O que há de errado com a energia nuclear?
O MUNDO ficou atônito quando do primeiro anúncio da liberação da energia atômica nas explosões destrutivas de Hiroxima e Nagasáqui. Mas à medida que as pessoas se recobraram gradualmente do choque e do horror, ofereceram-se-lhes garantias, para lhes tranqüilizar as consciências, de que a energia atômica não era um mal total. Poderia ser controlada e orientada para canais úteis
Os primeiros relatórios até mesmo suscitaram a esperança de que a energia produzida pela fissão do urânio poderia ser a solução final do problema energético. Embora o urânio seja mais caro do que o carvão ou o petróleo, possui um conteúdo energético um milhão de vezes maior, sobrepujando de longe qualquer outra fonte energética que o homem já tenha conhecido. O custo do combustível nas fornalhas atômicas seria quase nenhum. Depois de a fornalha ter sido construída e ligada a turbinas elétricas, os custos da energia seriam praticamente nulos!
Que pena! Esta visão eufórica de energia grátis desapareceu após um exame mais detido. A primeira realidade sóbria era que menos de um por cento do urânio (o isótopo U-235) é suscetível à reação em cadeia. E para obtê-lo numa concentração suficientemente alta para a reação nuclear, tem de ser separado de seu isótopo mais pesado (U-238). Trata-se de uma operação difícil e custosa, e uma boa fração da energia obtida do U-235, quando é utilizado, já foi gasta no processo de separação.
Então aprendemos sobre os nêutrons, que propagam a reação do combustível queimado para o não queimado. Não são como as chamas bem conhecidas, que saltam de carvão em carvão no fogão. Na fissão atômica, os nêutrons liberados dos átomos que se dividem fazem com que o combustível, o reator e tudo nele e ao redor dele se torne perigosamente radioativo. Assim, o sistema da reação precisa estar dentro de grossos escudos e possuir instrumentos mecânicos para operá-lo por controle remoto. O que se passa lá dentro é mais atemorizante que uma fornalha, porque os raios penetrantes invisíveis podem queimar-nos de modo fatal, sem que nos demos conta disso.
Ademais, controlar a reação é um processo sensível. Um reator nuclear não é uma bomba, mas, se ficar descontrolado, os elementos radioativos poderiam concebivelmente atravessar suas paredes protetoras e escapar para a vizinhança, com sua carga mortífera de cinzas radioativas. Para evitar isso, são necessárias intricadas e custosas salvaguardas, e constante vigilância perita. Daí, também o urânio não se transforma completamente em cinzas. Ao ser consumido, os resíduos da fissão começam a consumir cada vez mais dos nêutrons que o urânio produz, e isto reduz a reação em cadeia. Muito antes de se consumir, o combustível tem de ser retirado e substituído por novo urânio-235.
Ademais, livrar-se do combustível queimado não é tão simples como espalhar cinzas de lenha pelo jardim. As cinzas nucleares são tremendamente radioativas, e têm de ser fortemente abrigadas por longo tempo depois de serem removidas. Alguns dos radioelementos mais abundantes nos subprodutos da fissão duram séculos. Os resíduos são muitos para serem lançados nos esgotos, ou mesmo nos oceanos. Nem é seguro enterrá-los onde a água subterrânea possa alcançá-los. Até agora, a maior parte dos resíduos radioativos é guardada em tanques sob vigilância, esperando-se que alguém calcule o que fazer com eles.
Cada uma destas complicações aumenta os grandes custos, de modo que, antes de qualquer energia ser entregue à rede elétrica, a maioria das economias resultantes do combustível “grátis” já foram consumidas. Apesar destes estorvos, tem-se promovido vigorosamente a energia nuclear, e se tornou parte do fornecimento diário de energia em muitos países.
Alguns analistas econômicos afirmam que a energia nuclear ainda não é tão barata quanto o carvão ou petróleo, e que só conseguiu chegar à sua posição atual graças aos subsídios governamentais, que não são cobrados das companhias de luz e força. Por outro lado, a concessionária de serviços públicos que fornece a eletricidade para Chicago, EUA, publicou custos que mostram que as usinas nucleares poupam milhões de dólares dos seus usuários, nos EUA. Já obtêm 42 por cento de sua eletricidade do átomo, e planejam aumentar isto para 65 por cento por volta de 1985. A energia nuclear é importante para a economia nacional de muitos países.
Objeções à Energia Nuclear
O uso da energia nuclear tem enfrentado cada vez maior oposição. A avolumante pilha de resíduos radioativos constituem uma causa atual de preocupação genuína; ninguém deseja que tais resíduos sejam estocados perto de sua casa. Também, existe uma sensação incômoda de que, de algum jeito, uma usina nuclear possa explodir e espalhar sua radioatividade por certa área que exponha milhões de pessoas a seus efeitos. Jamais ocorreu tal explosão, mas ninguém pode garantir de forma absoluta que nunca ocorrerá.
Marchas de protesto e processos jurídicos retardam a construção de novas usinas. As agências governamentais, para aplacar os manifestantes, impuseram exigências mais rígidas para a aprovação de novas usinas.
Os temores da explosão duma usina nuclear foram realçados ao ponto de frenesi nacional, nos EUA, durante recente falha numa usina próxima de Harrisburg, Pensilvânia. O reator fugiu do controle quando algumas válvulas e instrumentos usados para controlar o sistema de resfriamento do núcleo deixaram de funcionar. Por vários dias, emparelhavam-se as possibilidades de o reator aquecer-se demais e derreter-se, ou de o gás de hidrogênio que se acumulava no alto do reator poderia fazê-lo explodir em pedaços. O prédio que abrigava o reator foi projetado para conter os materiais radioativos em qualquer das contingências. Mas se isso, também, falhasse, poder-se-ia imaginar a morte de milhares de pessoas das vizinhanças. Muitos moradores preferiram não confiar nas garantias oficiais e partiram dali, até que a crise passasse.
Por fim, evitou-se o perigo sem maiores danos do que as exposições ordinariamente recebidas pelo uso médico de raios X, mas a usina de energia foi dada como perdida. Talvez custe tanto para limpá-la e consertá-la como para a construção de outra nova.
Embora os perigos fossem exagerados em muitas notícias — certo comentarista disse: “Quase perdemos a Pensilvânia” — não resta dúvida de que esse acidente reforçou a autoridade dos que objetam à energia nuclear. A emoção, mais do que a razão, parece incitar o clamor para se “fecharem as usinas nucleares”. Quando se comparam tais riscos com outros aceitos como questões corriqueiras da vida diária, parecem reduzir-se quase a nada.
Por exemplo, as pessoas continuam a dirigir seus carros mais velozmente do que o permitido por lei, sabendo que mais de 8.000 pessoas adicionais morrerão em 1980 (nos EUA), do que se se observasse o limite de velocidade. O que é ainda pior, as pessoas continuam a fumar, estimuladas pelos anúncios ubíquos e apoiados por subsídios governamentais, embora 80.000 pessoas morrerão de câncer este ano, nos EUA, como conseqüência disso.
Em contraste, nenhuma pessoa foi morta ou ficou ferida, mesmo no pior acidente da história da energia nuclear. Todavia, há os que exigem o fechamento de todas as usinas nucleares. Sem dúvida, a natureza insidiosa dos danos em potencial, resultantes das radiações invisíveis, contribui para a natureza emotiva das objeções. Todavia, tais sentimentos são um fator real a ser levado em conta, e farão com que as autoridades desacelerem tais programas e imponham salvaguardas mais rígidas. O resultado de tudo isso será tornar ainda mais cara a energia.
Por Quanto Tempo Durará o Urânio?
Outro obstáculo ao crescimento da energia nuclear é que as reservas de urânio não são ilimitadas. Se se consumar a projetada duplicação da atual capacidade, por volta de 1985, os EUA sofrerão escassez dele antes do ano 2000.
Entretanto, existe um modo de esticar grandemente as atuais reservas. Se baseia em que, ao passo que o urânio-235 é consumido, o urânio-238 é transmudado em plutônio. Este pode ser separado quimicamente do combustível usado, e se torna uma fonte energética ainda melhor do que o U-235. Nos reatores alimentados pelo plutônio, é possível regenerar o combustível de modo mais rápido do que ele é consumido, de modo que, por fim, quase todo o urânio, ao invés de ínfima fração de um por cento, se torne disponível.
Mas, existe um risco que paira como ominosa nuvem sobre todos os programas atuais e futuros. O mesmo urânio usado nas usinas de energia pode ser desviado para a fabricação de bombas. Por este motivo, os governos mantêm estrito monopólio das usinas de separação do urânio-235, e mantêm estrito cômputo de para onde vai tal produto. Apesar disto, sempre que este material é usado em reatores de energia, é possível acumular plutônio — o bastante para, com o tempo, construir-se uma bomba atômica. A Índia fez justamente isto, para consternação dos canadenses que os ajudaram a construir seu reator. O problema se agravará ainda mais caso o plutônio seja fornecido como combustível. Por estes motivos, alguns líderes políticos se opõem ao desenvolvimento do reator de regeneração rápida.
Muitos cientistas depositam sua esperança em outra forma de se conseguir energia do núcleo. Esta se baseia, não na energia de fissão de um átomo pesado em dois menores, mas na resultante da fusão do elemento mais leve, o hidrogênio, em hélio. Trata-se do processo nuclear que se passa no sol. Em contraste com as reservas limitadas de urânio, e mesmo das reservas ainda maiores de carvão, a quantidade disponível de hidrogênio é tão ampla quanto os oceanos. Caso isto fosse conseguido, não equacionaria para sempre o problema energético do homem?
Um artigo sobre esse assunto será publicado numa edição posterior de Despertai!