Irrompe novamente a perseguição brutal
A RELUTÂNCIA das testemunhas de Jeová em voltar para Malaui estava bem fundamentada. Isto se tornou evidente quando ficamos sabendo do que aconteceu aos que foram levados de volta.
O que os aguardava era outro reinado de terror. Nada mudara. A atitude maldosa contra elas ainda prevalecia. O governo de Malaui não dera quaisquer passos para aliviar a situação.
Volta a Malaui
Quando as Testemunhas chegaram no Aeroporto de Lilongwe, em Malaui, aqueles que eram conhecidos como superintendentes destacados foram presos e metidos no xadrez. Entre eles se achava John Chiwele, que fora supervisor do campo de Sinda Misale, e Lazarus Chirwa, que fora o ajudante dele.
No aeroporto, as Testemunhas escutaram as autoridades governamentais de Malaui. Uma delas era o Sr. Kumbweza Banda, ministro da região central. Outra era o Sr. Qaniso Chibambo, ministro da região norte. Disseram às Testemunhas que haviam partido de Malaui por livre vontade, o que era inverídico; e que retornaram a Malaui por sua livre vontade, o que era igualmente inverídico.
As autoridades em seguida disseram que as Testemunhas teriam de voltar a seus respectivos povoados e comprar cartões políticos. Quando uma das Testemunhas tentou dizer uma palavra às autoridades, foi-lhe mandado calar a boca. Policiais e Jovens Pioneiros, o militante grupo jovem do Partido Congressista Malaui, foram então instruídos a revistar todas as Testemunhas. Confiscaram Bíblias, publicações bíblicas, passaportes e todos os outros documentos. As Testemunhas então receberam ordens de andar até seus povoados. Aqueles que moravam muito longe foram levados em caminhões de carga a um lugar próximo de sua localidade e então lhes mandaram andar o resto do caminho.
Quando as Testemunhas chegaram a seus povoados, algumas que tinham parentes tiveram onde dormir. Mas, a maioria ficou ao relento e dormiu ali, alguns sob as árvores, junto com seus filhos. Mas, uma sorte pior as aguardava, e se tornou logo mui evidente. Um exemplo é notado no Sunday Telegraph de Londres, de 14 janeiro de 1973, que noticiou um discurso que o Presidente Banda proferiu pelo rádio no início do ano novo. O relatório declara:
“Banda disse que as Testemunhas de Jeová . . . haviam sido enganadas por sua própria espécie, disse, a crer que ‘alguém chamado Armagedom destruiria Malaui em 15 de novembro e lhes edificaria uma nova cidade em Lilongwe.’
“Enquanto falava, o Sr. e a Sra. Gorson Kamanga, membros de meia-idade da seita que haviam sido repatriados à sua casa em Baía Nkhata Sobre o Lago, estavam sendo despidos e forçados a desfilar pelas ruas visto que, mais uma vez, recusaram comprar carteiras do partido.
“E, num povoado perto de Lilongwe, outras cinco Testemunhas ‘repatriadas’ tiveram seus braços e suas pernas fraturados por terrível espancamento às mãos dos Jovens Pioneiros. Certo homem teve suas mãos perfuradas por pregos. No Hospital de Lilongwe, foi-lhes recusado tratamento por não terem carteiras do partido.”
Qualquer pessoa familiarizada com os ensinos das testemunhas de Jeová, naturalmente, sabe que jamais creram nem ensinaram que o Armagedom seja uma pessoa. Nem jamais ensinaram que Malaui seria destruído em 15 de novembro, ou que uma nova cidade seria construída para elas ali.
Mas, tal hostilidade contra elas agitou as chamas da perseguição. E a questão das carteiras do partido mais uma vez foi lançada contra as Testemunhas. Ao se recusarem a comprá-las, por causa de sua neutralidade nos assuntos políticos, terríveis ataques começaram contra as Testemunhas que foram repatriadas.
Relatos de Testemunhas Oculares
A evidência disto não provém apenas de jornais estrangeiros. Vem das próprias testemunhas de Jeová que foram as vítimas. Muitas entrevistas foram feitas com os ‘repatriados’ que foram de novo engolfados numa onda de terror.
Estes relatos de testemunhas oculares mostram que, quando os refugiados retornaram a seus respectivos povoados, os chefes, os cabeças dos povoados, as autoridades partidárias, bem como as autoridades governamentais, exigiram que comprassem as carteiras do partido. Os seguintes exemplos são típicos:
Uma das testemunhas de Jeová, Gilbert July, do povoado de Chimongo, relatou: “Em 3 de janeiro de 1973, realizou-se uma reunião de todos os chefes de povoados no distrito de Mchinji, presidido pelo Sr. Cheuche, deputado da região de Mchinji. Nessa reunião, ficou resolvido que se as Testemunhas de Sinda Misale ainda se recusassem a comprar carteiras do partido, então deveriam ser tratadas com brutalidade. Depois desta reunião, os irmãos e irmãs Testemunhas do povoado de Chimongo (cujo chefe é Duwa) foram todos expulsos de seu povoado porque se recusaram a comprar as carteiras do partido. Os irmãos e as irmãs fugiram para o mato.”
A Testemunha Rightwell Moses é do povoado de Kachijere, cujo chefe é Mbelwa. Moses relatou que logo que as Testemunhas voltaram ao povoado, foram severamente espancadas pelos jovens por se recusarem a comprar carteiras do partido. Hastings Mzamo, o superintendente presidente da congregação local ali, foi tão gravemente espancado que não mais consegue ouvir bem.
Rightwell adiciona os seguintes pormenores a seu relatório: “Dois dias depois de chegarmos em casa, o Sr. Mahara Banda, deputado, veio ao povoado e avisou ao povo num comício que ninguém que não tivesse uma carteira do partido deveria ter permissão de permanecer no povoado. Daí, em 1.º de janeiro de 1973, o Sr. Mahara Banda trouxe dois jovens junto com ele em seu carro. Seus últimos nomes eram Jere e Tembo. Estacionou o carro fora do povoado e esperou ali enquanto os jovens entraram no povoado. Quando os jovens entraram no povoado, dirigiram-se à minha filha, Joicy e também à irmã Oliva, e exigiram delas carteiras do partido. As irmãs, naturalmente, não podiam apresentá-las, de modo que os jovens começaram a esmurrá-las. As jovens irmãs foram obrigadas a despir-se e então os jovens começaram a espancá-las com varas em sua nudez. Pegaram os irmãos e começaram a espancá-los também. Quando ficaram cansados, dirigiram-se ao carro, gritando ao irem embora que voltariam para espancar novamente os irmãos e as irmãs. Assim que partiram, os irmãos e as irmãs fugiram do povoado para o mato, e então saíram de Malaui.”
Outra Testemunha, Likeness Kamanga, foi enviada de volta ao povoado dela em Vithando, cujo chefe é Chindi. Ela relata o seguinte: “Ao chegarmos em nosso povoado, fomos convidados a uma reunião em Bulale. Adamson Dindi, presidente distrital do Partido Congressista Malaui, dirigiu-se aos reunidos. Isto se deu em 4 de janeiro de 1973. Doze Testemunhas, inclusive eu mesma, estávamos na reunião. Ordenou-se-nos a todos que comprássemos carteiras do partido. Mas, explicamos que não iríamos comprá-las. O Sr. Dindi e outros ficaram tão irados que nos mandaram sumir imediatamente de Malaui, nesse mesmo dia e hora. Não nos permitiram levar coisa alguma conosco. Todos partimos em pequenos grupos para o mato. No dia seguinte, enquanto eu fugia, foi-me dito por meus parentes que uma das Testemunhas que havia estado na reunião junto conosco no dia anterior havia sido morta.”
Geleson Esaya, uma Testemunha do povoado de Mwelekela, relata: “Em 2 de janeiro de 1973, fomos convidados a uma reunião a ser realizada no povoado de Mwelekela. O chefe do povoado, Lombwa, deveria presidir a ela. Éramos vinte Testemunhas ao todo. Quando estávamos na reunião, ordenou-se-nos que comprássemos as carteiras do Partido Congressista Malaui ou enfrentaríamos a morte. Explicamos que não podíamos comprar uma carteira. Daí, ordenou-nos que saíssemos imediatamente do povoado. Explicamos com bondade mas firmemente que queríamos uma carta dele explicando as razões de nos expulsar do povoado. Ele recusou. Então decidimos ir à delegacia de polícia de Mchinji. Mas, ao invés de nos escutar, o delegado responsável ali mandou que voltássemos ao povoado. Por conseguinte, não tivemos outra alternativa senão deixar Malaui.”
Dezenas de outros relatos de testemunhas oculares testificam sobre o mesmo tratamento brutal. Cada uma das mais de cem Testemunhas entrevistadas confirmou que o governo não fizera absolutamente nada para parar a perseguição. Todos expressaram temores de que a situação se agravasse. Como resultado, muitas delas fugiram para o mato e saíram de Malaui mais uma vez.
Os Refugiados em Moçambique
Milhares de testemunhas de Jeová já haviam fugido para o vizinho Moçambique quando a perseguição irrompeu durante 1972. Agora, alguns daqueles que haviam sido recentemente ‘repatriados’ e então foram obrigados a fugir de novo de Malaui tomaram aquela direção.
Qual é a presente situação das Testemunhas refugiadas em Moçambique? Também é difícil, mas parece não haver perseguição aberta. Ao passo que a vida é dura e o dia de trabalho é bem longo e estrênuo, o governo daquela terra não maltratou as Testemunhas.
As Testemunhas estão confinadas a certas áreas perto da fronteira, recebendo ali alguma terra. Foi-lhes ordenado limpar o solo e fazer plantações. Desta forma, poderão prover alimento para si mesmas. As testemunhas de Jeová de outras partes fizeram esforços de levar suprimentos para tais áreas, mas as autoridades rejeitaram a oferta, declarando que poderão elas mesmas cuidar da situação.
As autoridades portuguesas também forneceram bondosamente aos refugiados uns 100 hectares de terra adicional para construírem um campo perto do Forte Mlangeni. As autoridades ficaram impressionadas pelo fato de que as Testemunhas passaram logo ao trabalho e organizaram eficientemente o campo. Construíram banheiros para homens, para mulheres e para as crianças. Construíram seu próprio hospital, em que as parteiras zelaram pelo nascimento de novos bebês — e 78 destes novos bebês já haviam chegado até 15 de dezembro! Nessa época, relatou-se que 7.670 testemunhas de Jeová estavam localizadas ali.
Na última parte de dezembro, um superintendente de distrito das testemunhas de Jeová teve oportunidade de visitar algumas destas áreas. Relatou o trabalho bastante árduo que faziam, mas também que não estavam sendo perseguidas. Notou que se permitia que as Testemunhas realizassem reuniões cristãs e estudassem a Bíblia.
Com efeito, durante dezembro, 217 pessoas foram batizadas pelas testemunhas de Jeová nos campos de refugiados em Moçambique. Isto indicava que alguns que fugiram eram antes pessoas interessadas não-batizadas.
Horrorizadas as Pessoas Decentes
A perseguição contra as testemunhas de Jeová por parte de Malaui tem deixado atônitas e horrorizadas as pessoas decentes em todo o mundo. E, enquanto isso, a reputação de Malaui sofreu golpes tremendos.
Muitas pessoas que não são testemunhas de Jeová expressaram sua condolência. Afirmam que conhecem as testemunhas de Jeová como sendo pessoas decentes, acatadoras da lei, que verdadeiramente amam a Deus. Um desses comentários, por parte de uma pessoa nas Baamas, foi publicado em The Guardian, destacado jornal britânico. Esta carta ao editor foi em resposta a um prévio artigo no Guardian que descrevia a brutal perseguição contra as testemunhas de Jeová. Declarava:
“Depois de ler o artigo ‘Mortas as Testemunhas’, meus olhos se encheram de muitas lágrimas. Conheço tais pessoas, e qualquer outro que as conheça sabe que nenhuma Testemunha em qualquer parte do mundo merece esse tipo de tratamento. . . .
“Não diriam os senhores que elas amam mais a Deus do que a qualquer outra coisa na terra? Ser um homem brutalmente espancado até morrer devido a se recusar a juntar-se a um bando para matar outros homens, o que é fortemente contra a palavra de Deus, não deveríamos notar algo de imediato sobre ele?
“Este homem crê em Deus, ama-o e confia nele. Por certo, teria sido mais fácil juntar-se ao bando e continuar vivendo, mas isto teria sido uma zombaria ao que ele ensina, e, portanto, seria contra as crenças dum verdadeiro cristão. . . .
“Em outras palavras, foi uma honra para elas morrer em favor do Deus a quem amam com tanta disposição. . . .
“Elas são mui cuidadosas de não violar as leis do país em que vivem, mas lembrem-se de que jamais violarão tampouco as leis do seu Deus.
“Eu não sou testemunha de Jeová, mas as tenho observado bem de perto, e verifico que estão entre as melhores pessoas que já conheci. Pode-se olhar nos olhos delas e dizer que amam ao Deus, e também crêem nele, a respeito de quem tão paciente e vigorosamente tentam ensinar a outros.”
Também, a publicação estadunidense The Christian Century, tinha o seguinte a dizer:
“Ao passo que, para muitos cristãos, as Testemunhas parecem ser intrometidas, sua recusa teimosa de transigir quanto a suas crenças em face da perseguição e da violência deve mover todos nós pelo menos a ter certo grau de admiração por elas. Nestes dias de crescente nacionalismo, as Testemunhas são um dos poucos grupos que ainda dão testemunho do conceito cristão de que é preciso obedecer a Deus antes que ao homem. E, nos Estados Unidos, onde há uma imagem confusa de um estado quase-religioso, é revigorante que as Testemunhas de Jeová nos façam lembrar de nossa superior lealdade.”