O tricô — como passa tempo vitalício
EU TINHA sete anos quando tricotei meu primeiro item — um par de meias de bebê. Por fim, esta arte milenar tornou-se um passatempo prático para mim, ao fazer, eu mesma, muitas de minhas suéteres para o inverno.
Ao mudar da Inglaterra para o Brasil tropical, minhas agulhas e receitas ficaram de lado. Por que tricotar nos trópicos? Alguns anos depois, porém, os produtores brasileiros de algodão, de lã e de fibras sintéticas, lançaram uma campanha de estímulo ao tricô. Ainda se oferecem cursos gratuitos, e basta a primeira lição para convencer as jovens e as mulheres mais idosas do prazer e da economia resultantes desse passatempo.
Arte Antiga
Tricotar é, deveras, uma arte prática. Ao passo que o tecido fabricado precisa ser cortado, modelado e estilizado, pode-se fazer tudo isso com o fio, ao tricotá-lo. Na verdade, a necessidade de converter o fio em tranças e trabalhos tricotados foi responsável pela própria invenção do tricô.
Há quanto tempo se deu isso? Um par de meias de lã tricotadas, encontrado numa tumba egípcia, talvez remonte ao quarto século A. E. C. Há cerca de 3.000 anos atrás, na Arábia, usavam-se diferentes fios coloridos para formar tranças. Com efeito, os nômades do deserto da Arábia foram os primeiros tricoteiros. Enquanto cuidavam de suas ovelhas, tricotavam com fios tecidos por suas esposas. Com o tempo, seu conhecimento se disseminou pela Europa, inclusive nas Ilhas Britânicas.
Foram os homens, e não as mulheres, que estabeleceram tal arte como profissão perita. Sua formação envolvia três anos de estudos e três de viagens. Daí, seguiam-se outras 13 semanas de provas na arte criativa. Depois de aprovado num teste, o homem era aceito qual membro da liga de tricoteiros.
Há cerca de 400 anos, as mulheres começaram a tricotar como passatempo. Primeiro, aprenderam tal arte de seus maridos. Mas, desde então, ela foi transmitida tradicionalmente de mãe para filha. Em muitos países, revistas femininas publicam novas receitas de tricô. Embora apresentem a última moda, tais receitas são, na realidade, baseadas nas criadas pelos homens em priscas eras.
Ainda São Populares os Estilos Tradicionais
Os ancestrais dos pescadores das Ilhas Arana supriram-nos aparentemente inesgotável tesouro em estilos de tranças. Cada ponto tem seu significado. O pitoresco panorama irlandês é representado por uma variedade de tais estilos. Pequenos campos cercados de muros de pedra são ilustrados pelo ponto de xadrez, uma mistura dos pontos meia e tricô. Estilos em ziguezague representam trilhas das encostas, que se contorcem pelo litoral. O trabalho da laboriosa abelha forneceu inspiração para o trançado “honeycomb” ou colmeia.
A vida familiar também produziu amplo leque de idéias. As tranças serviam como lembretes da interligação da vida familiar, ao passo que o anseio da família, de ser bem nutrida e saudável, foi representado pela colher ou isca metálica de pesca. Vários estilos de cabos representam as cordas dos pescadores. E é possível divisar inequívoca influência religiosa no estilo “árvore da vida”, e também no da “escada da vida”, misto dos pontos tricô e meia, representando a ascensão do homem à felicidade eterna.
Com o passar dos séculos, os habitantes das Ilhas Shetland desenvolveram uma técnica variegada de tricô, chamada “Fair Isle” (Ilha Linda) Um ponto achatado, conhecido como ponto de base, é usado em todas as roupas, e tricoteiam-se coloridos pontos de fantasia como parte do trançado. Os padrões de cores delicadas são principalmente feitos sobre um fundo claro. Não se usam mais de duas cores numa carreira, mas a mudança do tom básico e do formato, em carreiras alternadas, produz um efeito multicolorido.
A beleza deste trabalho é realçada por se aplicarem corantes de plantas locais. Os resultantes tons sutis, azuis e verdes, não podem ser igualados por corantes químicos. Em outras ilhas, o efeito multicor é conseguido por se tricotarem vários tons de lã natural. A lã de Shetland, para exemplificar, é famosa por sua finura e durabilidade. Uma peça feita desta lã, segundo se afirma, dura a vida toda, e as suas cores jamais desvanecem. A lã foi tecida de forma tão fina que um xale de ponto de renda com 1,80 metros quadrados, e contendo 2,4 quilômetros de fio, pesa somente 70 gramas. Ora, pode passar por dentro de uma aliança!
Vestes Práticas Dominam o Cenário
Já observou que a maioria das peças tricotadas têm uso prático? Dispondo de muito tempo em casa, nas longas noites de inverno, os pescadores de perto da costa inglesa usavam seus talentos tricoteiros para fabricar uma peça de vestuário que suportasse a dura vida ao ar livre. Por tricotar com agulhas bem finas, criaram uma malha praticamente à prova do vento. Quando terminada, é uma peça sem costura, o original jérsei ou guerusei azul-marinho, assim chamado em honra das ilhas do Canal da Mancha. Nunca precisou ser melhorado quanto a prover calor, proteção e liberdade de movimento.
Típico no cenário sul-americano é o poncho tricotado à mão Era a alpaca que provia a matéria-prima para esta peça original, e a inspiração do estilo tricotado. A lã da alpaca é mui leve e macia como seda.
A peça tricotada à mão que desafia até mesmo a fiandeira é a lovikka, a meia-luva escandinava. Com agulhas grossas, é tricotada em ponto de meia com lã não-fiada. A trança resultante fornece tão excelente insulante que as mãos da pessoa suam mesmo em temperaturas de 34 graus C abaixo de zero. Simples bordados coloridos e uma borla de passamanaria realçam o colorido natural.
Passatempo do Século Vinte
Tricotar nunca foi tão fácil como é hoje. Acham-se disponíveis receitas, com instruções, para praticamente toda peça conhecida. Estilos modernos pedem pontos que simplesmente a movem a experimentar fazer isso. Recebendo apenas algumas lições, a iniciante pode aprender os essenciais, e o uso de lã grossa e volumosa contribui para o rápido progresso.
As condições econômicas deram mais ênfase ao tricô como profissão, e não apenas como passatempo. À guisa de exemplo, o preço de um casacão, na Inglaterra, duplicou em apenas um ano. Assim, os tricoteiros dirigem seus talentos para a fabricação de jaquetas, suéteres grossas e ponchos aconchegantes. No sul do Brasil, onde a temperatura pode cair abaixo de zero, blazers ou japonas, tricotados com fios grossos e em estilos esportivos, são vistos com mais freqüência do que os casacões de inverno.
O envolvimento do Brasil no tricô provém de dispor das matérias-primas necessárias. Durante séculos, o algodão foi produzido no Brasil e exportado para a Europa. Cuidadosas experiências produziram uma variedade de algodão que é superior a qualquer outra já criada, especialmente no que tange ao comprimento e à resistência da fibra. Conhecido como seridó o algodoeiro pode produzir de sete a dez anos sem precisar ser replantado, ao passo que outros tipos têm de ser replantados anualmente. Isto deu ímpeto à indústria algodoeira local, e, por conseguinte, também ao tricô.
Dicas Para Iniciantes
Mas, como é que se aprende a tricotar? Afirma uma tricoteira com certa experiência: ‘Tricotar é, em si, muito simples, exigindo apenas um par de agulhas de tricô, novelos de lã, algodão, seda ou linho, mas é preferível ter uma professora, inicialmente, ou, pelo menos, dispor de desenhos de como usar as mãos e as agulhas para iniciar os pontos. Com uma agulha na mão direita, ou mesmo só com as mãos, faz-se a laçada inicial. Daí, faz-se outra e uma série do mesmo modo, ou por usar semelhantemente a agulha. Daí, passa-se a agulha com os pontos dados para a mão esquerda, e enfia-se a 2.ª agulha, na mão direita, no primeiro ponto da agulha da mão esquerda. Com pequena explicação prática, ou por olhar desenhos bem explicativos, tem-se uma idéia mais completa, difícil de colocar em poucas palavras.’
Os estilistas brasileiros substituíram o tricô de “Fair Isle” pelo estilo suíço, em parte — método através do qual a peça é tricotada nos pontos básicos e os pontos fantasia são aplicados depois. A maioria dos estilos rendados são produzidos quando a pessoa tem mais experiência. Todavia, o estilo básico, tal como o ponto de rede, pode ser feito facilmente com apenas um pouco de prática. Todavia, as tricoteiras experientes ainda preferem seguir uma receita — adotar os segredos profissionais.
A maioria dos fios são vendidos por peso e a metragem depende da grossura e da qualidade. Fibras sintéticas são muito mais leves do que a lã da mesma espessura. Certa vez, para um estilo que exigia lã natural, comprei, por peso, a mesma quantidade de lã sintética. Quando completei a peça, ainda dispunha de quase a metade da lã. O algodão da mesma espessura que a lã natural é mais pesado. Descobri isto ao tricotar um conjunto que normalmente seria de lã. Usei algodão da mesma espessura, em lugar da lã, que não alterou a tensão exigida, mas tive de comprar quase duas vezes mais fio, pelo peso. Acabou sendo deveras caro.
O tricô é preferível ao crochê para roupas que se ajustem bem. Devido à elasticidade, a roupa tricotada pode esticar 30 por cento antes de perder seu formato original. Quando se desfaz uma peça para tricotá-la de novo, perde-se grande parte da elasticidade natural, de modo que a suéter dum adulto só servirá para uma criança. Por isso, não enrole o fio apertado demais num novelo.
Muitas tricoteiras manuais abandonaram este passatempo em favor da máquina de tricô. Todavia, tricotar à máquina jamais resulta na tranqüilizadora satisfação física, e priva a pessoa do prazer derivado de produzir algo com suas próprias mãos. É por isso que certa mãe de cinco filhos vendeu a máquina dela. Agora “trabalha em que for do agrado das suas mãos”. — Pro. 31:13.
Sim, tricotar é um passatempo gratificante e prático. O prazer que proporciona é, sem dúvida, um dos motivos pelos quais já dura tanto tempo e se acha tão difundido. Outra razão é fornecer uma variedade de peças de roupa. Tricotar dispõe dum passado ímpar, é um passatempo prático para os dias atuais e tem um futuro promissor. Por que não faz do tricô também o seu passatempo? — Contribuído.
[Nota(s) de rodapé]
a As Ilhas Aran ficam situadas junto à costa ocidental da Irlanda.
[Foto na página 24]
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