa dos laços de Satanás, por meio de imoralidade, bebedice e cobiça materialística. Infelizmente, durante certos anos, mais de 3 por cento de todos os publicadores precisaram ser desassociados.
Naturalmente, muitas congregações eram pequenas e não dispunham de boa direção. De fato, em 1978, das 90 congregações no Quênia, 49 tinham menos de 10 publicadores, e apenas 12 congregações tinham mais de 40 publicadores. Portanto, a carga teocrática ficava geralmente sobre os ombros de um ou dois irmãos. Calamidades públicas também incrementaram a carga dos anciãos. A região ao leste de Nairóbi sofreu tão severa seca que foi preciso organizar socorros.
Entretanto, nem tudo foi negativo. Aconteceram também muitas coisas boas, positivas. A assistência à Comemoração em 1977 foi de 5.584. A procura de publicações era grande. A visita de Lloyd Barry, do Corpo Governante, atiçou o zelo de todos pelo Reino. E a nova provisão de Comissão de Filial, em vigor desde 1976, deu impulso à obra.
Um Betel Maior
Em fevereiro de 1979, alcançou-se um novo auge de publicadores, 2.005. O número de publicadores fez com que a família de Betel superlotasse o prédio da filial, de modo que a Comissão de Filial solicitou aprovação do Corpo Governante para construir um anexo ao Betel, com mais quatro quartos. Para a surpresa da comissão, a resposta veio num grande envelope que continha plantas para a construção de outro prédio inteiramente novo, com mais 16 dormitórios.
As escavações para o novo prédio da filial começaram em dezembro de 1978, e, em junho de 1979, parte do belo edifício novo já estava em uso. Em janeiro de 1980, Don Adams, da sede mundial, em visita por ocasião da dedicação, discursou perante 2.205 pessoas no Estádio Municipal de Nairóbi. Depois, em tempo chuvoso, cerca de mil visitaram as novas dependências de Betel, muitos dos quais viam pela primeira vez o trabalho de sua filial. O ano terminou com congressos menores, incluindo um congresso em inglês em Nakuru, ao qual assistiram irmãos de Uganda, dilacerada pela guerra.
No ano seguinte, deu-se mais um grande passo. Chegou à filial do Quênia moderno equipamento de impressão. Podiam então ser impressos localmente formulários, programas, timbres de cartas, o Ministério do Reino e até mesmo revistas. Não haveria mais longa espera desses suprimentos vindos do ultramar. Embora em 1980 fossem impressas 120.000 publicações, dois anos mais tarde a produção total aumentou para 935.000 e em 1990, para mais de 2.000.000.
Em 1983, Nairóbi ultrapassou o marco de 1.000 publicadores, e o Quênia como um todo alcançou 3.005. Em abril, 28 por cento de todos os publicadores estavam no serviço de tempo integral. Também, mais missionários tinham chegado para ajudar.
As Publicações Ajudam a Rápida Divulgação
As publicações da Sociedade são populares no Quênia. Algumas escolas usam Meu Livro de Histórias Bíblicas nas aulas de religião. As revistas se tornaram mais atraentes, de modo que durante dois anos, 1984-85, a distribuição aumentara muito mais do que 50 por cento, colocando os publicadores, em média, às vezes, dez revistas por mês. Algumas edições tiveram um impacto imediato sobre o público. Um exemplo disso é o de certo homem que se dirigiu a um publicador que estava dando testemunho nas ruas. O homem apontou para a revista que trazia o artigo intitulado “O Fumar Veio Para Ficar?” e declarou: “Sou ex-fumante.” O que o fizera abandonar o hábito? Esse artigo que lera uns dias antes!
O ano de 1982 foi marcado pela chegada da brochura Viva Para Sempre em Felicidade na Terra!, uma publicação que revelou ser especialmente adequada para o campo africano. Mesmo pessoas de elevado nível de instrução a desejavam, algumas delas até a apanhavam literalmente das pastas dos publicadores. Isto aconteceu com uma Testemunha que tinha uma única brochura preciosa disponível na pasta. Ele estava reservando essa brochura para seu novo estudante da Bíblia. Um viajante viu a brochura. Ele a queria. Não quis aceitar nenhuma outra publicação em seu lugar. A Testemunha explicou que aquela estava reservada para alguém que concordasse estudar a Bíblia regularmente. “Não há problema”, disse com determinação o viajante. “Eu concordo.” O resultado? Um novo estudo bíblico para o publicador!
Esta brochura dá um testemunho inequívoco sobre Jeová e seus propósitos, sobre o governo do Reino e sobre as normas justas da Bíblia. Por causa do potencial desse excelente instrumento, foi traduzido em mais 35 idiomas falados no território da África Oriental, em 14 idiomas do Quênia e em 21 dos países vizinhos. Em alguns desses idiomas, essa brochura é a única publicação disponível além da Bíblia. De fato, um dos missionários da cristandade disse o seguinte a respeito da brochura no idioma massai: “Esta é a melhor coisa que já aconteceu para os massais.”
Espírito de Pioneiro
Mais uma coisa transformou o campo do Quênia: um incrementado espírito de pioneiro entre as Testemunhas. Já se foi o tempo em que os pioneiros eram considerados excêntricos ou fracassados na vida. Tornou-se evidente que Jeová estava abençoando ricamente os pioneiros com experiências alegres e frutos do Reino. Alguns se tornaram pioneiros mesmo com cegueira ou uma perna amputada. Não era incomum estarem nas fileiras dos pioneiros pais ou mães com oito ou mais filhos para cuidar.
Em abril de 1985, uns 37 por cento de todos os publicadores estavam no serviço de tempo integral. Com a ajuda desses muitos pioneiros, mais de um milhão de horas foram gastas no serviço de campo naquele ano.
Zelosos Ruandenses Compensam o Tempo Perdido
Em Ruanda as coisas também estavam em progresso. A verdade bíblica chegara ali relativamente tarde, mas muitos tinham fome da mensagem vitalizadora. Em fevereiro de 1980, o aparecimento do livro A Verdade Que Conduz à Vida Eterna em kinyarwanda deu um grande impulso aos publicadores, que naquela época tinham atingido um auge de 165. Em Quigali, construiu-se um grande, porém simples, Salão do Reino em 1980, e em pouco tempo mais de 200 pessoas assistiam às reuniões, ficando o salão apinhado de gente, que transbordava até o pátio.
O interesse pela verdade por parte dos ruandenses não agradou aos inimigos das boas novas. Em outubro de 1979, uma lista das religiões aceitas no país não incluía as Testemunhas de Jeová. Fizeram-se empenhos para registrar legalmente as Testemunhas. Em março de 1980, Ernest Heuse, da Bélgica, que servira no Zaire, chegou a Quigali para falar com as autoridades. Embora apresentasse muita documentação, não se concedeu reconhecimento legal.
A pregação do Reino continuava, porém, a progredir. Em 1982, a assistência ao congresso de distrito foi de 750 pessoas, e 22 pessoas foram batizadas, e, em março, 302 relataram tempo que devotaram ao ministério de campo. Em quatro assembléias de circuito, a assistência conjunta foi de mais de 1.200, e 40 foram batizados. A Escola do Ministério do Reino foi realizada e forneceu o necessário treinamento aos em posição de responsabilidade nas pequenas congregações. O zelo não diminuiu; os publicadores tinham, em média, 20 horas no serviço de campo cada mês. Duas pioneiras especiais iniciaram um novo território e em questão de três meses já dirigiam 20 estudos bíblicos com pessoas que compareciam, todas elas, às reuniões. Ruanda estava deveras ativa no que diz respeito à mensagem!
Cada vez mais pessoas faziam perguntas sobre as verdades bíblicas. Grande parte disso foi ocasionado pela matéria da revista Despertai! que era lida regularmente pelo rádio. As ondas do ar levavam a verdade bíblica que expunha as falsidades ensinadas por várias religiões. Não é de admirar que logo os jornais religiosos, influentes em Ruanda, atacassem as Testemunhas de Jeová. Como de costume, isto atraía mais pessoas para a verdade. Por volta dessa mesma época, porém, as Testemunhas começaram a ser detidas e interrogadas, e foram multadas por operarem uma sociedade ilegal.
Dificuldades Criadas por Decreto
Em novembro de 1982, os três pioneiros especiais que haviam assinado o requerimento para registro legal foram intimados a se apresentar em Quigali, e, ao chegarem, foram presos e encarcerados sem julgamento e sem recurso legal. O Salão do Reino foi fechado. A obra de pregação teve de ser feita às ocultas.
Uma carta do Ministro da Justiça dirigida a todos os municípios (distritos) proscrevia as Testemunhas. Mais detenções se seguiram. A maioria dos pioneiros estrangeiros teve de deixar o país. Para os irmãos locais, foi um período de provações, uma época de refinamento. Nessa hora bem oportuna, A Sentinela começou a ser impressa em kinyarwanda, provendo alimento espiritual adicional.
Para os três pioneiros especiais, Gaspard Rwakabubu, Joseph Koroti e Ferdinand I’Mugarula, havia muito trabalho a fazer na grande prisão de Quigali. Dirigiram regularmente estudos bíblicos com outros presos, e diversos deles aprenderam a verdade dessa forma. Passaram-se meses sem uma audiência no tribunal. Por fim, em outubro de 1983, foi realizado um julgamento. Esses três irmãos foram acusados de roubar o dinheiro das pessoas, de se rebelarem contra o Governo e foram feitas outras denúncias totalmente infundadas. Não se apresentou nenhum dado nem documento financeiro como evidência durante o julgamento inteiro, tampouco foram apresentadas testemunhas em apoio das acusações feitas.
Os irmãos foram sentenciados a dois anos de prisão, sem que se lhes desse um dia sequer de perdão. (Assassinos se beneficiaram de uma anistia nesse meio tempo.) Em Gisenyi, mais cinco Testemunhas suportaram fielmente quase dois anos de prisão sem sentença de tribunal.
Um alívio temporário, em 1985, permitiu que alguns irmãos de Ruanda assistissem ao congresso de distrito de Nairóbi e se reunissem com irmãos do Corpo Governante. Mas, em março de 1986, as detenções já se haviam tornado comuns em todo o país. Muitos foram levados presos de suas próprias casas. Nem mulheres grávidas nem crianças foram poupadas. Em algumas regiões, as Testemunhas foram caçadas, sendo colocadas nas listas de pessoas procuradas pela polícia. Com o tempo, mais de 140 Testemunhas foram lançadas na prisão — quase um terço de todas as Testemunhas ativas no país.
Arma Carnal ou Confiança no Todo-Poderoso?
Em 24 de outubro de 1986, o caso das Testemunhas foi finalmente ouvido no tribunal. Por volta dessa época, alguns já estavam encarcerados por mais de seis meses. De fato, um bebê tinha nascido na prisão e foi apropriadamente chamado Shikama Hodari (Permaneça Firme). As sentenças foram chocantemente cruéis, variando de 5 a 12 anos de prisão. Uma senhora interessada, que ainda não era publicadora, foi sentenciada a dez anos de prisão.
Esses casos se tornaram bem conhecidos internacionalmente e foram até mesmo assunto de conversa entre chefes de Estado na Europa e na África. Muitas pessoas fora de Ruanda enviaram cartas de protesto às autoridades responsáveis. Um anúncio pelo rádio mencionava que houve dias em que até 500 cartas a favor das Testemunhas chegavam ao Governo.
Tudo isso abriu excelentes oportunidades de se dar testemunho na prisão. As Testemunhas mostraram um notável exemplo de união: orando e estudando juntos a Palavra de Deus. Muitos co-detentos ficaram curiosos e começaram a estudar a Bíblia, e agora, ex-criminosos e ex-prostitutas estão fazendo bom progresso no caminho da vida eterna.
As Testemunhas mantiveram um espírito alegre, apesar das longas sentenças impostas. Diziam: “Recebemos 12 anos, mas Satanás receberá 1.000!” Diziam também: “Aqui temos mais liberdade do que nossos irmãos lá fora, porque podemos cantar em nossas reuniões, e eles não podem.”
Uma Agradável Surpresa
Em 1.º de julho de 1987, o 25.º aniversário da independência de Ruanda, o presidente de Ruanda pediu, pelo rádio, desculpas pelas violações dos direitos humanos, anunciando que todos os sentenciados em 24 de outubro de 1986 seriam postos em liberdade. Que decisão corajosa e louvável! Alguns dias mais tarde, os 49 irmãos e irmãs que haviam sido condenados a termos de prisão foram soltos.
Entretanto, isto deixava uma pergunta quanto a que aconteceria com os que ainda não haviam sido sentenciados. Diversas semanas se passaram, mas, com o tempo, todos foram chamados perante o tribunal e foi-lhes dito que seriam de mais proveito para o país se fossem para casa e cuidassem de lavoura e de outros trabalhos úteis.
Naturalmente, isto foi motivo de grande alegria. Depois de serem soltos, mais de 30 publicadores não-batizados e estudantes da Bíblia que haviam feito rápido progresso durante sua prisão se apresentaram para o batismo. Depois dessa “escola” na prisão, todos amadureceram rapidamente. De imediato, após o batismo, a maioria deles entrou no serviço de pioneiro auxiliar. E todas as Testemunhas que foram soltas encontraram de novo emprego secular. — Veja Salmo 37:25, 28.
Pascasie estava entre os que alegremente suportaram as provações. Acovardado com a proscrição imposta às Testemunhas de Jeová, o marido a levara à delegacia de polícia para que ela fosse presa. Embora não fosse ainda batizada, ela foi presa com as irmãs. Recebeu a condenação de dez anos de detenção. Embora sentisse dor por deixar seus filhos em casa, reconheceu que era necessário sofrer a favor da verdadeira adoração. Fez progresso espiritual na prisão e estava entre os que foram batizados quando posta em liberdade. Mas que alegria adicional sentiu quando voltou para casa e ficou sabendo que seu marido estava disposto a estudar a Bíblia com as Testemunhas de Jeová! A firmeza dela foi realmente recompensada, visto que seu marido se tornou seu irmão espiritual, unindo-se assim a família na adoração verdadeira.
Em princípios de 1990, em outra parte do país, uma acusação pendente, de 1985, foi trazida à tona, e quatro irmãos foram condenados a dez anos de encarceramento. Felizmente, isto não influiu em outras regiões, onde assembléias de circuito e cursos da escola do serviço de pioneiro podiam ser realizados. Um representante do Corpo Governante também visitou pela primeira vez, e o incrementado alimento espiritual no idioma kinyarwanda resultou em maior espiritualidade. Além disso, depois de seis meses de prisão, nossos quatro irmãos foram soltos por decreto presidencial.
Em fins de 1990, uma súbita invasão resultou em guerra civil também em Ruanda. A neutralidade de nossos irmãos, em harmonia com o princípio bíblico de João 17:14, de que “não fazem parte do mundo”, fez com que ex-opositores compreendessem que os do povo de Jeová não são inimigos de ninguém. Em princípios de 1991, a fome causou mais preocupações e tornou necessário um programa de socorros com alimentos para Ruanda, especialmente no sul do país. Foram realizadas recentemente assembléias de circuito em liberdade. Os irmãos esperam que um dia seja concedida completa liberdade de religião, junto com reconhecimento legal para eles em Ruanda, mas, no ínterim, continuam a ajudar muitos que buscam a verdade entre a crescente população de Ruanda.
Reanimação Teocrática em Uganda em Meio a Dificuldades
Em 1979, a “guerra de libertação” trouxe mudanças. A pilhagem, a violência e o sofrimento tornaram necessário tomar medidas de socorro, e as comunicações postais e telefônicas foram interrompidas. Mas, depois, tomou posse um novo governo, e o Times de Uganda, de 19 de novembro de 1979, anunciava a suspensão da proscrição das Testemunhas, junto com a liberdade de adoração, sob a manchete “Missionários Estão Livres Para Retornar”.
Uma nova série de assembléias de circuito foi logo organizada em Uganda, e 241 pessoas compareceram. Mas a situação econômica estava precária, e a vida das pessoas era de pouco valor. Muitas pessoas portavam armas, e ex-soldados se tornavam criminosos. Havia tiroteios quase todas as noites. Não era seguro viajar pelas estradas.
O escritório em Nairóbi mostrou profundo interesse em edificar e encorajar os irmãos, buscando voluntários corajosos para levarem publicações para Uganda. Seja lembrado que as pessoas andavam armadas, e com freqüência os soldados levavam uma vida dupla, sendo, de noite, bandidos. Os voluntários tinham de passar por um trecho de floresta entre Jinja e Campala, notório pelos muitos assaltos. Geralmente, as pessoas tinham de dirigir em velocidade máxima até atingirem uma região mais povoada.
Um missionário que estava pernoitando na casa de um irmão em Mbale ouviu pessoas mexer na fechadura de seu carro estacionado no pátio. Compreendendo que os ladrões estariam provavelmente armados, decidiu deixá-los roubar o que quisessem. Na manhã seguinte, faltavam duas rodas do carro, e haviam roubado até mesmo a roda sobressalente e o pára-brisa. Com duas rodas tomadas emprestadas, cujos pneus estavam quase carecas, e sem pára-brisa para proteger-se do tempo chuvoso, ele enfrentou a viagem de 240 quilômetros para chegar a Campala. Sua rota passava por aquele trecho perigoso na floresta. Mas tudo correu bem — nenhum pneu furou, apenas muito vento e chuva em seu rosto!
Em dezembro de 1980, atingiu-se um novo auge de 175 publicadores. O ano seguinte começou com um congresso de distrito realizado no Estádio de Lugogo, em Campala, com 360 pessoas na assistência. Em meio a continuada violência, as pessoas aprendiam a verdade, e em julho, havia no país 206 que publicavam, distribuindo cada um, em média, 12,5 revistas por mês.
Visto que havia apenas um ancião para oito congregações em Uganda, era grande a necessidade de ajuda. Portanto, foi feita a decisão de solicitar de novo vistos de entrada para missionários. Em setembro de 1982, Ari Palviainen e Jeffrey Welch, dois missionários, solteiros, haviam chegado a Campala no meio do contínuo tumulto. Ainda existia o toque de recolher às 18:30 horas, bem como tiroteios, e até lutas com metralhadoras eram eventos costumeiros da noite. Alguns publicadores desapareceram e temia-se que tivessem sido mortos, mas eles reapareceram. Outros, porém, não. Ao todo, oito publicadores de Uganda perderam a vida durante os distúrbios após a guerra de 1979.
Em fevereiro de 1983, foram concedidos os vistos de entrada para os missionários, e em abril daquele ano funcionava um lar missionário num lugar mais ou menos seguro, com quatro corajosos missionários formados em Gileade, incluindo Heinz e Marianne Wertholz. A polidez do povo de Uganda e seu respeito pela Bíblia fizeram com que se tornasse fácil para esses missionários esquecer as dificuldades econômicas, as estradas péssimas, a falta de segurança e os distúrbios noturnos. Não era incomum cada um ter 10 ou 15 estudos bíblicos. Em certo mês, os quatro missionários distribuíram 4.084 revistas!
“É Aquele Ali!”
Numa aldeia do interior de Uganda, o livro Verdade caiu nas mãos de um senhor de meia-idade que logo discerniu o tesouro que possuía. Ele o leu vez após vez e daí começou a dar testemunho a todos os que encontrava. De fato, ele dizia ser Testemunha de Jeová, embora nunca tivesse encontrado uma Testemunha e soubesse que não existia nenhuma naquela região.
Ele percebeu que tinha de encontrar seus “irmãos”. Portanto, certo dia, empreendeu uma viagem de bicicleta para Campala, à procura das Testemunhas de Jeová. Quando via cruzes nas igrejas, sabia que elas não podiam ser encontradas ali. As pessoas a quem ele perguntava conheciam as Testemunhas de Jeová, mas não tinham um endereço exato para lhe dar. Desanimado, entrou numa livraria e perguntou sobre as Testemunhas. O caixa disse que ocasionalmente as Testemunhas passavam ali para oferecer revistas, mas não sabia onde moravam. “Quando vierem de novo”, disse esse senhor interessado, “dê-lhes, por favor, o meu endereço. Precisam visitar-me”.
Nesse momento, dois missionários estavam fazendo revisitas aos que haviam mostrado interesse; mas não encontraram nenhum desses em casa. Olhando de novo nas suas anotações, viram o nome do caixa e disseram: “Bem, vamos revisitar esse homem.”
Quando os pioneiros chegaram à livraria, o caixa lhes disse: “Veio uma pessoa que precisava de vocês.” Olhou pela porta, apontou para a estrada e acrescentou: “É aquele ali!”
Logo esses missionários europeus encontraram o aldeão interessado. Ele abraçou a ambos! Naturalmente, tornou-se um estudante muito diligente da Bíblia. Logo foi construído um pequeno Salão do Reino na sua aldeia, e, desde sua dedicação e batismo, ele se tornou um irmão no verdadeiro sentido da palavra.
De Novo a Guerra!
Para a maioria das pessoas, a vida em Uganda era difícil. Havia pouca segurança. As pessoas eram levadas pelo exército para nunca mais serem vistas. Os preços subiam vertiginosamente. Por exemplo, o preço do pão subiu 1.000 por cento de 1974 a 1984! Ao comprarem mercadorias, alguns desistiam de contar o dinheiro; em vez disso simplesmente mediam a pilha de notas com uma régua.
O descontentamento abriu caminho para as guerrilhas no país. Por fim, depois de meses de luta, o Movimento de Resistência Nacional tomou o controle do governo. No ínterim, as tropas em fuga saqueavam bens e baleavam pessoas a esmo.
Houve luta bem perto do lar missionário. No dia seguinte, os tiroteios começaram enquanto os missionários se dirigiam para as reuniões cristãs. Balas passavam zunindo perto de suas cabeças, mas ninguém foi ferido. Depois, num domingo à tarde, receberam visitantes não-convidados: soldados em fuga que saqueavam. Os soldados ficaram irados porque a porta da frente estava trancada. Mas, quando o líder viu as carteiras de identidade dos missionários, ele mudou abruptamente e mostrou-se amistoso, não tocando em nada de seus pertences. Desculpando-se, os homens pegaram algumas roupas de vestir e de cama, mas nenhuma coisa mais valiosa.
Ao saírem, aconselharam os missionários a pôr a casa em desordem, a tirar as cortinas, esvaziar gavetas, espalhar coisas pelo chão, dando assim a impressão de que a casa já fora saqueada. Deu certo; relativamente pouca coisa foi roubada depois disso. Antes de as coisas se acalmarem e enquanto havia violentas lutas em sua volta, os missionários passaram um dia e uma noite inteira numa pequena despensa. Era o lugar mais seguro na casa. Em tudo isso, sentiram a proteção de Jeová e o vínculo de amor de seus irmãos.
Os irmãos de Uganda têm histórias a contar a respeito da mão protetora de Jeová sobre eles. Alguns podem mostrar buracos de balas nas paredes de suas casas e nas roupas. Por mais de cinco horas, um pioneiro especial teve de ficar deitado de bruços enquanto o fogo cruzado entre soldados do governo e dos rebeldes passava zunindo sobre sua cabeça. Quando as coisas acalmaram, ele estava cercado de cadáveres.
Melhorada a Segurança e Novas Alegrias
Nos meses que se seguiram, melhorou a segurança, e coisas surpreendentes aconteceram. Por exemplo, os missionários, ao se dirigirem para casa, tinham de passar na frente da enorme casa de um oficial de alta patente, sempre guardada por soldados com disposição tão imprevisível que as pessoas temiam ser molestadas por eles. Até mesmo os missionários, toda vez que tinham de passar por aquele trecho, davam um suspiro de alívio uma vez passado, e os visitantes ao lar missionário se tornaram bem poucos. Mas, com o novo governo, essa casa de repente ficou disponível para locação no mesmo tempo em que os missionários precisavam mudar de casa. Não demorou muito e eles próprios estavam morando na casa diante da qual temiam passar, usufruindo a brisa tropical às noitinhas, quando jantavam ao ar livre no grande terraço. Se se sugerisse isso um ano antes, ninguém acreditaria!
A obra em Campala prosperou. Muitas regiões da cidade não tinham sido visitadas com a pregação por mais de dez anos, e havia muito que fazer. Os irmãos de Uganda aceleraram sua atividade, fazendo em média 14,3 horas de serviço de campo por mês, por publicador, em 1987.
Um forte vínculo de amor se formou entre essas Testemunhas. Estavam muito dispostas a fazer sacrifícios, a despeito de seus recursos financeiros muito limitados. (João 13:34, 35) Para muitos, foi preciso guardar o ganho de muitos meses de trabalho, a fim de viajarem para o congresso de distrito. Mostravam sempre hospitalidade uns para com os outros e ajudavam os missionários em quaisquer problemas. Não resta dúvida de que Jeová os ajudou de muitas formas, e com freqüência era um “milagre” poder realizar assembléias, às vezes sem equipamento sonoro ou sem assentos.
Depois de se abrirem lares missionários em Campala e Jinja, estabeleceu-se um terceiro lar no outro lado de Campala. Uganda tem agora 18 congregações, um auge de 820 publicadores, uma assistência máxima na Comemoração de 3.204 e mais de 140 pioneiros regulares e especiais. Foram construídos Salões do Reino em Jinja, Tororo, Mbale e Campala. Entretanto, as condições ainda não são fáceis para o testemunho, e o futuro é incerto.
Desde 1989, tem surgido renovada oposição, começando com comentários feitos por clérigos, seguidos de artigos críticos em jornais, cancelamento verbal arbitrário de um alvará de construção que já havia sido aprovado, recusas de permitir assembléias em certos lugares e outras interferências por parte de autoridades mal-informadas. No devido tempo, exigiu-se que todas as associações se registrassem de novo, e o registro para a Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia foi recusado. A maioria dos missionários teve de deixar o país. Não obstante tudo isso, os congressos de distrito em dezembro de 1990 foram realizados com bom êxito. Algumas altas autoridades se mostraram muito prestativas e de mentalidade justa, dando esperança de que todos os missionários possam retornar em breve a Uganda e continuar seu trabalho educacional. Este campo tem grande potencial, e os irmãos rogam ao Senhor da colheita para que envie mais trabalhadores. — Mat. 9:37, 38.
O Quênia Prepara-se Para Maior Expansão
Com a organização de Jeová em progresso em toda a terra e com contínuos aumentos notáveis em toda a África Oriental, chegara o tempo de se usar uma tecnologia mais adiantada no Quênia. Que emoção foi na filial, em 1984, quando chegou o primeiro dos dois computadores pessoais da IBM enviados pela filial da Alemanha!
De início, essas novas máquinas deixaram todos perplexos, mas, com a ajuda de Jeová e de alguns livros de instruções simples, não levou muito tempo para fazer funcionar os computadores. Os computadores possibilitaram dar entrada de textos que seriam transferidos para disquetes, que por sua vez seriam enviados para as filiais impressoras do ultramar. Isso proporcionou grandes e novas possibilidades. Não mais havia a necessidade do vaivém de duas ou três provas entre a Grã-Bretanha e o Quênia antes de se poder imprimir A Sentinela em suaíli. Agora A Sentinela em suaíli é impressa simultaneamente com A Sentinela em inglês, e todas as congregações do Quênia podem estudar a mesma matéria bíblica na mesma semana.
De mãos dadas com o contínuo aumento no número de publicadores veio um notável crescimento em estabilidade espiritual. As Testemunhas incrementaram o tempo que devotam ao serviço, mantendo um olho singelo, focalizado nos interesses do Reino. Mais pessoas fizeram maiores esforços de ajudar seus muitos filhos por meio de um estudo bíblico familiar. Novos anciãos foram designados, e mais irmãos jovens se esforçaram para se qualificar como servos ministeriais. Muitos mostraram integridade em testes de neutralidade cristã. Mais se dispuseram a fazer sacrifícios materiais para terem seus próprios Salões do Reino.
O Congresso “Mantenedores da Integridade” de 1985
No fim de 1985, o Quênia estava entre os países selecionados para um congresso internacional, especial, com visitantes do ultramar. Quase 2.000 vieram. Embora os congressistas visitantes gostassem muito do panorama e da vida selvática do Quênia, disseram unanimemente que os pontos altos da visita foram o congresso e o ministério de campo, acompanhados de irmãos locais.
Quando o povo de Nairóbi viu todas essas wazungu (pessoas brancas ou europeus) com guias locais, isso causou grande comoção. Por outro lado, os visitantes ficaram impressionados com o interesse pela Bíblia demonstrado pelo povo do Quênia e com o grande número de criancinhas que os seguiam em toda a parte.
No congresso, os visitantes ficaram também encantados com os milhares de criancinhas atentas. Mais de 8.000 pessoas lotaram o Parque Jamhuri de Nairóbi, no maior congresso realizado até então. Um deleite especial para a assistência foi a presença de dois irmãos do Corpo Governante, Theodore Jaracz e Albert Schroeder.
Nos anos que se seguiram, aumentou o pessoal da filial, e mais missionários chegaram ao Quênia. Os missionários foram recompensados com muitos filhos espirituais. Por exemplo, com a ajuda dos missionários, a Congregação Eldoret cresceu de 45 para 129 publicadores em quatro anos. Com incrementado espírito de pioneiro, os interesses do Reino continuaram a avançar. Em 1987, mais de 1,5 milhão de horas foram devotadas ao campo, e mais de 4.000 publicadores estavam ativos, cada um devotando 16,4 horas, em média, por mês.
A assistência à Comemoração subiu para 15.683, e 466 foram batizados. Em média, mais de 1.000 participaram no serviço de pioneiro todo mês, e mais de 500 desses eram pioneiros regulares. Construíram-se novos Salões do Reino, e fizeram-se planos para um novo salão de assembléias nas imediações de Nairóbi. Pela primeira vez houve mais de 10.000 publicadores ativos sob a supervisão da filial, incluindo 1.000 pioneiros regulares. Daí, aconteceu uma coisa chocante.
Mais Uma Vez a Proscrição
Logo depois de realizadas as assembléias de circuito que tratavam de provas da fé, e quando se faziam os preparativos para os congressos de distrito “Confiança em Jeová”, tal confiança foi realmente posta à prova. Em 19 de novembro de 1987, uma notificação legal, datada de 9 de novembro, apareceu no jornal Gazette do Quênia, cancelando o registro da Associação das Testemunhas de Jeová da África Oriental, embora já estivesse operando por mais de 25 anos. O decreto concedia o prazo de 21 dias para encerrar assuntos e distribuir os ativos aos membros. Naquela mesma tarde, chegou uma carta do escrivão-geral que confirmava a decisão. Não foi apresentado nenhum motivo.
Na manhã seguinte, um dos jornais noticiava isso num pequeno artigo, na página 5, não como manchete, como fora o caso em 1973. Mas as agências noticiosas estrangeiras telefonaram imediatamente e daí publicaram as notícias chocantes. Sem demora, fizemos empenhos para contatar as autoridades, mas estas ou estavam preocupadas com uma visita governamental ou não queriam falar sobre o assunto.
Buscamos conselho jurídico, e, depois de muita oração, demos entrada de um recurso. Em 27 de novembro, um juiz decidiu que podia haver audiência para esse caso, o que levou a Associação de volta à legalidade, aguardando o resultado da questão. Assim, as reuniões e as atividades de pregação continuaram a ser realizadas abertamente em todo o Quênia, havendo por enquanto certa medida de alívio.
Que dizer dos congressos? Exigiu fé levar avante os planos, mas que deleite foi receber as necessárias aprovações! Depois de algum esforço, foram feitos os contratos de locação para os congressos, e assim os três congressos de distrito “Confiança em Jeová” foram realizados em dezembro. As assistências e batismos para o país inteiro foram no total 10.177 e 228 respectivamente.
Depois disso, as condições pareciam normais. As Testemunhas estavam plenamente cientes de que as coisas estavam nas mãos de Jeová quanto ao futuro da filial e da obra no Quênia.
A situação legal continua neste estado pendente há alguns anos, tendo o tribunal adiado o caso repetidas vezes. Isso causou muitos incidentes a nível local, em que as autoridades, não sabendo de nossa continuada legalidade, prenderam irmãos, atrasaram em emitir alvarás ou até mesmo recusaram permitir a realização de assembléias. No ínterim, o clero da cristandade interferiu na política como nunca antes, o que tem ajudado muitos a ver o contraste entre o clero e as Testemunhas acatadoras da lei e amantes da paz.
Isso resultou em mais aumentos de proclamadores do Reino. Por volta da época da Comemoração, em 1991, havia quase 6.000 publicadores no país, e 19.644 assistiram a essa celebração. Em Nairóbi e em Nanyuki, que fica no equador, foram construídos Salões de Assembléias. O aumento no número de publicadores coloca uma carga maior sobre a filial, de modo que a família de Betel aumentou para 38, e a ampliação do prédio atual se tornou um assunto premente.
Enfrentar o Futuro com Confiança em Jeová
O espaço não permite mencionarmos muitos outros desenvolvimentos importantes e experiências emocionantes na África Oriental. Incontáveis outros fiéis se gastaram a favor das boas novas e sofreram o mal como servos do verdadeiro Deus. Muitos assumiram pesadas responsabilidades e, como o apóstolo Paulo, tiveram ansiedade por todas as congregações durante anos. (2 Cor. 11:28) Continuam as dificuldades econômicas, legais e políticas. A solução permanente para todos esses problemas virá apenas por meio do Reino de Jeová, e, no ínterim, resta ainda muito ajuntamento a ser feito.
A população nesta parte da Terra dobrou nos últimos 20 anos. Em agosto de 1991, os países sob a filial tiveram, em conjunto, um auge de 15.970 publicadores. A filial declara: “Sabemos que Jeová conhece as suas ovelhas e oramos para que ‘a palavra de Jeová prossiga rapidamente’ antes de vir o fim, que se aproxima depressa, e do tempo em que essa linda região da terra, com todas as suas maravilhas da criação, será parte de um verdadeiro paraíso que englobará a Terra inteira.” — 2 Tes. 3:1.
[Nota(s) de rodapé]
a Com o fim da dominação colonial na África, o nome de muitos países mencionados neste relato mudou. A Rodésia do Norte veio a ser Zâmbia; a Rodésia do Sul veio a ser Zimbábue; Tanganica tornou-se Tanzânia; Urundi veio a ser Burundi; Niassalândia se tornou Malaui; e o Congo Belga veio a ser Zaire.
b A história da vida de George Nisbet foi publicada na Sentinela de 1.º de fevereiro de 1975.
c A história de sua vida foi publicada na Sentinela (em inglês) de 1.º de maio de 1985.
d Para pormenores, veja o relato histórico sobre a África do Sul, no Anuário das Testemunhas de Jeová, de 1977.
e Depois de prolongada enfermidade, Bárbara Hardy faleceu em fevereiro de 1988.
f Na Etiópia, geralmente o nome principal de alguém é o prenome.
[Foto página 69]
Jovens pastores no Quênia.
[Fotos página 71]
Quênia, terra de fascinante vida selvática.
[Fotos na página 74]
Olga Smith, com seus dois filhos, despede-se do marido Gray e de Frank, irmão dele, no início da viagem marítima deles para a África Oriental.
Frank Smith em Nairóbi, perto do centro da cidade, em 1931.
Gray Smith dando testemunho no Quênia, em 1931.
[Foto na página 76]
David Norman e Robert Nisbet em Durban, África do Sul, em 1931, pouco antes de partirem de navio para Dar-es-Salã.
[Fotos na página 79]
George Nisbet, Gray e Olga Smith, e Robert Nisbet atravessam o rio Limpopo e fazem uma parada na estrada que vai para a África Oriental, em 1935.
[Foto na página 88]
Uma reunião de “veteranos”, tomando café e chá, perto de Nairóbi, em 1985: da esquerda para a direita, Muriel Nisbet, Margaret Stephenson, Vera Palliser, Mary Whittington e William Nisbet.
[Foto na página 93]
Ingilizi Caliopi com Mary Girgis, em Cartum, no Sudão.
[Foto na página 96]
Missionários de Gileade: Dean Haupt e Haywood Ward, em Adis-Abeba.
[Foto na página 99]
A pequena filial da Etiópia em Adis-Abeba em 1953.
[Foto na página 105]
Hosea Njabula e sua esposa Leya estavam entre os primeiros a divulgar as boas novas na Tanzânia.
[Foto na página 107]
Nove dos que aprenderam a verdade no sul da Tanzânia durante a década de 30. Da esquerda para a direita: Andrew Chungu, Obeth Mwaisabila, Timothy e Ana Kafuko, Leya Nsile, Joram Kajumba, Jimu Mwaikwaba, Stela e Semu Mwasakuna.
[Foto na página 108]
Thomson Kangale, instrutor paciente de seus irmãos da África Oriental.
[Foto na página 123]
George Kadu e Margaret Nyende relembram os tempos antigos em Uganda, quando ouviram a verdade há mais de 35 anos.
[Foto na página 131]
O primeiro lar missionário e escritório da filial em Nairóbi foi aberto em 1.º de fevereiro de 1963.
[Fotos na página 139]
Em 1965, o segundo escritório da filial do Quênia em Nairóbi era o apartamento, no andar de cima, e, na foto abaixo, acha-se uma vista dos fundos do terceiro escritório da filial, em 1970, antes da ampliação.
[Foto na página 141]
Lamond Kandama, pioneiro especial ativo em Zâmbia, na Tanzânia e no Quênia por mais de 50 anos, com Esinala e Stanley Makumba, os quais empreenderam por mais de 40 anos serviço especial em Uganda e no Quênia, na maior parte no serviço de viajante.
[Foto na página 142]
John e Kay Jason, no Betel de Nairóbi, têm cada um deles mais de 50 anos de serviço de tempo integral.
[Foto na página 157]
Um grupo de felizes ruandenses depois de serem batizados.
[Foto na página 158]
Anna Nabulya, uma das pregadoras perseverantes em Uganda.
[Foto na página 169]
Gebregziabher Woldetnsae, um superintendente que se gastou até a morte.
[Fotos na página 177]
Rostos que esperamos ver na ressurreição. Todos foram assassinados por causa de sua lealdade às boas novas. Da esquerda para a direita, no alto: Ayele Zelelew, Hailu Yemiru, Wubie Ayele, Kaba Ayana, Gebreyohanes Adhanom, Adera Teshome, Wondimu Demera, Kasa Gebremedhin, Eshetu Mindu.
[Foto na página 192]
Gaspard Rwakabubu, Joseph Koroti e Ferdinand I’Mugarula, depois de serem soltos da prisão em Quigali, ficaram radiantes de assistir ao congresso internacional em Nairóbi, em 1985.
[Foto na página 199]
Assembléia de circuito em Mbale, Uganda, em 1987.
[Foto na página 201]
Atual escritório e Lar de Betel da filial em Nairóbi depois da ampliação.
[Foto na página 202]
Bernard Musinga passou 20 anos na África Oriental no serviço de viajante, e era membro da Comissão de Filial, antes de retornar à sua terra natal, a Zâmbia.
[Mapa na página 66]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
Mar Vermelho
Golfo de Áden
IÊMEN
SUDÃO
Nilo
Ondurmã
Cartum
Eritréia
Asmara
DJIBUTI
ETIÓPIA
Adis-Abeba
SOMÁLIA
Mogadiscio
QUÊNIA
Nairóbi
Mombaça
EQUADOR
Lago Vitória
UGANDA
Campala
ZAIRE
RUANDA
BURUNDI
TANZÂNIA
Zanzibar
Das-es-Salã
Mbeya
MALAUI
ZÂMBIA
Oceano Índico
SEICHELES
MADAGÁSCAR
[Quadro]
QUÊNIA
Capital: Nairóbi
Línguas oficiais: Suaíli e inglês
Principal religião: Diversas crenças
População: 23.000.000
Filial: Nairóbi
[Tabelas na página 206]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
Quênia 8.000
1950 3
1960 108
1970 947
1980 2.266
1991 6.300
Auge de Publicadores
2.000
1950
1960 5
1970 132
1980 317
1991 1.256
Méd. de Pioneiros
[Tabelas na página 207]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
Nove Países sob a Filial do Quênia
17.000
1950 119
1960 865
1970 2.822
1980 5.263
1991 15.970
Auge de Publicadores
4.000
1950 1
1960 49
1970 296
1980 599
1991 3.127
Méd. de Pioneiros