Ajuda ao Entendimento da Bíblia
[Matéria extraída da enciclopédia bíblica, Aid to Bible Understanding, Edição de 1971.]
HEBREUS, CARTA AOS. [Continuação]
Oposição judaica
Os líderes religiosos judeus, através de propaganda mentirosa, tinham feito tudo a seu alcance para suscitar o ódio. A determinação deles de combater o cristianismo com toda arma possível é demonstrada por suas ações, conforme registradas em Atos 22:22; 23:12-15, 23, 24; 24:1-4; 25:1-3. Eles e seus asseclas fustigavam constantemente os cristãos, utilizando evidentemente argumentos no esforço de quebrantar sua lealdade a Cristo. Atacavam o cristianismo com o que talvez parecesse ser forte argumentação para um judeu, e difícil de refutar.
Naquele tempo, o judaísmo tinha muito a oferecer, no sentido de coisas tangíveis, materiais, e de aparência externa. Tais coisas, talvez dissessem os judeus, provavam que o judaísmo era superior, e o cristianismo era tolice. Ora — disseram eles a Jesus — como seu pai, a nação possuía Abraão, a quem foram dadas as promessas. (João 8:33, 39) Moisés, a quem Deus falara “boca a boca”, era o grande servo e profeta de Deus. (Núm. 12:7, 8) Os judeus tinham a Lei, e as palavras dos profetas, desde o início. Não provaria esta própria antiguidade que o judaísmo era a religião verdadeira? — talvez perguntassem. Na inauguração do pacto da Lei, Deus falara por meio de anjos; com efeito, a Lei fora transmitida por meio de anjos, às mãos do mediador, Moisés. (Atos 7:53; Gál. 3:19) Nessa ocasião, Deus realizara espantosa demonstração de poder, ao fazer estremecer o monte Sinai; o alto som duma buzina, fumaça, trovões e relâmpagos acompanharam tal gloriosa demonstração. — Êxo. 19:16-19; 20:18; Heb. 12:18-21.
Além de todas estas coisas antigas, lá estava o magnífico templo, com seu sacerdócio instituído por Jeová, cumprindo diariamente seus deveres, com muitos sacrifícios. Tais coisas eram acompanhadas pela riqueza das vestes sacerdotais, e pelo esplendor dos ofícios realizados no templo. ‘Não havia Jeová ordenado que os sacrifícios pelo pecado fossem trazidos ao santuário, e o sumo sacerdote, o descendente de Arão, irmão do próprio Moisés, não entrava no Santíssimo, no Dia da Expiação, com um sacrifício pelos pecados de toda a nação? Nessa ocasião, não se dirigia, de forma representativa, à própria presença de Deus?, talvez argumentassem os judeus. (Lev., cap. 16) ‘Ademais, não era o reino uma possessão dos judeus, um deles (o Messias, que viria posteriormente, como diziam) devendo sentar-se no trono, em Jerusalém, para governar?’
Se a carta aos hebreus estava sendo escrita para habilitar os cristãos a responder às objeções que eram realmente suscitadas pelos judeus, então tais inimigos do cristianismo haviam argumentado da seguinte forma: O que possuía esta nova “heresia” para indicar como evidência de sua genuinidade, e de ter o favor de Deus? Onde estava seu templo e seu sacerdócio? Com efeito, onde estava seu líder? Tinha ele alguma importância entre os líderes daquela nação durante sua vida — este Jesus, um galileu, filho dum carpinteiro, sem nenhuma instrução rabínica? E não sofreu uma morte ignominiosa? Onde estava seu reino? E quem eram seus apóstolos e seguidores? Simples pescadores e coletores de impostos. Ademais, a quem o cristianismo atraía, na maior parte? Os pobres e humildes da terra, e, o que era pior, gentios incircuncisos, e não os da semente de Abraão, é que eram aceitos. Por que deveria alguém depositar sua confiança neste tal de Jesus Cristo, que fora morto como blasfemador e sedicioso? Por que ouvir aos discípulos dele, homens iletrados e comuns? — Atos 4:13
A superioridade do sistema de coisas cristão
Alguns dos cristãos imaturos talvez negligenciassem sua salvação mediante Cristo.(Heb. 2:14) Ou, talvez tivessem sido influenciados pelos judeus descrentes que os rodeavam. O apóstolo, indo ajudá-los com magistrais argumentos, utilizando as Escrituras Hebraicas, em que os judeus afirmavam confiar, mostra irrefutavelmente a superioridade do sistema de coisas cristão, e do sacerdócio e da realeza de Jesus Cristo. Demonstra biblicamente que Jesus Cristo é o Filho de Deus, maior do que os anjos (1:4-6), do que Abraão (7:1-7), do que Moisés (3:1-6), e do que os profetas. (1:1, 2) Efetivamente, Cristo é o herdeiro designado de todas as coisas, coroado de glória e de honra, e designado sobre as obras provenientes das mãos de Jeová. — 1:2; 2:7-9.
Quanto ao sacerdócio, o de Cristo é muitíssimo superior ao sacerdócio arônico da tribo de Levi. Depende, não da herança da carne pecaminosa, mas dum juramento de Deus. (Heb. 6:13-20; 7:5-17, 20-28) Por que, então, suportou ele tamanhas dificuldades e padeceu uma morte tão sofrida? Isto foi predito como sendo essencial para a salvação da humanidade, e para habilitá-lo qual Sumo Sacerdote, e como Aquele a quem Deus sujeitará todas as coisas. (2:8-10; 9:27, 28; compare com Isaías 53:12.) Teve de tornar-se de sangue e carne, e morrer, a fim de emancipar todos aqueles que, mediante o temor da morte, estavam em escravidão. Por meio de sua morte, conseguirá reduzir a nada o Diabo, algo que nenhum sacerdote humano poderia fazer. (2:14-16) Ele, tendo assim sofrido, é um Sumo Sacerdote que pode mostrar comiseração para com nossas fraquezas, e pode vir ajudar-nos, tendo sido provado em todos os sentidos. — 2:17, 18; 4:15.
Ademais, argúi o apóstolo, este Sumo Sacerdote “passou pelos céus” e compareceu na própria presença de Deus, não numa simples tenda ou edifício terrestre, que era mero símbolo de coisas celestes. (Heb. 4:14; 8:1; 9:9, 10, 24) Precisava comparecer apenas uma vez com seu sacrifício perfeito, sem pecado, e não vez após vez. (7:26-28; 9:25-28) Não tem sucessores, como tinham os sacerdotes arônicos, mas vive para sempre, para salvar completamente aqueles a quem ministra. (7:15-17, 23-25) Cristo é Mediador do pacto melhor, predito mediante Jeremias, sob o qual os pecados podem realmente ser perdoados e purificadas as consciências, coisas que a Lei jamais poderia consumar. As “Dez Palavras”, as leis básicas do pacto da Lei, foram escritas em pedra; a lei do novo pacto o foi nos corações. Esta palavra profética de Jeová, mediante Jeremias, tornava obsoleto o pacto da Lei, devendo desaparecer com o tempo. — 8:6-13; Jer. 31:31-34; Deut. 4:13; 10:4.
É verdade, continua o escritor de Hebreus, que assombrosa demonstração de poder foi feita no Sinai, patenteando a aprovação de Deus sobre o pacto da Lei. De forma muito mais vigorosa, porém, Deus deu testemunho na inauguração do novo pacto, com sinais, portentos e obras poderosas, junto com as distribuições de espírito santo a todos os membros da congregação que estavam reunidos. (Heb. 2:2-4; compare com Atos 2:1-4.) E, quanto à realeza de Cristo, seu trono está nos próprios céus, estando muito mais alto do que os dos reis da linhagem de Davi, que se sentavam no trono lá na Jerusalém terrestre. (1:9) Deus é o alicerce do trono de Cristo, e o reino dele não pode ser abalado, como o foi o reino em Jerusalém, em607 A.E.C. (1:8; 12:28) Ademais, Deus ajuntou seu povo diante de algo muito mais assombroso do que a demonstração miraculosa que foi feita no monte Sinai. Ele fez com que os cristãos ungidos se acercassem do monte Sião, celeste e ainda abalará, não só a terra, mas também o céu. — 12:18-27.
A carta aos hebreus é de inestimável valor para os cristãos, e é forte encorajamento para terem fé, esperança, amor e perseverança. Sem tal carta, muitas das realidades a respeito de Cristo, conforme prefiguradas pela Lei, ficariam obscuras. À guisa de exemplo, os judeus sempre souberam, pelas Escrituras Hebraicas, que, quando seu sumo sacerdote entrava no compartimento Santíssimo do santuário, a favor deles, estava representando-os perante Jeová. Jamais, porém, avaliaram a seguinte realidade: que, algum dia, o verdadeiro Sumo Sacerdote compareceria realmente nos céus, na presença do próprio Jeová! E, ao lermos as Escrituras Hebraicas, como poderíamos depreender o tremendo significado do relato do encontro de Abraão com Melquisedeque, ou saber de forma tão clara o que tipificava este rei-sacerdote? Isto, naturalmente, para citarmos apenas dois exemplos de muitas das realidades que chegamos a visualizar pela leitura desta carta.
A fé que tal carta consolida ajuda os cristãos a apegar-se à sua esperança por meio da “demonstração evidente de realidades, embora não observadas”, e a continuarem aguardando o “lugar melhor, isto é, um pertencente ao céu”. (Heb. 11:1, 16) Numa época em que muitas pessoas confiam na antiguidade, na riqueza material e no poder de organizações, e no esplendor de ritos e cerimônias, e se voltam para a sabedoria deste mundo, ao invés de para Deus, a carta divinamente inspirada aos hebreus ajuda admiravelmente a tornar o homem de Deus “plenamente competente, completamente equipado para toda boa obra”. — 2 Tim. 3:16, 17.
AUTORIA E ÉPOCA, LOCAL EM QUE FOI ESCRITA
A autoria da carta aos hebreus é amplamente atribuída ao apóstolo Paulo. Era aceita como uma epístola de Paulo por alguns escritores primitivos, entre eles Clemente de Alexandria (c.150-215 E.C.) e Orígenes (c.185-254 E.C.). O Papiro Chester Beatty N.°2 (P46) (do início do terceiro século E.C.) contém Hebreus entre nove das cartas de Paulo, e acha-se alistada entre “quatorze cartas de Paulo, o apóstolo” em “O Cânon de Atanásio”, do quarto século E.C.
O escritor de Hebreus não se identifica pelo seu nome. Muito embora todas as suas outras cartas contenham seu nome, esta falta de identificação do escritor não eliminaria obviamente a Paulo. A evidência interna da carta aponta fortemente para Paulo como seu escritor, e o local da escrita como sendo a Itália, provavelmente Roma. (Heb. 13:24) Foi em Roma, durante os anos 59 a 61 E.C., que Paulo foi primeiramente encarcerado. Timóteo estava com Paulo em Roma, sendo mencionado nas cartas do apóstolo aos filipenses, aos colossenses, a Filêmon, escritas de Roma durante esse encarceramento. (Fil. 1:1; 2:19; Col. 1:1, 2; Filêm. 1:1) Esta circunstância se ajusta à observação feita em Hebreus 13:23 sobre Timóteo ser solto da prisão, e do desejo do escritor de visitar Jerusalém em breve.
A época da escrita foi antes da destruição de Jerusalém em70 E.C., pois o templo de Jerusalém ainda estava de pé, sendo realizados ofícios ali, como é evidente pelo argumento usado na carta. E o comentário de Paulo, sobre Timóteo ser solto, fixa razoavelmente a época da escrita cerca de nove anos antes, a saber, em 61 E.C., quando se pensa que o próprio Paulo foi solto de seu primeiro encarceramento.
ESBOÇO DO CONTEÚDO
I. Posição superior de Cristo (1:1 a 3:6)
A. É herdeiro de todas as coisas, e aquele por meio de quem Deus fez os sistemas de coisas (1:1, 2)
B. É melhor do que os anjos (1:3-14)
1. Por ser o Filho de Deus (1:3-7)
2. Como Rei de Deus para sempre (1:8-12)
3. Por ser exaltado à destra de Deus; anjos apenas servos (1:13, 14)
C. Devemos prestar atenção excepcional às coisas faladas por Deus mediante Cristo (2:1-18)
1. Não se pode fugir da retribuição se negligenciarmos salvação mencionada através dele, e com o testemunho de Deus 12:1-4)
2. Vindoura terra habitada ficará sujeita a Cristo que, embora temporariamente feito menor do que os anjos, é agora exaltado, por ter provado a morte por todo homem (2:5-9)
3. É Principal Agente de Deus para salvação (2:10-18)
a. Teve de tornar-se de sangue e carne, daí, morrer, a fim de reduzir o Diabo a nada, e emancipar ‘todos os que pelo temor da morte estavam sujeitos à escravidão’
b. Não ajuda os anjos, espíritos, mas ajuda a descendência de Abraão, que era de sangue e carne
D. Cristo, como Filho sobre a casa de Deus, é maior do que Moisés, que era simples assistente fiel (3:1-6)
II. Nessa época é possível entrar no descanso de Deus (3:7 a 4:13)
A. Infidelidade dos israelitas no deserto, deixaram de entrar no descanso de Deus, aviso para cristãos (3:7 a 4:5)
B. Descanso para o qual Josué conduziu Israel não era o verdadeiro ‘descanso de Deus’, ser obediente é necessário para se entrar no descanso sabático que ainda resta para povo de Deus (4:6-9)
C. Cristão precisa descansar de suas próprias obras (egoístas), compreendendo que palavra de Deus discerne “os pensamentos e as intenções do coração” (4:10-13)
III. Superioridade do sacerdócio de Cristo (4:14 a 7:28)
A. Cristo é Sumo Sacerdote designado por Deus, testado, compassivo, “à maneira de Melquisedeque”; “passou pelos céus” (4:14 a 6:3)
1. Devemos apegar-nos à nossa confissão dele e achegar-nos do trono com franqueza no falar, para obter misericórdia (4:14 a 5:3)
2. Cristo não se glorificou, nem designou a si mesmo, ofereceu súplicas a Deus, foi ouvido graças a seu temor piedoso (5:4-7)
3. Aprendeu a obediência através do sofrimento, tornou-se responsável pela salvação dos obedientes (5:8 a 6:3)
a. Portanto, imaturos devem prosseguir à madureza
b. Treinem poderes perceptivos para distinguir o certo do errado
c. Progridam da doutrina primária até aprenderem coisas profundas sobre Cristo
B. Os que apostatam penduram de novo a Cristo na estaca, não podem ser reavivados ao arrependimento; por isso, insta-se com todos para que continuem mostrando diligência e imitando os fiéis, pacientes (6:4-12)
C. Herdeiros da promessa feita por Deus a Abraão, que continuarem a confiar no sacerdócio de Cristo, têm garantida sua esperança (6:13-20)
1. Promessa de Deus e seu juramento são duas coisas imutáveis em que é impossível que Deus minta (6:13-18)
2. Entrada de Jesus como precursor “até o interior da cortina” fornece aos herdeiros da promessa a garantia de realizarem tal esperança (6:19, 20)
D. Cristo maior que Abraão, sacerdócio de Jesus é superior ao sacerdócio Levítico (7:1-28)
1. Como o do rei-sacerdote Melquisedeque, que abençoou Abraão, e a quem Abraão (e assim Levi, ainda por nascer) pagou dízimos (7:1-10)
2. Perfeição não vem mediante sacerdócio levítico imperfeito; necessária a mudança de sacerdócio, também a mudança de lei (7:11-28)
a. Cristo era da tribo de Judá, não da de Levi
b. Sacerdócio de Cristo não depende de descendência carnal; ele possui vida indestrutível
c. Ele não tem sucessores, é capaz de salvar completamente todos os que se aproximam de Deus mediante ele
d. Sacerdotes levíticos pecaminosos ofereciam diariamente sacrifícios pelos seus próprios pecados e os do povo; Cristo sem pecados se ofereceu uma vez; foi aperfeiçoado para sempre no cargo
[Continua]