Como educar uma criança difícil
“COMO foi o seu dia hoje?”, pergunta Susana a seu filho, Joãozinho, quando o apanha de carro na escola. Carrancudo, ele não responde. “Ah!, você deve ter tido um dia ruim”, diz ela, denotando compreensão. “Gostaria de falar sobre isso?”
“Não me amole”, resmunga ele.
“Estou preocupada com você. Você me parece tão triste. Quero ajudar.”
“Não precisa me ajudar!”, ele grita. “Não me amole! Odeio você. Prefiro morrer!”
“Joãozinho!”, replica Susana, “não me fale desse jeito, senão eu lhe bato! Eu estava apenas tentando ser gentil. Não estou lhe entendendo. Nada do que eu digo ou faço agrada você”.
Nervosa e desgastada por seu próprio dia de trabalho, Susana enfrenta o trânsito se indagando como é que pôde ter um filho assim. Sente-se confusa, desorientada e irada, ressentida com o próprio filho e afligida por sentimentos de culpa. Susana se apavora em levá-lo para casa — seu próprio filho. Prefere nem saber o que aconteceu hoje na escola. Sem dúvida a professora vai ligar de novo. Houve ocasiões em que Susana simplesmente não suportou a situação.
Assim, incidentes aparentemente simples explodem em fortes provações emocionais, carregadas de ansiedade. Crianças com DDA/DHDA ou que por outros motivos são rotuladas de “difíceis” tipicamente reagem de maneira bem veemente diante de problemas. Tendem a atingir depressa um estado explosivo, deixando os pais irritados, desnorteados e exauridos.
Avaliação e intervenção
Tipicamente, essas crianças são inteligentes, criativas e profundamente sensíveis. É importante entender que são crianças sadias com necessidades incomuns, exigindo, pois, uma compreensão especial e bem mais profunda. Seguem-se alguns princípios e idéias que pais de crianças assim usaram com êxito.
Primeiro, é preciso aprender a reconhecer as situações e os estímulos que transtornam a criança. (Note Provérbios 20:5.) É essencial que os pais observem na criança os sinais que antecedem confrontos emocionais e intervenham prontamente. Um indicador-chave é a expressão facial que reflete um crescente nível de frustração e a incapacidade de lidar com determinada situação. Dizer gentilmente à criança que ela tem de se controlar, ou, se necessário, afastá-la da situação, pode ser de ajuda. Suspender o que a criança está fazendo, por exemplo, é eficaz, não tanto como forma de punição, mas como meio de dar à criança e aos pais uma oportunidade de recuperar a calma e então prosseguir racionalmente.
Na ilustração dada, Joãozinho reagiu mal a perguntas simples. Isto é típico de seu comportamento diário. Embora seja fácil o pai ou a mãe encarar essa ira e ressentimento como ataque pessoal, é essencial dar-se conta de que essas crianças muitas vezes perdem a percepção (raciocínio) uma vez tendo alcançado o limite de sua tolerância de estresse. Por conseguinte, é importante agir com perspicácia. (Provérbios 19:11) No caso de Joãozinho, Susana poderia ter abrandado a situação se desistisse do assunto e desse ao menino tempo para se controlar; e talvez mais tarde pudessem discutir os eventos do dia.
Crianças estressadas
Nunca antes a família humana se confrontou com problemas, pressões e ansiedades tão enormes como as que afligem o mundo moderno. Os tempos são diferentes, as demandas são mais intensas, e exige-se mais das crianças. Sobre isso, diz o livro Good Kids, Bad Behavior (Boas Crianças, Mau Comportamento): “Muitos dos problemas que as crianças aparentemente enfrentam podem ser causados ou influenciados por expectativas sociais que estão mudando.” Para crianças com DDA/DHDA, a escola pode ser um pesadelo. Enquanto lutam para vencer as suas próprias inaptidões, são obrigadas a se adaptar a uma explosão de progressos tecnológicos em rápidas transformações, num clima que pode parecer tanto hostil como perigoso, aumentando a ansiedade dessas crianças. Emocionalmente, são imaturas demais para lidar com todos esses problemas. Precisam da ajuda dos pais.
Reduza a fricção
Para ter crianças mais felizes e mais sadias, é importante zelar por um ambiente de ordem e estabilidade. Um bom plano para reduzir a fricção no lar pode começar com a simplificação do estilo de vida. Visto que essas crianças são impulsivas, distraídas e superativas, é preciso reduzir o efeito negativo da superestimulação. Reduza a quantidade de brinquedos com que essas crianças podem brincar ao mesmo tempo. Dê apenas uma tarefa ou projeto por vez, até finalizá-lo. Visto que essas crianças não raro são desorganizadas, a organização minimiza a frustração. Quanto menos e mais acessíveis forem os itens com os quais elas têm de lidar, mais fácil será administrar o que é importante.
Outro bom modo de reduzir o estresse no lar é implementar uma rotina bem estruturada, mas não rígida, que dê às crianças um senso de estabilidade. O horário não é tão fundamental como a seqüência, a ordem dos eventos. Pode-se conseguir isso por aplicar sugestões práticas, como as seguintes. Providencie boa nutrição com refeições simples bem balanceadas e lanches a intervalos regulares. Faça da hora de pôr os filhos para dormir uma ocasião calorosa, amorosa e relaxante. Levá-las às compras pode superestimular crianças muito ativas, portanto, previna-se e tente não ir a muitas lojas. Ao dar um passeio, explique qual é o comportamento que se espera. Rotinas definidas ajudam a criança com necessidades especiais a controlar seu comportamento impulsivo. Ademais, é útil ao processo de prevenção dos pais.
Junto com uma estruturação, é benéfico formular um sistema de regras e incluir nisso as conseqüências de violar regras não negociáveis. Regras definidas, coerentes, aceitáveis tanto para o pai como para a mãe, marcam os limites do comportamento aceitável para as crianças — e também lhes ensinam o senso de responsabilidade para com as suas próprias ações. Afixe uma lista de regras num lugar bem visível, se necessário (para os pais se lembrarem, bem como a criança). A coerência é a chave da segurança emocional.
Entender as preferências, os gostos e as aversões da criança e adaptar-se a elas pode contribuir muito para aliviar tensões desnecessárias no lar. Sendo muitas dessas crianças caprichosas e impulsivas por natureza, o seu relacionamento com outras crianças pode ser muito difícil. Partilhar, especialmente brinquedos, pode ser uma área especial de atrito, de modo que os pais podem facultar a seus filhos escolher itens preferidos que possam ser partilhados. Ademais, regular o seu nível de estimulação por cuidar de que brinquem com um número pequeno de coleguinhas, e criar atividades que não sejam superexcitantes, pode também ser útil para controlar o seu baixo limiar sensitivo.
É importante os pais permitirem que cada criança se desenvolva a seu próprio modo, e evitarem comprimi-la ou moldá-la a uma conformidade desnecessária. Se a criança detesta certa comida ou peça de roupa, tire-as do caminho. Esses pequenos focos de irritação simplesmente não compensam o conflito. Realmente, não tente controlar tudo. Seja equilibrado, mas, uma vez tomadas as decisões sobre o que é aceitável para uma família cristã, apegue-se a elas.
Supervisão do comportamento
Crianças imprevisíveis tendem a exigir um grau de supervisão mais elevado. Assim, muitos pais se sentem culpados caso tenham de disciplinar freqüentemente. É importante, porém, discernir a diferença entre disciplina e abuso. Segundo o livro A Fine Line—When Discipline Becomes Child Abuse (Fina Linha Demarcatória — Quando a Disciplina Vira Abuso de Crianças), alegadamente 21% dos casos de abuso físico ocorrem quando as crianças exibem um comportamento agressivo. Assim, a pesquisa conclui que as crianças com DDA/DHDA correm “risco maior de sofrer abuso físico e desamparo”. Inegavelmente, criar filhos com necessidades especiais pode ser estressante, mas a sua supervisão tem de ser sadia e equilibrada. Visto que essas crianças em geral são muito inteligentes e criativas, elas representam um desafio para os pais nos tratos de situações que exigem raciocínio. Tais crianças em geral encontram uma maneira de apontar falhas mesmo na mais brilhante lógica dos pais. Não permita isso! Retenha a autoridade parental.
Amistosa, porém firmemente, dê explicações breves; em outras palavras, não se exceda em explicações, e não negocie regras não negociáveis. Que seu “sim” signifique sim e seu “não” signifique não. (Note Mateus 5:37.) As crianças não são diplomatas; assim, negociar com elas leva a discussões, ira e frustração, podendo evoluir até mesmo para gritos e violência. (Efésios 4:31) Similarmente, evite advertir demais. Se é preciso disciplinar, faça-o prontamente. O livro Raising Positive Kids in a Negative World (Criar Filhos Positivos num Mundo Negativo) insta: “Calma, confiança e firmeza — é nisso que se resume a autoridade.” Ademais, note as excelentes sugestões no jornal The German Tribune: “Fale sempre de maneira a prender a atenção da criança: use o nome dela com freqüência, mantenha contato olho-no-olho e use linguagem simples.”
Os abusos acontecem quando os pais perdem o controle. Se o pai ou a mãe gritarem, já perderam o controle. Provérbios, capítulo 15, trata da criação de filhos e da disciplina. Por exemplo, o Pro. 15 versículo 4 diz: “A calma da língua é árvore de vida, mas a deturpação nela significa quebrantamento do espírito”; o Pro. 15 versículo 18: “O homem enfurecido suscita contenda, mas aquele que é vagaroso em irar-se sossega a altercação”; e, finalmente, o Pro. 15 versículo 28: “O coração do justo medita a fim de responder.” Assim, é importante considerar não só o que falamos mas também como falamos.
Elogio, não condenação
Visto que crianças difíceis de educar fazem coisas criativas, estranhas, até mesmo maníacas, é fácil os pais cederem à prática de achar faltas, ridicularizar, ralhar e desferir ataques furiosos. Contudo, segundo A Bíblia na Linguagem de Hoje, Efésios 6:4 instrui os pais a criar os filhos “com disciplina e de acordo com os ensinamentos cristãos”. Como disciplinou Jesus os errantes? Ele usou disciplina instrutiva que treinou e ensinou pessoas, e lidava com elas de modo imparcial e firme. A disciplina é um processo, um método de instrução, que, no caso de crianças, em geral deve ser aplicado repetidas vezes. — Veja o artigo “O Conceito da Bíblia . . . ‘A Vara da Disciplina’ É Antiquada?”, na Despertai! de 8 de setembro de 1992.
A disciplina correta cria um clima de confiança, calor e estabilidade; assim, quando a disciplina é necessária, deve ser administrada com explicações. Não há soluções instantâneas na educação de crianças, pois elas aprendem gradativamente, com o tempo. É preciso muito desvelo e amor, muito tempo e trabalho, para criar bem qualquer criança, em especial uma criança difícil. Pode ser útil lembrar o seguinte dizer: “Diga o que pensa de verdade, sustente o que diz, e faça o que diz.”
Um dos mais frustrantes aspectos do problema de lidar com crianças de comportamento angustiante é sua descomedida ânsia de atenção. Demasiadas vezes a atenção que recebem é negativa, em vez de positiva. Contudo, seja rápido em observar, elogiar ou recompensar o bom comportamento ou uma tarefa bem feita. Isto é muito encorajador para uma criança. De início seus empenhos podem parecer exagerados, mas os resultados são bem compensadores. As crianças precisam de pequenas, porém imediatas recompensas.
A experiência de um pai com seu filho, Greg
“Nosso filho Greg foi diagnosticado como portador de DHDA aos cinco anos de idade, quando freqüentava o jardim-de-infância. Naquela ocasião consultamos um pediatra especialista em desenvolvimento infantil que confirmou que Greg definitivamente era portador de DHDA. Ele nos disse: ‘A culpa não é dele, nem de vocês. Ele nada pode fazer, mas vocês podem.’
“Muitas vezes pensamos nessas palavras, pois nos lembram que nós, como pais, temos o grande dever de ajudar o nosso filho a lidar com o seu DHDA. Naquele dia o médico nos deu certas publicações para ler, e cremos que o conhecimento que adquirimos nos últimos três anos tem sido muito importante no cumprimento de nossos deveres como pais de Greg.
“Na educação de uma criança com DHDA é de importância vital estimular o comportamento apropriado e dar alertas e, se necessário, uma punição pelo mau comportamento. Quanto mais estruturado e coerente você puder ser, melhores resultados verá. Estas declarações simples são provavelmente um fator-chave na educação de uma criança com DHDA. No entanto, visto que é preciso estar atento o dia todo, isso é mais fácil de dizer do que de fazer.
“Um artifício que constatamos ser muito eficaz é suspender imediatamente a atividade da criança. Sempre que usamos essas suspensões para mudar um mau comportamento, instituímos também um programa de estímulo para encorajar mais comportamento positivo. Este estímulo pode ser uma palavra de aprovação, um abraço, ou mesmo uma pequena recompensa ou privilégio. Compramos numa loja um quadro para afixar adesivos. Escrevemos no alto qual é o comportamento adequado. Toda vez que vemos Greg comportar-se corretamente, damos-lhe um adesivo para colar no quadro. Quando o quadro está cheio, digamos, com uns 20 adesivos, ele ganha uma recompensa. Este prêmio em geral é algo que ele realmente gosta, como ir a um parque. É útil porque o motiva a ter bom comportamento. Ele mesmo cola os adesivos e pode assim acompanhar seu progresso e ver quanto falta para a recompensa.
“Outro método que temos achado eficaz é dar opções a Greg. Em vez de lhe dar uma ordem direta, nós lhe apresentamos uma escolha. Ele pode comportar-se corretamente, ou, então, sofrer as conseqüências lógicas do contrário. Isto ensina responsabilidade e como fazer decisões corretas. Se for um problema constante, como comportar-se mal numa loja ou num restaurante, podemos usar o quadro de adesivos com a sua recompensa. Assim ele vê o benefício do bom comportamento, e nós lhe mostramos o reconhecimento pelas suas melhoras.
“A maioria das pessoas não sabe que o DHDA afeta a capacidade da criança de controlar o seu comportamento e as suas reações. Muitos crêem que essas crianças poderiam controlar seu período de atenção e seu comportamento, caso se esforçassem mais, e, quando fracassam, culpa-se os pais.
“É fisicamente impossível para uma criança com DHDA sentar-se quieta por duas horas numa reunião congregacional no Salão do Reino. Jamais nos esqueceremos de que Greg, com meros cinco anos de idade, costumava chorar antes de cada reunião e nos perguntar: ‘É uma reunião demorada ou curta?’ Ele chorava amargamente quando era uma reunião de duas horas, pois sabia que não conseguia ficar sentado quieto por tanto tempo. Temos de fazer concessões à disfunção e às limitações que o DHDA produz. Sabemos que Jeová melhor do que ninguém entende essa disfunção, e isso é uma fonte de consolo. No presente Greg não toma remédios e está na série escolar normal para a sua idade.
“Fazer de Jeová a nossa esperança e sempre focalizar os olhos no novo mundo nos sustenta. A nossa esperança já é muito significativa para Greg. Ele realmente se emociona, chegando a verter lágrimas, quando se lembra que Jeová vai acabar com o DDAH na Terra paradísica.”
[Quadro na página 9]
Possíveis recompensas pelo bom comportamento:
1. LOUVOR — elogios por uma tarefa bem feita; externar apreço pelo bom comportamento, acompanhados de carinho, abraços e expressão facial calorosa.
2. SISTEMA DE QUADRO — exposto num lugar bem visível, para nele afixar atraentes etiquetas adesivas, como, por exemplo, estrelinhas, para estimular o bom comportamento.
3. LISTA DE COISAS BOAS — de realizações aceitáveis e meritórias. Sempre que a criança faz algo bom, não importa quão pequeno de início, anote isso por escrito e leia-o a um membro da família.
4. BARÔMETRO DO COMPORTAMENTO — dependendo da idade da criança, deposite num pote uma balinha, ou algo similar, toda vez que a criança fizer algo bom (estímulo tangível). O objetivo é estabelecer um sistema de pontos para se dar uma recompensa que pode incluir algo que a família normalmente faria, como ir ao cinema, patinar ou comer num restaurante. Em vez de repisar à criança: “Se você não se comportar, não iremos”, tente dizer: “Se você se comportar, iremos.” A chave é mudar o pensamento negativo em pensamento positivo, permitindo ao mesmo tempo um tempo razoável para permitir uma mudança.
[Foto na página 7]
O diálogo pode às vezes acabar em ânimos exaltados
[Foto na página 8]
Quando são feitas decisões, explique-as e apegue-se a elas
[Foto na página 10]
Orgulhosamente ele acrescenta mais um adesivo ao seu quadro