O cultivador de pimenta de Sarauaque — fornecedor de especiaria para a sua mesa
Conforme narrado ao correspondente de “Despertai!” na Malásia
NO ANO de 1897, Ting, meu bisavô, partiu de navio da China em direção a Sarauaque, para encetar nova vida ao sopé de uma cadeia montanhosa coberta pela selva. Tinha sido convidado por alguns amigos a unir-se ali ao crescente número de famílias do sul da China. Junto com os nativos sarauaqueanos, cultivavam pimenta da melhor qualidade e mais cheirosa que havia no mundo.
Anos depois, muitos imigrantes acharam mais lucrativo cultivar borracha, mas a indústria pimenteira deveras reviveu. Atualmente, Sarauaque possui cerca de 8.500 hectares de plantações de pimenta, e emparelha-se à Índia, à Indonésia e ao Brasil como uma das mais importantes regiões produtoras de pimenta do mundo. As plantações de Sarauaque, cada uma tendo em média quase meio hectare, ou menos, produzem um quarto da pimenta do mundo.
Para os cultivadores de pimenta, a época mais atarefada vai de março a outubro. Março é a época do plantio. Em junho e julho, toda a família se ocupa em colher as bagas, por meio de firmes escadas colocadas junto às trepadeiras que atingem 3,70 metros de altura. Nossa própria plantação se estende por uma área de 0,800 hectares, e temos mais de 1.300 trepadeiras, das quais colhemos as drupas ou bagas que se penduram em amentilhos ou cachos pequenos.
Depois da colheita, as bagas precisam ser limpadas, esbagoadas, escovadas, lavadas, secadas e selecionadas, antes de ficarem prontas para ser trazidas à mesa.
Para garantia duma boa safra, é preciso insistir que os visitantes usem as trilhas. Há cerca de dez anos atrás, todas as nossas trepadeiras foram destruídas pela temível podridão de fusarium. Esta doença é facilmente transmitida e pode estragar grandes áreas de trepadeiras em muito pouco tempo. A doença foi provavelmente trazida ao nosso terreno por alguém que andou por uma área infestada.
Outra coisa a observar é a fertilização. Durante certo período, quando os preços da pimenta eram um tanto altos, papai decidiu que poderia dar-se ao luxo de colocar fertilizante extra nas trepadeiras. Mas, os resultados foram mui desapontadores. Com efeito, a safra não foi tão boa como as dos anos anteriores. Agora, com o fertilizante adequado, nossas trepadeiras produzem anualmente mais de 12.250 quilos de bagas verdes. As trepadeiras têm de sete a oito anos, a idade certa para alta produtividade. No futuro, esperamos o declínio da safra.
Métodos Para a Produção de Pimenta Branca e Preta
Imagina-se comumente que há dois tipos distintos de pimenta, a preta e a branca. Na realidade, apenas difere o processamento das bagas. De nossos 12.250 quilos de bagas, podemos produzir quer 3.260 quilos de pimenta branca, quer 3.600 quilos da pimenta preta.
A Junta de Comercialização da Pimenta, da Malásia, crê que o processo de descorar a pimenta com substâncias químicas é desnecessário, e, assim, a pimenta branca Sarauaque chega à nossa mesa sem sofrer adulteração. Nosso método de processamento da pimenta é típico. Colhemos as bagas quando um dos frutos no cacho se torna vermelho. Em seguida, colocamos as bagas colhidas em sacos de juta. Os sacos são então levados para um tanque alimentado por um riacho. Aqui, as bagas são postas de molho por completo por cerca de dez dias até que o pericarpo ou polpa fique macio e apodreça. Esvaziam-se então as bagas num tonel, onde pisamos nelas e, depois disso, as lavamos, para remover o pericarpo decomposto, junto com as hastes. Em seguida as bagas são mergulhadas em água por um dia ou dois, antes de serem lavadas pela segunda vez. Esperamos um mínimo de três dias de tempo seco e ensolarado, de modo a poder secar as bagas ao ar livre, em esteiras.
A demora na secagem influirá adversamente em sua coloração branca e em seu sabor apimentado. Se o tempo for úmido ou desfavorável, de outro modo, temos de manter as bagas submersas. Se forem removidas e colocadas no ar úmido, tendem a criar fungos.
Às vezes achamos mais lucrativo vender pimenta preta. Quando isto acontece, preferimos secar apenas as bagas verdes. (Bagas vermelhas ou amarelas, quando secadas, produzirão pimenta de cor desigual.) Os amentilhos, com suas bagas verdes, são primeiro estocados por dois dias. Isto torna mais fácil fazer as bagas passar pela peneira e remover os raminhos indesejados. As bagas são então secadas em esteiras, sem serem submersas em água previamente, como no caso da produção da pimenta branca. A pimenta seca é limpa e esbagoada, para se remover qualquer substância estranha.
Como testamos as bagas para determinar se estão bem secas? Uma maneira é simplesmente deixar que escorram por entre nossos dedos. Se devidamente secas, escorrerão livremente e não tenderão a grudar-se. Mas, acho que o melhor método é rachar com os dentes uma baga. Se a pimenta tiver a dosagem desejável de pouca umidade, ficará reduzida a pó ao invés de dividir-se em duas.
Comercialização da Pimenta
A pimenta, para nós, é como dinheiro. Pode ser conservada por longo período, sem deteriorar sua qualidade. Com efeito, reservamos pequeno aposento seco da casa para estocagem da pimenta. Este aposento poderia ser chamado de nossa caixa econômica. Aqui a pimenta é conservada em sacas de juta, importadas do Paquistão. Para lhes dar maior vigor, a saca cheia é colocada dentro de outra. Não se podem usar sacos plásticos, visto que estes reduzem a qualidade da pimenta. Tentamos determinar o tempo correto para vender nosso produto valioso, levando-o aos comerciantes ou aos exportadores, que a comprarão à taxa da bolsa do dia.
Alguns cultivadores de pimenta, em pequena escala, que vivem em áreas remotas, são obrigados, porém, a vender seu produto na loja do povoado mais próximo. Às vezes, os caminhos até suas plantações são estreitos demais para uma camioneta e, assim, as sacas pesadas têm de ser colocadas numa bicicleta e transportadas, uma a uma, até a estrada mais próxima. Ainda outros produtores levam seu produto pelo rio até ao armazém. Nesses casos, o comerciante fornece aos lavradores os artigos domésticos, ferramentas e fertilizante, em troca da pimenta que os lavradores trazem ao armazém. Os cultivadores avisam ao comerciante quando ele deve vender. Usualmente a relação entre as partes envolvidas é cordial. No entanto, já ouvi meu irmão contar casos em que o comerciante explora o cultivador de pimenta.
Não faz muitos anos, também, papai transportava de bicicleta a sua pimenta. Os tempos mudaram, e, agora, temos pequeno furgão próprio. Levamos nossa pimenta e outros produtos para o Armazém Principal em Kuching. Isto nos habilita a ganhar alguns dólares extras por vendermos aos exportadores. Alguns destes exportadores conseguem comercializar diretamente com compradores do ultramar.
Sem dúvida, a maior parte das bagas serão enviadas para Cingapura, onde os negociantes com pimenta classificam especialmente a pimenta segundo as especificações estabelecidas por agências tão importantes como a Associação Americana de Comerciantes de Especiarias.
Na verdade, nós, os cultivadores de pimenta gozamos de saudável vida ao ar livre, bem como da satisfação em nosso trabalho. Embora estejamos bem longe de ser ricos de bens materiais, derivamos prazer em cultivar esta especiaria um tanto especial que serve tão bem como condimento. Da próxima vez que apimentar sua comida, pense em mim. Quem sabe? Essa mesmíssima pimenta poderá bem ter sido cultivada em nossa plantação em Sarauaque.