Uma nova Constituição para o Brasil moderno
Satisfará os Justos Anseios do Povo?
“UMA Constituição é, por assim dizer, a miniatura política da fisionomia de uma nacionalidade”, disse Ruy Barbosa. É a “Lei fundamental e suprema dum Estado”, define o popular Aurélio. Em sentido mais amplo, significa “o inteiro esquema segundo o qual um país é governado; e isto inclui muito mais do que as leis”, completa a Encyclopædia Britannica. E qual é o objetivo duma Constituição? “As constituições não se adotam para tiranizar, mas para escudar a consciência dos povos”, esclarece Ruy.
Uma nova Constituição gera expectativas incomuns, às vezes exageradas. É natural que também aconteça com a oitava Carta Magna do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. Conseguirá ela satisfazer os justos “anseios, necessidades e interesses” de cerca de 145 milhões de habitantes, em geral afligidos por toda sorte de problemas de saúde, de moradia e de nutrição? Ter-se invocado a “proteção de Deus” melhora suas probabilidades de êxito?
Como Foi Formulada
Uma Constituição geralmente é escrita. Mas pode ser “não-escrita”, como a britânica. Se escrita, pode ter estilo sintético ou resumido, como a dos Estados Unidos, ou detalhista, como a da Suíça, a de Portugal, e a nova Carta brasileira. Esta possui 245 artigos no corpo e 70 disposições transitórias. Foi redigida por um grupo bem variado de 559 membros da Assembléia Nacional Constituinte,a que dedicaram a ela cerca de 20 meses. Isto a um custo acima de Cz$ 3,5 bilhões (fora os salários dos constituintes).
Destaque aos Direitos e Garantias Individuais
É mui digno de nota que o capítulo dos direitos ocupe o primeiro lugar na nova Carta. Por isso, a revista Veja, de 10 de agosto, ao exaltar esta Carta no artigo “Um presente no capítulo das liberdades”, dizia: “Trata-se da melhor defesa das liberdades públicas e individuais já escrita numa das oito Constituições.” “Nesta parte”, opina o jurista Raymundo Faoro, “é o melhor texto da história de nossas Constituições”. Disse posteriormente Veja: ‘A Carta de 1988 tem a força da liberdade — é a primeira que não diminui nenhum dos direitos do povo.’ De fato, ela ordena até a elaboração dum Código de Defesa do Consumidor, o que é importante num país cuja inflação já beira a casa dos 700% ao ano.
Podem-se, deveras, enumerar notáveis conquistas: liberdade de imprensa; fim da censura; respeito aos ditames da consciência; maiores liberdades individuais — habeas data, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção; a prisão somente em flagrante delito — mantendo-se o habeas corpus; e o voto aos 16 anos. Ela amplia os direitos familiares, trabalhistas e sociais. Trata da ecologia, num país que literalmente pega fogo, e num mundo em que a tolice do homem parece movê-lo a destruir seu habitat.
Respeito aos Ditames da Consciência
O atual panorama social e religioso valoriza muito as questões materiais. Mas há aqueles cuja vida prima pelos valores espirituais. (Mateus 4:4) Assim, em questões de consciência e de crença, a nova Carta garante, no Artigo 5, inciso VI:
“É inviolável a liberdade de consciência e de crença; sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos. . .
E o inciso VIII diz: “Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.”
Isto é de especial interesse para as cristãs Testemunhas de Jeová. Por treinarem sua consciência em harmonia com a Bíblia, as Testemunhas mantêm estrita neutralidade em questões políticas, ao passo que continuam sendo excelentes cidadãos, acatadores da lei, e interessados no bem-estar do próximo.
Sem dúvida é muito bom notar que aqueles que conscienciosamente desejam ser eximidos de certos deveres militares, possam fazê-lo, embora perdendo seus direitos políticos. (Art. 15, inciso IV)
Direitos Trabalhistas
Além dos direitos individuais, os chamados direitos trabalhistas foram consideravelmente ampliados. Entre eles, enumeram-se a liberdade de organização sindical; o direito irrestrito de greve, mesmo em atividades essenciais, a jornada semanal de 44 horas, o turno único de 6 horas, a licença-paternidade de 5 dias, o pagamento de mais 50% sobre as horas-extras, o abono-férias, com o recebimento de 33% a mais, e indenizações mais justas pela dispensa de emprego. Quanto à aposentadoria, além de nova metodologia de cálculo mais justo, incluiu-se a atualização dos benefícios de aposentadoria, gravemente corroídos pela inflação.
Quanto a vários outros pontos, veja o quadro na página 14.
Pomos de Discórdia
Como seria de esperar, a nova Constituição tem seus pomos de discórdia: os juros reais de 12 por cento ao ano, todas as ampliações trabalhistas supracitadas, e as decisões todas como “nacionalistas” sobre o que é empresa nacional, exploração do subsolo e do petróleo, e questões similares. Apesar de todas as pressões religiosas, foi aprovada a agilização e ampliação do divórcio. A questão agrária continua irresolvida, como uma bomba cujo estopim ainda está aceso. Mas, com o tempo, geralmente se assimilam tais mudanças. Uma enquete do IBOPE revelava que 35 de cada 100 eleitores acreditavam que a nova Carta irá melhorar a vida do país.
Conceito Equilibrado Sobre Leis Humanas
A sensatez já dita que enormes expectativas envolvem o risco de decepções. Quão duradoura e eficaz será a nova Carta? As opiniões parecem divergir mais do que a distância que separa o céu da terra. Dentre outros, o jurista Ives G. S. Martins dizia que ela “não será duradoura”, e previa que só “se for sendo modificada, terá vida mais longa”. Mas assim não pensa Ulysses Guimarães, 72 — que ‘sentou-se ininterruptamente 9 mil horas na cadeira [de presidente da Constituinte], em 320 sessões’, quando foram efetuadas 911 votações. Para ele, a nova Constituição veio para ficar. Ao resistir a todo tipo de pressão — inclusive religiosa — o Dr. Ulysses avisou: “Viemos aqui para fazer a Constituição, não para ter medo.”
Um ponto crucial é: Como agirão os políticos ao formular as cerca de 200 leis necessárias à efetivação da Constituição? E como as interpretará o Judiciário? Na Alemanha, numa pesquisa para o jornal feminino Bild der Frau, perguntou-se aos entrevistados se os políticos falavam a verdade, pelo menos na maioria das vezes. Dentre os que responderam, 72 por cento disseram que “Não!”, e 59 por cento afirmaram crer que eles cuidavam primeiro de si, e não do interesse coletivo. Será que a situação no Brasil é diferente?
Nada muda, também, por se ter invocado a “proteção de Deus”. Os próprios debates sobre a questão esclareceram que o uso de “Deus” foi apenas simbólico. Ilustrando: Mikhail Gorbachev, ao chegar aos Estados Unidos, em fins de 1987, para tratar de questões de desarmamento, invocou: “Que Deus nos ajude.”
De uma coisa podemos estar seguros: Jeová Deus tem permitido que todos os sistemas de governo humano se provem incapazes de solucionar os problemas da humanidade, apesar das melhores das intenções. Somente o novo mundo criado por Deus poderá satisfazer os justos anseios de liberdade, de justiça e de paz, numa sociedade igualitária, com perfeita saúde, e numa Terra transformada em paraíso. E isto, por toda a eternidade. — 2 Pedro 3:13; Salmo 37:10, 11; Revelação 21:4.
[Nota(s) de rodapé]
a Convocada a Constituinte, o Governo nomeou uma Comissão de 50 notáveis para redigir um texto básico, um “cartapácio [carta muito grande] de 468 artigos”. A Constituinte preferiu começar do nada, acolhendo mais de 61.000 emendas próprias, além de 122 apresentadas por quase todas as camadas da sociedade brasileira.
[Quadro na página 14]
Alguns Direitos Novos ou Ampliados:
◻ Equilíbrio de poder Legislativo/Executivo
◻ Impostos beneficiam estados e municípios
◻ Mais verbas para educação
◻ Livre fundação de partidos
◻ Divórcio mais rápido
◻ Ampliação do conceito de “família”
◻ Proibido o comércio de sangue
◻ Fim dos decretos-leis
◻ Fim dos “marajás” políticos
◻ Vedada a promoção pessoal dos governantes
◻ Imprescritível a tortura
◻ Penalizado o racismo
◻ Juizado de pequenas causas