Preze a dádiva da audição
NUM sereno anoitecer no interior, longe dos barulhos da civilização, é possível deleitar-se com os suaves ruídos da noite. Ouve-se o farfalhar das folhas, sob a ação da brisa. Insetos, pássaros e outros animais emitem seus chamados distantes. Como é agradável ouvir esses ruídos suaves! Você tem a capacidade de ouvi-los?
O potencial do sistema auditivo humano é simplesmente espantoso. Fique meia hora numa câmara anecóide (uma sala acusticamente isolada, com paredes que absorvem todos os ruídos) e sua audição lentamente ‘aumentará o volume’ a ponto de você começar a ouvir ruídos estranhos produzidos dentro de seu próprio corpo. O cientista acústico Frederick A. Everest fala dessa experiência no livro The Master Handbook of Acoustics (O Compêndio Mestre da Acústica). Primeiro, as batidas do coração ficam bem audíveis. Depois de mais ou menos uma hora na sala, você ouve o sangue correndo nas veias. Por fim, se tiver audição aguçada, “a sua paciência será recompensada com um estranho som sibilante entre os ‘tun-tun’ do coração e o ruído do fluxo do sangue. Que som é esse? É o som de partículas de ar martelando os seus tímpanos”, explica Everest. “O movimento do tímpano resultante desse som sibilante é incrivelmente pequeno — apenas 1/100 de um milionésimo de um centímetro!” Este é “o limiar da audição”, o limite mais baixo de sua capacidade de detectar sons. Sensibilidade maior do que essa seria inútil, pois sons mais fracos seriam abafados pelo ruído do movimento de partículas de ar.
A audição é possível com a interação do ouvido externo, do ouvido médio e do ouvido interno, junto com as capacidades de processamento e de percepção de nosso sistema nervoso e do cérebro. O som trafega pelo ar como ondas de variações de pressão, ou vibrações. Essas ondas movimentam os tímpanos para frente e para trás, e esse movimento, por sua vez, é transferido pelo ouvido médio ao ouvido interno. Ali o movimento é convertido em impulsos nervosos, que o cérebro interpreta como som.a
O importante ouvido externo
A flexível e convoluta parte externa do ouvido chama-se orelha, ou pavilhão do ouvido. A orelha capta o som, mas faz muito mais do que isso. Já se perguntou por que a orelha tem todas aquelas dobrinhas? As ondas sonoras refletidas das várias superfícies da orelha são sutilmente modificadas segundo o seu ângulo de chegada. O cérebro descodifica essas variações ínfimas e determina a posição da fonte sonora. O cérebro faz isso além de comparar o tempo e a intensidade de um som, à medida que entra em cada um dos ouvidos.
Para comprovar isso, estale os dedos e levante e abaixe a mão, bem na frente de uma pessoa de olhos fechados. Embora seus dedos permaneçam na mesma distância de cada um dos ouvidos, ela ainda assim saberá dizer se o som vem de cima, de baixo, ou de algum ponto intermediário. De fato, mesmo quem ouve bem só num ouvido pode localizar com razoável exatidão a origem dos sons.
O ouvido médio: maravilha mecânica
A função principal do ouvido médio é transferir as vibrações do tímpano para o líquido que enche o ouvido interno. Esse líquido é muito mais pesado do que o ar. Assim, como no caso de um ciclista numa subida íngreme, é preciso engrenar a ‘marcha’ certa para transmitir a energia sonora da maneira mais eficiente possível. No ouvido médio, essa energia é transferida por três ossículos, popularmente conhecidos como martelo, bigorna e estribo, por causa de seus formatos. Essa minúscula articulação mecânica produz uma ‘marcha’ quase perfeita para o ouvido interno. Estima-se que, sem isso, 97% da energia sonora seria perdida.
Há dois músculos delicados ligados à articulação no ouvido médio. Num centésimo de segundo após a exposição de seu ouvido a um som alto de baixa freqüência, esses músculos enrijecem automaticamente, restringindo bastante o movimento da articulação, prevenindo assim um possível dano. Esse reflexo é suficientemente rápido para proteger você de praticamente todos os sons altos da natureza, embora não de todos os produzidos por equipamentos mecânicos e eletrônicos. E esses pequeninos músculos só mantêm esse estado de defesa por uns dez minutos. Mas isso lhe dá a oportunidade de fugir do som agressivo. Curiosamente, quando você fala, o cérebro envia sinais a esses músculos para que diminuam a sua sensibilidade auditiva, para que a sua própria voz não seja alta demais para você.
O surpreendente ouvido interno
A parte do ouvido interno envolvida na audição fica dentro da cóclea, assim chamada por causa de seu formato de caracol. O envoltório que protege seu delicado mecanismo é o osso mais duro do corpo. Dentro de seu labirinto encontra-se a membrana basilar, um dos vários tecidos que dividem o comprimento da cóclea em canais. Junto à membrana basilar encontra-se o órgão de Corti, que abriga milhares de células ciliadas — células nervosas com terminais parecidos com fios de cabelo, que terminam no líquido que enche a cóclea.
O movimento dos ossículos do ouvido médio, que faz vibrar a janela oval da cóclea, provoca ondas no líquido. Essas ondas movem as membranas, assim como pequenas ondulações numa lagoa agitam para cima e para baixo as folhas flutuantes. As ondas vergam a membrana basilar em pontos correspondentes a freqüências específicas. As células ciliadas nesses pontos roçam na sobrejacente membrana tectorial. Esse contato dispara as células ciliadas, que, por sua vez, geram impulsos e os enviam ao cérebro. Quanto mais intenso for o som, tanto mais células ciliadas são estimuladas e tanto mais rapidamente o são. Assim, o cérebro capta um som mais alto.
O cérebro e a audição
O cérebro é a parte mais importante de seu sistema auditivo. Ele tem a capacidade espantosa de transformar a enxurrada de dados que recebe por impulsos nervosos em percepção mental do som. Essa função principal do cérebro confirma a ligação especial entre pensamento e audição, uma conexão que se estuda no campo da psicoacústica. Por exemplo, o cérebro habilita você a ouvir uma conversa no meio de muitas outras numa sala cheia de gente. O microfone não tem essa capacidade, por isso, uma gravação feita na mesma sala talvez seja quase incompreensível.
A irritação provocada por ruídos indesejáveis confirma outro aspecto dessa ligação. Por mais baixa que seja a intensidade de um som, se você for obrigado a ouvi-lo, ele pode ser irritante. Por exemplo, a intensidade sonora de uma torneira pingante é bem baixa. Mas, você talvez ache extremamente desagradável se ela, na calada da noite, não o deixa dormir.
Realmente, as nossas emoções relacionam-se de perto com a nossa audição. Pense no efeito contagiante de uma gostosa gargalhada, ou na ternura de uma palavra sincera de afeto ou de louvor. Similarmente, grande parte de nosso aprendizado intelectual é assimilada pelos ouvidos.
Uma dádiva que deve ser prezada
Muitos dos fascinantes segredos da audição ainda não foram desvendados. Mas, os conhecimentos científicos já adquiridos aprofundam o nosso apreço pela inteligência e amor evidentes na audição. “Em qualquer profundidade de exame do sistema auditivo humano”, escreve o pesquisador acústico Frederick A. Everest, “é difícil escapar à conclusão de que suas intricadas funções e estruturas apontam para a existência de uma mão generosa no seu projeto”.
O Rei Davi, do Israel antigo, não dispunha dos conhecimentos científicos atuais a respeito dos mecanismos internos da nossa audição. Mesmo assim, ele observou o seu próprio corpo e suas muitas dádivas e cantou ao seu Criador: “Fui feito maravilhosamente, dum modo atemorizante. Teus trabalhos são maravilhosos.” (Salmo 139:14) As pesquisas científicas das maravilhas e dos mistérios do corpo, incluindo a audição, aumentam a evidência de que Davi tinha razão — nós fomos projetados maravilhosamente por um Criador sábio e amoroso!
[Nota(s) de rodapé]
[Quadro/Foto na página 24]
Ajuda para quem tem problemas de audição
A exposição prolongada a ruídos altos danifica permanentemente a audição. Ouvir música muito alta, ou trabalhar perto de máquinas barulhentas sem proteção, simplesmente não compensa essa perda. Aparelhos de surdez podem até certo ponto ajudar os que têm problemas auditivos, mesmo a alguns surdos de nascença. Para muitos, tais aparelhos restauram um mundo de novas experiências. Na primeira vez que usou aparelhos de surdez, certa senhora ouviu um som estranho que entrava pela janela da cozinha. “Eram os pássaros!”, exclamou. “Fazia anos que eu não os ouvia!”
Mesmo sem danos extremos, a idade avançada em geral diminui a nossa capacidade de detectar sons agudos. Infelizmente, isso inclui as freqüências das consoantes — não raro os sons mais necessários para entender a fala. Assim, os idosos talvez descubram que a comunicação verbal pode ser prejudicada por ruídos domésticos comuns, como os de água escorrendo ou de amassar papel, que, com as suas freqüências altas, interferem nas consoantes. Os aparelhos de surdez podem ser de certa ajuda, mas eles têm os seus próprios senões. Por um lado, aparelhos de boa qualidade podem ser muito caros — totalmente inacessíveis a pessoas comuns em muitos países. E, seja como for, nenhum aparelho de surdez pode devolver-lhe a audição totalmente normal. Assim, o que se pode fazer?
Mostrar consideração é de grande valia. Antes de falar com uma pessoa com deficiência auditiva, certifique-se de que ela saiba que você quer falar com ela. Tente falar de frente. Isso permite que ela observe os movimentos de seu corpo e de seus lábios, e capte a plena força das consoantes nas suas palavras. Chegue perto da pessoa, se possível, e fale lenta e claramente; não grite. Sons altos realmente podem ser doloridos para quem têm deficiência auditiva. Se uma declaração não for entendida, tente refraseá-la, em vez de repeti-la. Da mesma forma, se a sua audição não é mais o que costumava ser, poderá facilitar a comunicação dos outros por chegar perto da pessoa que fala e por ser paciente. Esses esforços extras poderão melhorar os relacionamentos pessoais e ajudá-lo a continuar ‘sintonizado’ com o que acontece ao seu redor.
[Foto]
Ao falar com alguém que ouve mal, fale de frente e de maneira lenta e clara
[Diagramas na página 23]
(Para o texto formatado, veja a publicação)
O ouvido
Orelha
Janela oval
Nervo auditivo
Martelo
Bigorna
Estribo
Canal auditivo
Tímpano
Cóclea
Janela redonda
Nervo auditivo
Órgão de Corti
Células ciliadas
Membrana tectorial
Fibras nervosas
Membrana basilar